VERIFICAÇÃO

Influenciador português engana ao afirmar que Globo noticiou sobre urnas eletrônicas brasileiras hackeadas nos EUA

Equipamentos que passaram pelos testes em evento em Las Vegas não eram os usados no Brasil

Investigado por: A Gazeta e O Dia. 

Enganoso: Publicação engana ao usar fala de influenciador português para afirmar que a TV Globo divulgou que as urnas eletrônicas brasileiras são “hackeáveis”, após terem o sistema invadido em uma convenção de hackers nos Estados Unidos. De fato, participantes do evento em Las Vegas conseguiram hackear equipamentos, mas modelos que passaram pelos testes não eram os usados no Brasil.

Conteúdo investigado: Post com fala do influenciador português Sérgio Tavares, durante audiência pública no Senado, em que ele afirma que a TV Globo informou, em 2019, que uma convenção de hackers em Las Vegas comprovou que as urnas eletrônicas brasileiras são hackeáveis. Tavares diz ainda que o voto eletrônico é usado apenas por países de Terceiro Mundo.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Uma declaração do influenciador Sérgio Tavares engana ao afirmar que as urnas eletrônicas brasileiras podem ser hackeadas. Segundo o português, que se apresenta como jornalista, a TV Globo noticiou em 2019 que o modelo usado no país foi invadido em poucos minutos, durante uma convenção de hackers em Las Vegas. A fala é enganosa: o congresso ao qual ele se refere, o DefCon, aconteceu em 2017 e avaliou a segurança das urnas eletrônicas dos Estados Unidos, e não as utilizadas no Brasil.

A afirmação ocorreu em 23 de abril, quando Tavares relatava a senadores, durante depoimento à Comissão de Segurança Pública (CSP), ter sido questionado sobre as urnas eletrônicas não serem confiáveis ao ser detido pela Polícia Federal (PF), em 25 de fevereiro, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo. “Eles deveriam ser os primeiros a saber que as urnas eletrônicas são hackeáveis, comprovadamente hackeáveis, como a Globo noticiou em 2019, numa convenção de hackers em Las Vegas, onde, em poucos minutos, os hackers entraram nas urnas no mesmo modelo brasileiro”, respondeu.

O depoimento do português provavelmente faz referência a uma participação do advogado Ronaldo Lemos na GloboNews em 2017. Em um trecho do programa Estúdio I, da GloboNews, em 7 de agosto de 2017, o cientista-chefe do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio) explicou que todos os equipamentos testados na convenção em Las Vegas foram invadidos, mas a análise não tinha relação com o Brasil. “A gente tem que lidar com calma com essa situação, porque também, depois, as pessoas ficam achando que isso tem a ver com o Brasil”, apontou.

Em um artigo publicado pela Folha de S.Paulo, Lemos pediu que parassem de usar sua fala para espalhar desinformação. Em 2021, a informação foi desmentida pela Justiça Eleitoral. “Em nenhum momento os equipamentos brasileiros foram submetidos aos testes realizados durante a conferência”, afirmou o órgão. No mesmo ano, o Comprova e outras iniciativas de checagem também mostraram que o comentário de Ronaldo Lemos havia sido tirado de contexto. Procurado pela reportagem, o responsável pela publicação ironizou o pedido de contato e não respondeu aos questionamentos.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 25 de abril, o post tinha 413 mil visualizações, 31 mil curtidas, 8 mil compartilhamentos e 679 comentários. A publicação em outro perfil no X alcançou 10,1 mil visualizações, 923 curtidas e 374 compartilhamentos.

Fontes que consultamos: Inicialmente, procuramos quando e em qual contexto ocorreu a fala do influenciador português e encontramos as informações no site do Senado. Em seguida, procuramos pela reportagem da TV Globo citada por Sérgio Tavares e encontramos o comentário na íntegra no site da GloboNews no G1, bem como outras verificações sobre o tema. Além disso, consultamos o site e a assessoria de imprensa da Justiça Eleitoral para esclarecimentos sobre a informação investigada. Por fim, fizemos buscas pelo perfil do comunicador e contato com o responsável pela publicação.

Urnas eletrônicas são usadas em 46 países

No mesmo depoimento, Sérgio Tavares afirmou que “em Portugal, na Europa, não há nenhum país que usa urnas eletrônicas” e que o sistema seria usado apenas pelo “terceiro mundo”. Contudo, uma publicação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aponta que o voto eletrônico é adotado por pelo menos 46 nações, segundo levantamento do Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral Internacional (Idea) – organização intergovernamental que apoia democracias sustentáveis em todo o mundo -, das quais 29 em eleições nacionais.

Integram a lista países como Suíça, Canadá, Austrália, Estados Unidos e Coreia do Sul. Contudo, alguns usam as urnas eletrônicas apenas em estados e pleitos. Além disso, somente o Brasil e outras 15 nações utilizam os modelos com gravação direta, com ou sem impressão de comprovante verificável pelo eleitor.

No Brasil, a urna eletrônica foi adotada em 1996 e, desde então, nenhuma fraude foi comprovada. A Justiça Eleitoral esclarece que os equipamentos não são conectados à internet, nem possuem placa que dê acesso a outro tipo de conexão em rede (wi-fi ou bluetooth). “O dispositivo funciona de maneira isolada e sequer realiza a transmissão dos resultados da votação, que já são conhecidos pela população logo após o término da eleição, com a impressão do Boletim de Urna (BU)”, informa o TSE.

Comissão investiga abordagem da PF a influenciador português

O diretor de Polícia Administrativa da Polícia Federal (PF), delegado Rodrigo de Melo Teixeira, e Sérgio Tavares foram ouvidos em audiências públicas da CSP em 19 de março e 23 de abril, respectivamente. Os depoimentos foram convocados pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE), com o objetivo de esclarecer a retenção do português no Aeroporto de Guarulhos, em 25 de fevereiro. Segundo o parlamentar, a corporação constrangeu e intimidou o influenciador.

Sérgio Tavares foi retido pela Polícia Federal quando desembarcou em Guarulhos para cobrir as manifestações de apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na Avenida Paulista (SP), e ficou no aeroporto por quatro horas. Na ocasião, a PF alegou que ele não apresentou visto de trabalho e que os policiais seguiram o “procedimento padrão” para apurar se ele estava no Brasil a turismo ou para trabalhar.

Uma norma de 2017 do Conselho Nacional de Imigração (CNI) exigia visto de trabalho temporário a estrangeiros que pretendiam vir ao Brasil exercer atividade jornalística. Em 7 de dezembro de 2022, contudo, houve uma mudança e uma normativa do Ministério das Relações Exteriores isentou do visto cidadãos europeus que viajem ao Brasil para exercer atividade jornalística por 90 dias, desde que a atividade não seja remunerada por fonte brasileira.

Durante o depoimento, Sérgio disse que foi tratado como “criminoso”, que a ação constitui um incidente diplomático e imprime uma ideia de “terrorismo psicológico” praticado contra a direita política no Brasil. Ele afirmou que as perguntas feitas pelo delegado abordaram o 8 de janeiro, e não questões relacionadas à imigração, como a exigência de visto de trabalho. O comunicador relatou ainda que foi o único cidadão português do voo a ser retido na chegada de Guarulhos.

À comissão, o delegado disse que o nome de Tavares estava incluído em uma lista de alertas mantido pela PF, uma vez que o português publicou manifestações de ataque à honra de ministros da Suprema Corte, críticas à urna eletrônica e apoio aos atos antidemocráticos. “As opiniões dele flertam e estão muito próximas de uma situação de criminalidade”, afirmou na ocasião. As oitivas do diretor e do influenciador podem ser assistidas na íntegra no canal da TV Senado no YouTube.

Ativista de direita, Sérgio Tavares participou de atos pró-Bolsonaro

Titular de um canal no YouTube desde julho de 2022, com mais de 364 mil inscritos e 6,8 milhões de visualizações, Sérgio Tavares se apresenta como ativista, professor e ex-jornalista correspondente da Rádio Renascença em Timor-Leste. Em seus vídeos, aborda temas defendidos pela direita, liberdade de expressão e perseguição política.

Em 3 de fevereiro deste ano, poucos dias antes de ser retido, ele entrevistou Jair Bolsonaro em seu canal no YouTube, ocasião em que o ex-presidente fez ataques ao presidente Lula (PT), ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao TSE. Após ser liberado pela Polícia Federal, o influenciador participou do ato na Avenida Paulista.

No dia 21 de abril, o português também esteve no ato pró-Bolsonaro realizado em Copacabana, no Rio de Janeiro, onde foi recebido pelo ex-presidente, que afirmou que Tavares “deu voz” a ele e seus apoiadores na Europa. Em 2022, o comunicador já tinha participado em Brasília e em São Paulo das manifestações de 7 de setembro.

Apesar de se apresentar como jornalista, Sérgio Tavares não tem registro na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), em Portugal. No dia seguinte à ação da PF em Guarulhos, a CCPJ publicou um comunicado dizendo que ele “não é jornalista” e que nunca emitiu nenhum título profissional ao comunicador. Algumas entidades portuguesas podem exigir o registro para a atuação profissional no setor público ou privado, mas quem não o tem é livre para atuar em jornais digitais ou canais no YouTube, como no caso do influenciador.

Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Em 2021, o Comprova, Estadão Verifica e Aos Fatos já haviam desmentido a informação investigada nesta verificação. Além disso, em 2020, Fato ou Fake do G1 e Aos Fatos também mostraram ser falso que apenas Brasil, Cuba e Venezuela usavam voto eletrônico. As urnas eletrônicas são alvo constante de informações enganosas. O Comprova já mostrou ser falsa a publicação que mostra haver dispositivo capaz de alterar a votação e enganoso o vídeo que cita falhas já corrigidas em urnas.

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