- Investigado por A Gazeta e NSC Comunicação
Conteúdo investigado: Em post no X, deputado federal contesta a eficácia das vacinas contra a covid-19 ao fazer uso de números de mortes na pandemia em Taiwan, Austrália e Japão. Ele alega que, na ocasião em que os três países atingiram, respectivamente, uma cobertura vacinal de 78%, 77% e 81% da população, a quantidade subsequente de mortes pela doença foi muito maior do que o volume do período anterior àquelas taxas de vacinação. Em Taiwan, por exemplo, teriam ocorrido 21 vezes mais óbitos. “Aguardamos as explicações da OMS ou dos nossos ‘especialistas’ da grande mídia…”, escreve o parlamentar.
Onde foi publicado: X (antigo Twitter).
Conclusão do Comprova: Os dados de mortes por covid-19 no Japão, Taiwan e Austrália não mostram a ineficácia da vacinação contra o vírus que causa a doença, diferentemente do que afirma o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) em postagem.
Além de haver inconsistências nos dados apresentados pelo parlamentar, a comparação direta entre número de mortes e percentual geral de vacinados em intervalos diferentes de tempo não indica a eficácia, ou não, das vacinas. Isso porque não é possível saber pelas informações do post se os mortos por covid-19 pertenciam ao grupo de pessoas vacinadas ou que não receberam o imunizante.
Ao Comprova, o médico epidemiologista Sérgio de Andrade Nishioka, consultor da Fiocruz e da Organização Mundial de Saúde (OMS) para avaliação clínica de vacinas e professor aposentado da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), afirma que um método adequado para análise, ao menos no período citado por Terra, seria comparar as taxas de letalidade de vacinados e não vacinados.
Um estudo sobre a pandemia na Austrália, um dos países citados por Terra, utilizou o método indicado por Nishioka e mostrou que a vacinação de idosos reduziu o risco de morte em 93% em comparação com idosos não vacinados. Entre a população geral, aqueles que não foram vacinados representaram apenas 4,6% dos casos de covid-19, mas 22,8% das mortes ocorreram entre pessoas que não receberam dose alguma.
Já um estudo publicado no The Lancet em agosto de 2022 mostrou que a vacinação reduziu em 67% as mortes por covid no Japão e em 33% o número de casos.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 17 de outubro, a postagem tinha cerca de 101,1 mil visualizações, mil compartilhamentos e 3 mil likes.
Como verificamos: O Comprova encontrou a fonte dos gráficos citados pelo deputado federal Osmar Terra ao fazer a busca no Google pela frase “Total Coronavirus Deaths In Australia”, que dá título a um deles. Trata-se do site de estatísticas Worldometer. Não constam no mesmo portal, no entanto, os percentuais de vacinação mencionados pelo parlamentar, que também não descreveu a origem deles.
No site do Worldometer, há uma página dedicada a explicar as fontes e métodos do painel sobre covid-19. Ela não detalha, no entanto, a origem dos números sobre Taiwan e Japão. Há uma explicação genérica sobre ser feito uso de fontes governamentais e o monitoramento de relatórios de saúde.
A reportagem buscou então checar os números citados pelo deputado a partir dos painéis sobre covid-19 do Our World in Data e do Coronavirus Resource Center, este segundo da universidade norte-americana Johns Hopkins, que tornam explícitas com links as fontes dos dados reunidos por cada um.
O Comprova também fez uso de dados mencionados por fontes primárias para informações sobre covid-19 nos três países: o Centro de Controle de Doenças de Taiwan, o Departamento de Saúde e Envelhecimento da Austrália e o Ministério da Saúde, Trabalho e Bem-Estar do Japão.
Dados reais são diferentes do que alega post
O deputado Osmar Terra afirma que, 24 meses após o início da pandemia, a Austrália tinha 3.114 mortes por covid-19 e 77% da população completamente vacinada.
A data aludida por ele seria 11 de março de 2022, dois anos depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter declarado a pandemia de covid-19 (11 de março de 2020).
A Austrália ultrapassou o número de óbitos citado por Terra, no entanto, em 24 de janeiro de 2022, e não em 11 de março daquele mesmo ano, quando a pandemia faria 24 meses. Já o percentual da população vacinada com o esquema primário completo passou de ao menos 77% em 27 de janeiro de 2022.
O parlamentar também alega que o Japão chegou a 20.701 mortes por covid-19 e a 81% da população completamente vacinada em fevereiro de 2022, data que trata erroneamente como 24 meses após o início da pandemia (esse período só estaria completo em 11 de março daquele ano).
O Japão ultrapassou o número de óbitos citado por Terra em 15 de fevereiro de 2022. O país ainda passou a ter ao menos 81% da população vacinada com o esquema primário completo em 28 de fevereiro daquele mesmo ano.
O deputado federal ainda afirma que Taiwan contabilizou 873 mortes por covid-19 em 27 meses de pandemia, quando também alcançou 78% da população completamente vacinada.
Diferentemente do que alega o deputado, Taiwan passou desse número de mortes em 3 de maio de 2022, e não em 11 de junho daquele ano, quando fez 27 meses do início da pandemia. Além disso, o país passou a ter ao menos 78% da população com o esquema vacinal primário completo em 1º de maio de 2022.
O deputado federal Osmar Terra ainda faz menção a outros números de maneira confusa. Ele cita, por exemplo, que, nos 22 meses seguintes à data em que a pandemia completou 24 meses (ou seja, 11 de março de 2022), o número de mortes por covid-19 na Austrália teria saltado para 22.754.
No entanto, o período de 22 meses após a data de 11 de março de 2022 só estará completo em 11 de janeiro de 2024. Portanto, o intervalo citado por ele sequer está consolidado.
Comparação feita por deputado não permite contestar eficácia de vacina
O deputado também cita que, se as vacinas fossem eficazes, “deveriam diminuir as internações e mortes, mas aconteceu o contrário”. Ele não detalha, contudo, dados das internações às quais faz menção.
Além disso, os números efetivamente citados por ele não têm, isoladamente, significância estatística alguma para se chegar a uma conclusão sobre as vacinas serem eficazes ou não contra a covid-19.
O método adotado para isso por diferentes estudos é o de comparação das taxas de mortalidade (número de mortes em relação ao de pessoas) e de letalidade (número de mortes em relação ao de casos identificados) durante um mesmo período entre os não vacinados e as pessoas imunizadas, conforme explica o médico epidemiologista Sérgio de Andrade Nishioka ao Comprova.
“Começou a morrer mais, mas quem que estava morrendo? Ele [autor da postagem sobre as vacinas] não fala sobre esses dados, não dá essa informação, só diz que morreu, não diz se quem morreu foi vacinado ou não vacinado”, afirma o especialista, que reforça a necessidade da comparação: “Você só pode medir a efetividade de uma vacina se você comparar quem foi vacinado com quem não foi vacinado, senão não tem como você fazer essa comparação de uma maneira considerada válida”.
Nishioka ainda pondera que estudos mais recentes passaram a fazer comparações entre pessoas imunizadas com um primeiro esquema vacinal e as que já receberam alguma dose de reforço.
“A questão agora é que é muito difícil você ter pessoas que não foram vacinadas ou que não se infectaram naturalmente pelo Sars-Cov-2. Então, o que tem acontecido é que esses novos estudos têm utilizado o que se chama de eficácia relativa. Então você compara o vacinado com a nova vacina com o vacinado que recebeu a vacina anterior”, acrescenta o especialista.
Número de casos também aumentou, e não só o de mortes
O médico epidemiologista consultado pelo Comprova lembra ainda que Taiwan, Austrália e Japão são arquipélagos, o que permitiu a esses países um controle mais rigoroso na entrada de pessoas e, consequentemente, do coronavírus em um primeiro momento da pandemia, quando a cobertura vacinal da população ainda tinha percentuais baixos.
Taiwan, por exemplo, é reconhecida por ter tido uma resposta bem-sucedida à covid-19 durante os primeiros anos de pandemia. Foram adotadas fortes medidas de prevenção como fechamento de escolas sempre que haviam dois casos confirmados da doença, e quarentena de 15 dias para estrangeiros que chegavam ao país. No entanto, em abril de 2022, as autoridades passaram a adotar a estratégia de conviver com o vírus.
Já a Austrália ficou quase dois anos sem receber turistas internacionais. Em fevereiro de 2022, reabriu os aeroportos apenas para os viajantes vacinados. Naquele ano, o país também passou a adotar uma estratégia de convivência com o vírus, relaxando medidas de prevenção. Ambos os países citados tiveram picos de casos de covid-19 ao adotar políticas menos restritivas a respeito da pandemia.
Nishioka afirma ser necessário se atentar, portanto, ao fato de que não apenas o número absoluto de mortes, mas também o de casos em geral subiu nos intervalos de tempo comparados pela postagem do deputado federal Osmar Terra.
Isso ajuda a explicar a maior quantidade de óbitos subsequente ao alcance dos índices de cobertura vacinal destacados pelo parlamentar, embora a taxa de letalidade (relação entre mortes e número de casos identificados), não citada por ele, tenha apresentado queda junto do avanço da vacinação.
O gráfico abaixo mostra que, no Japão e na Austrália (dois dos países citados pelo deputado), a taxa de letalidade cai ao longo do tempo. O primeiro deles iniciou a aplicação de vacinas em 17 de fevereiro de 2021. Já o segundo começou o programa de vacinação no dia 21 daquele mesmo mês.
Ao analisar a taxa de letalidade, é preciso considerar ainda que, em períodos de maior pressão sobre o sistema de saúde, quando nem todas as pessoas infectadas conseguem acesso à testagem e diagnóstico, o número de casos pode estar subnotificado e, portanto, ser ainda maior.
“Além disso, foi a época em que começaram a surgir as primeiras variantes de preocupação, as que têm maior escape e que infectam mesmo as pessoas já vacinadas ou que já foram infectadas previamente”, completa o médico epidemiologista, referindo-se às ondas de covid-19 causadas, por exemplo, pela Ômicron, surgida em novembro de 2021 e contra a qual não havia imunizante específico no início de 2022.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova contatou o deputado Osmar Terra por email. Sua assessoria pediu número de telefone para que o deputado fizesse contato, mas ele não o fez até a conclusão desta checagem.
O que podemos aprender com esta verificação: Dados reais são frequentemente usados fora do contexto ou de maneira intencional para enganar e levar a uma interpretação diferente da verdadeira. No caso checado, o autor da publicação utiliza dados parciais e informações incompletas para inferir que as vacinas contra a covid-19 não são eficazes. Informações corretas a respeito das vacinas podem ser encontradas junto aos órgãos sanitários, sites de governos e junto à imprensa profissional.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Desde o início da pandemia, Osmar Terra é autor recorrente de peças de desinformação sobre a eficácia de vacinas e as estratégias de combate à transmissão do coronavírus reconhecidas como efetivas pela comunidade científica, como o distanciamento social.
Em 2020, o Comprova mostrou que ele misturou, em um tuíte, dados corretos com outros imprecisos, exagerados ou não consolidados para criticar medidas de isolamento adotadas pelos estados brasileiros. Ainda naquele primeiro ano de pandemia, o deputado federal fez uso dos números de um único hospital em Porto Alegre para dizer que a covid-19 estava reduzindo em todo o Rio Grande do Sul.
Ele também já alegou enganosamente que expor a população ao vírus seria melhor que a imunização, sugeriu com dados descontextualizados que, no Rio Grande do Sul, haveria mais mortes de pessoas imunizadas e afirmou que as vacinas não tiveram impacto sobre a redução de óbitos, atribuindo isso à imunidade natural de infectados.
Recentemente, o Comprova mostrou, ao checar alegações de outros autores, que é falso que um estudo tenha provado que vacina da Pfizer modifica o código genético e que o Canadá não admitiu que as pessoas triplamente vacinadas contra a covid-19 tenham desenvolvido Aids.
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