VERIFICAÇÃO

É falso que Israel cancelou contrato para fornecimento de aparelho contra o câncer depois de fala de Lula

Ministério da Saúde e INCA afirmam que suposto acordo entre os dois países, na verdade, nunca existiu

Investigado por: O Dia e Estado de Minas.

Falso: É falso que Israel cancelou contratos firmados no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), para fornecimento de aparelhos para diagnóstico e tratamento de câncer, durante a gestão do presidente Lula (PT). Procurados pelo Comprova, o Ministério da Saúde e o Instituto Nacional do Câncer (INCA) esclareceram que nunca houve acordo entre os dois países. Já a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) afirmou que o método mencionado na publicação não existe; é um desafio científico e tecnológico ainda não atingido.

Conteúdo investigado: Uma publicação afirma que um acordo firmado em 2019, entre Brasil e Israel, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), importaria, a partir de 2024, um aparelho com tecnologia israelense que detecta câncer de mama e próstata a partir da primeira célula e faz a retirada de tumores sem cortes. Entretanto, o contrato teria sido cancelado dias após as falas do presidente Lula (PT) sobre a atuação israelense na guerra na Faixa de Gaza.

Onde foi publicado: X e Telegram.

Conclusão do Comprova: É falso que Israel tenha cancelado contratos de exportação na área da saúde ao Brasil após o presidente Lula (PT) criticar a atuação israelense no conflito com o Hamas. Postagens citam a venda de um suposto aparelho que detectaria câncer de mama e de próstata precocemente, mas os contratos nunca existiram. A publicação também diz que os acordos teriam sido firmados em 2019, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e que a tecnologia chegaria ao país a partir de agosto deste ano.

Procurado pelo Comprova, o Ministério da Saúde negou que haja qualquer contrato de importação de equipamento para tratamento oncológico com o governo de Israel. O Instituto Nacional do Câncer (INCA) também reafirmou a inexistência de acordo em vigor entre a instituição e empresas israelenses para a compra de dispositivos de tratamento de câncer de mama e de próstata. “As alegações de cancelamento de contrato são infundadas e foram categorizadas como informações falsas”, destacou o instituto.

Além disso, de acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM), o aparelho supostamente criado por Israel mencionado na publicação não existe. “O câncer de mama é uma doença complexa que envolve a multiplicação descontrolada de células anormais. Detectar o câncer a partir da primeira célula é um desafio científico e tecnológico que ainda não foi atingido”, destacou a entidade.

O post mente ainda ao afirmar que a transação teria sido desfeita pela gestão israelense em 21 de fevereiro de 2024. O conteúdo sugere que o suposto rompimento do contrato teria sido motivado pelas declarações de Lula em uma entrevista coletiva em Adis Abeba, capital da Etiópia, em 18 de fevereiro, quando fez um paralelo entre a guerra na Faixa de Gaza e o Holocausto. O post faz isso ao utilizar uma imagem com a hashtag NaziLula e uma suástica nazista, formada por vários “L”, em alusão ao nome do chefe de Estado.

Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 29 de fevereiro, a publicação no X (antigo Twitter) teve 300,5 mil visualizações, 12 mil curtidas, 4 mil compartilhamentos e 351 comentários. Já no Telegram, o post recebeu 4,3 mil visualizações.

Como verificamos: A reportagem pesquisou no Google por contratos entre Brasil e Israel na área da saúde, para diagnóstico e tratamento de câncer, e encontrou verificações de outros veículos sobre o tema, entre 2019 e 2024. Ainda foram procurados o Ministério da Saúde e o INCA para questionar sobre a existência do contrato citado na publicação. A Sociedade Brasileira de Mastologia também foi consultada para esclarecer sobre a veracidade e utilização da suposta tecnologia israelense.

Diagnóstico a partir da primeira célula é desafio ainda não atingido

A tecnologia que a publicação afirma ter sido criada em Israel e que faz a detecção de câncer a partir da primeira célula não existe. De acordo com a Sociedade Brasileira de Mastologia, o câncer de mama é uma doença complexa que envolve a multiplicação descontrolada de células anormais e, por isso, o método de diagnóstico citado é um “desafio científico e tecnológico que ainda não foi atingido”, mas existem pesquisas na área.

“A SBM conhece, por exemplo, a existência de pesquisas sobre biópsia líquida, um método desenvolvido por cientistas brasileiras da Universidade Federal de Uberlândia que permite a detecção do câncer de mama pelo sangue. O método consiste em analisar o DNA das células tumorais que circulam na corrente sanguínea. É menos invasivo que outros exames e pode contribuir, futuramente, para o diagnóstico precoce da doença. Além disso, os mastologistas também acompanham o andamento das pesquisas israelenses com uso da inteligência artificial para diagnóstico precoce do câncer de mama e com vacina para prevenir a doença”, afirmou a Sociedade.

Com relação à retirada de tumores sem cortes, o INCA afirmou que utiliza técnicas de ablação de pequenos tumores em casos selecionados, que consiste em um tratamento minimamente invasivo guiado por ultrassonografia ou tomografia, realizado pelo intervencionista oncológico, que acarreta na destruição térmica, química ou elétrica de um tumor benigno ou maligno. Existem diferentes tipos de ablação, dependendo do órgão e do método utilizados. Porém, segundo o Instituto, não se trata de uma tecnologia israelense. “Essas técnicas já existem há anos e não estão relacionadas a um contrato específico com Israel.”

A SBM também explica que existe uma técnica denominada crioablação, que consiste na colocação de uma agulha dentro do nódulo, guiado por ultrassonografia, provocando o congelamento do tumor e de parte do tecido ao redor. Contudo, ressalta que pode ser indicada apenas para pacientes com tumores pequenos (preferencialmente menores que 1cm), únicos e sem metástases em linfonodos axilares. A entidade também lembra que se trata de um método de tratamento e não diagnóstico de câncer de mama.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu contato com a autora da publicação, porque o perfil no X (antigo Twitter) não é aberto para receber mensagens. A reportagem também tentou contato por telefone e WhatsApp, mas não conseguiu resposta até a publicação desta verificação.

O que podemos aprender com esta verificação: É comum que apoiadores de grupos políticos inventem informações e criem cenários falsos para atacar, desacreditar e provocar rejeição contra opositores. Publicações como a investigada aqui também geram comoção da audiência, por tratar de temas relacionados à saúde, em especial o câncer, que afeta pessoas de todas as idades e seu diagnóstico e tratamento ainda são considerados um desafio para a medicina e ciência. É necessário ficar em alerta com a divulgação de informações sobre ações de governos e envolvendo tratamentos de doenças. Nesses casos, deve-se sempre checar o conteúdo com órgãos oficiais, entidades e na imprensa profissional.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: As informações sobre o acordo entre o Brasil e Israel circulavam desde 2019 e já haviam sido alvo de investigação do Estadão e UOL naquele ano. Em 2024, o cancelamento do suposto contrato também foi verificado pelo Estadão Verifica e Reuters. Ainda neste ano, o Comprova explicou sobre a abertura do processo de impeachment contra Lula, após as falas sobre a guerra em Gaza. O Comprova também desmentiu, em 2023, a relação entre vacinados contra a covid-19 e mortes por câncer na Inglaterra e que o imunizante contra a poliomielite causou câncer em 98 milhões de americanos.

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