VERIFICAÇÃO

Arroz chinês mostrado em vídeos não é de plástico e nem será importado pelo Brasil

O edital da Conab evidencia que o arroz importado deve ser tipo 1, ou seja, o de melhor qualidade, da safra 2023/2024

Investigado por: Gazeta. 

Enganoso: Posts enganam ao sugerir que o governo federal vai importar arroz de plástico da China para evitar o aumento no preço do produto após as enchentes no Rio Grande do Sul, maior produtor do grão no Brasil. As publicações usam um vídeo da fabricação de arroz artificial em uma máquina de uma empresa chinesa e sugerem que o arroz produzido por esse equipamento é feito de plástico e será comprado pelo Brasil. Esse arroz, no entanto, não usa plástico em sua composição, mas sim quirera de arroz ou outros cereais como milho e trigo, e o edital de importação da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) não prevê a compra desse tipo de produto.

Conteúdo investigadoVídeos com alegações de que o arroz que o governo federal importará é feito de plástico. Um deles mostra o processo de produção da empresa chinesa SunPring acompanhado da frase “Este é o arroz chinês. Se o que está sendo colocado a venda é este, não sei, mas seria muito interessante alguém mandar analisar”. Outro conteúdo mostra gravação em que uma mulher afirma que comprou e consumiu arroz de plástico, que derrete ao ser colocado no fogo.

Onde foi publicado: X e Kwai.

Conclusão do Comprova: Vídeos enganam ao sugerir que o arroz a ser importado pelo governo federal é feito na China com plástico e papel. Posts com vídeo do processo de fabricação de arroz em máquinas da empresa chinesa SunPring, verificados pelo Comprova, sugerem incorretamente que o grão produzido por esse equipamento é feito de plástico e será comprado pelo Brasil. Na verdade, a empresa reprocessa grãos quebrados e dá ao produto o formato de um grão de arroz normal.

SunPring explica em seu site que seu arroz é artificial e pode ser feito com milho, trigo, aveia e soja, além de grãos quebrados de arroz como matéria-prima. É possível ainda incrementar nutrientes como cálcio, zinco e ferro. Em nenhum momento é cogitado o uso de papel ou plástico na produção do grão.

“O valor dos nutrientes do arroz artificial é de 5 a 10 vezes maior que o do arroz normal”, garante a empresa. Ainda segundo a companhia, “o preço do arroz artificial é mais alto do que o arroz normal, mas ele pode ser cozido diretamente ou cozido no vapor com arroz normal na proporção”.

Segundo informou a Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), esse processo existe há muitos anos, mas é de baixa produção por não ser economicamente viável.

“O arroz do vídeo é um arroz produzido em máquina extrusora e é fabricado a partir dos grãos quebrados de arroz, quirera, canjica e canjicão de arroz, extrusado por meio de um tubo formatador que corta o amido em forma de arroz”, afirmou a entidade. Neste vídeo, publicado no YouTube pela empresa chinesa, é possível ver a produção em detalhes.

O governo federal não prevê a importação de arroz artificial, como o produzido pela empresa chinesa. O edital da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) evidencia que o arroz importado deve ser tipo 1, ou seja, o de melhor qualidade, da safra 2023/2024. O documento detalha ainda que o produto deverá ter aspecto, cor, odor e sabor característico de arroz beneficiado, sendo vedada a aquisição de arroz aromático. A medida adotada pelo governo federal tem por objetivo suprir a demanda após perdas na safra do Rio Grande do Sul, maior produtor do país, devido às enchentes.

A Conab disse que o arroz poderá ser comprado de todos os países produtores e exportadores de arroz, mas as variedades precisam ser compatíveis ao consumo brasileiro, conforme Instrução Normativa do Ministério da Agricultura e Pecuária n.º 06/2009. Essa normativa da Conab especifica que o arroz importado é proveniente da espécie Oryza sativa L., uma das mais cultivadas globalmente, como mostra detalhamento feito pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

O autor do post enganoso foi procurado pelo Comprova, mas não respondeu até a publicação deste texto.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 28 de maio, o post tinha 128,2 mil visualizações, 2 mil curtidas, 1 mil compartilhamentos e 208 comentários.

Fontes que consultamos: Entramos em contato com a Conab, com a Abiarroz e entrevistamos Manoel Maradini Filho, professor do Departamento de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Também procuramos pelas regras definidas para o leilão de importação do arroz e fizemos uma busca reversa no Google para identificar a origem de um dos vídeos enganosos verificados.

Mulher diz que comprou arroz de plástico

Em outro vídeo, publicado no Kwai, uma mulher afirma que comprou “arroz de plástico”. Ela coloca os grãos diretamente nas chamas do fogão e alega que estão pegando fogo e “derretendo”. Nem o Rio Grande do Sul nem a China são citados na gravação, mas o vídeo, que circula pelo menos desde maio de 2022, voltou a viralizar no contexto da discussão da importação de arroz pelo Brasil.

O professor Antônio Manoel Maradini Filho, da Ufes, analisou o vídeo a pedido do Comprova. Ele, que atuou por 30 anos no desenvolvimento de produtos e no controle de qualidade em empresas alimentícias, afirma não ser possível dizer que o material que aparece na gravação é arroz. “Parecem ser peletes de material plástico com formato parecido com grão de arroz”, diz. Segundo Maradini, o arroz exposto a uma chama como a do vídeo viraria carvão e não derreteria. “Não tem nenhuma informação do fabricante, não apresenta nenhuma embalagem”, alerta.

Leilão para importação de arroz foi suspenso

Há cerca de duas semanas, o governo federal editou uma medida provisória que autorizou a importação de 104 mil toneladas de arroz pela Conab. O objetivo é evitar o aumento preço do do produto após as enchentes no Rio Grande do Sul, maior produtor do grão no país. A previsão era a de que o leilão ocorresse no último dia 21, mas foi suspenso.

A Conab divulgou no dia 20 um comunicado informando que a nova data de realização “será publicada oportunamente”.

Durante reunião extraordinária, o Comitê Executivo de Gestão (Gecex) da Câmara de Comércio Exterior (Camex) zerou as tarifas para dois tipos não parboilizados e um tipo polido/brunido do grão até 31 de dezembro. A Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) informou que vai monitorar a situação para reavaliar o período de vigência, caso necessário.

Para zerar as tarifas, os três tipos de arroz foram incluídos na Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum (Letec) do Mercosul. A medida, conforme disse o MDIC, foi solicitada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária e pela Conab.

A maior parte das importações de arroz no Brasil vem do próprio Mercosul, sem pagar tarifa de importação. O MDIC diz que a redução a zero da alíquota abre espaço para a compra de arroz de outros grandes produtores, como a Tailândia. Até abril deste ano, o país asiático respondia por 18,2% das importações brasileiras de arroz.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Estadão e a Agência Aos Fatos também concluíram ser falsas as alegações de que o Brasil vai importar arroz de plástico da China. O Comprova já checou outras informações relacionadas às chuvas no Rio Grande do Sul e entendeu ser enganoso o vídeo que alega que a Anvisa impediu o transporte de medicamentos ao estado e explicou que detentos em abrigos gaúchos são do regime semiaberto.

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