Jornal Correio Braziliense

VERIFICAÇÃO

Conflito entre agricultor e policiais militares em plantação não tem relação com governo do PT

É enganoso o vídeo que atribui ao governo do PT uma ação de policiais militares contra um agricultor. As imagens foram feitas em Água Preta, distrito do município de São João da Barra (RJ)

Investigado por: Estadão

Enganoso: É enganoso o vídeo que atribui ao governo do PT uma ação de policiais militares contra um agricultor. As imagens foram feitas no dia 5 de abril de 2023 na localidade de Água Preta, distrito do município de São João da Barra (RJ), onde há anos ocorre uma disputa entre produtores rurais e a joint venture Gás Natural Açu (GNA), responsável pela construção de usinas termelétricas e do Porto do Açu na região. As desapropriações são conduzidas pelo governo do Rio de Janeiro, desde 2021 sob o comando de Cláudio Castro (PL).

Conteúdo investigado: Vídeo que mostra policiais militares mandando que um trator passe por cima de uma lavoura e usando spray de pimenta contra um homem, aparentemente responsável pela plantação. Sobre a imagem, há um texto onde se lê: “esse eh o governo de vcs petistas”.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: É enganoso o vídeo que atribui ao governo do PT a ação de ao menos três policiais militares contra um homem em uma lavoura de abacaxi no município de São João da Barra, no Rio de Janeiro. No vídeo, os agentes mandam que um trator passe por cima da plantação, enquanto lançam spray de pimenta sobre o rosto de um homem, que tenta impedir a ação. As imagens foram gravadas no dia 5 de abril de 2023 na localidade de Água Preta, distrito de São João da Barra.

No vídeo, é possível identificar a farda da Polícia Militar fluminense pela bandeira do Estado no braço direito dos agentes. A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) confirmou que a ação foi realizada por agentes do 8º Batalhão de Polícia Militar (BPM) de Campos dos Goytacazes, que foram acionados após um relato de descumprimento de ordem judicial em um terreno no distrito de Água Preta, em São João da Barra. O local é alvo de disputa entre agricultores que vivem na região e a Gás Natural Açu (GNA), uma empresa privada que constrói uma usina termelétrica na região.

Diferentemente do que afirma o texto escrito sobre a imagem, não há relação entre a ação dos policiais e qualquer governo do PT. A PM é subordinada ao Estado, que, no caso, é governado desde 2021 por Cláudio Castro, do PL, partido de oposição ao PT. O Rio de Janeiro não é governado pelo PT desde 2002, quando Benedita da Silva, que era vice de Anthony Garotinho, assumiu o posto após ele se licenciar para se candidatar à Presidência da República.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 2 de maio, este vídeo havia alcançado 213,2 mil visualizações no TikTok.

Como verificamos: Primeiramente, o Comprova fez a transcrição da narração do vídeo, e identificou, nos segundos finais, uma voz masculina que afirma: “O produtor rural não tem força diante do dinheiro da GNA”. O narrador também fala em “força policial” e “Porto do Açu”. Por isso, o próximo passo foi buscar por estes termos no Google, associados à palavra “plantação”.

O resultado levou a uma publicação feita no dia 9 de abril de 2023 no site A Nova Democracia, que exibia o mesmo vídeo, denunciava uma ação da Polícia Militar na região de São João da Barra e mencionava a empresa GNA.

O Comprova, então, procurou por reportagens sobre o assunto e localizou uma publicação do Estadão de 9 de outubro de 2022 sobre as desapropriações no Porto do Açu, que fica na mesma região e pertence à mesma joint venture, e outra no site Ururau a respeito da ação policial que foi registrada no vídeo.

Em seguida, foram procuradas a Polícia Militar do Rio de Janeiro, a empresa GNA e o geógrafo Marcos Antonio Pedlowski, professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e chefe do Laboratório de Estudos do Espaço Antrópico (LEEA), que acompanha o caso.

Vídeo foi feito em São João da Barra, no Rio de Janeiro

As imagens registradas no vídeo aqui investigado foram feitas no dia 5 de abril de 2023 na localidade de Água Preta, distrito do município de São João da Barra, na região de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro. Na ocasião, policiais militares do 8º Batalhão de Polícia Militar foram acionados pela empresa privada GNA porque, segundo relato feito à polícia, um homem impedia a passagem de máquinas para a construção de uma linha de transmissão que ligará uma usina termelétrica ao Sistema Interligado Nacional, em São João da Barra.

A região é alvo de disputa há anos. De um lado está a empresa GNA, que já construiu no local uma usina termelétrica, a GNA I, e que agora ergue uma segunda, a GNA II, com início da operação previsto para 2025. Para que a usina opere, contudo, é preciso que passem pelo local linhas de transmissão ligando a usina termelétrica ao Sistema Interligado Nacional. Do outro lado da disputa estão as famílias proprietárias das terras por onde passarão as linhas de transmissão.

De acordo com o geógrafo Marcos Antonio Pedlowski, professor da UENF que acompanha a situação, o conflito nesse caso específico se dá porque não há consenso entre as famílias e a empresa a respeito dos valores pagos como indenização pelo uso por tempo indefinido das terras.

“As famílias que possuem as propriedades que ficaram no caminho das torres de transmissão reclamam dos baixos valores pagos pela GNA para impedir o uso das terras que ficarem dentro da faixa de servidão. Por isso estão acontecendo conflitos entre a GNA e essas famílias”, explica Pedlowski.

Já a GNA informou, em nota, que a empresa ganhou na Justiça o direito de usar a faixa de servidão – o trecho de terra ao lado das torres de eletricidade – para a passagens das linhas de transmissão que ligarão a usina termelétrica em construção ao Sistema Interligado Nacional. “Proprietários afetados pela faixa de servidão receberam oferta de indenização pelo acesso e uso da área. Os que não aceitaram tiveram indenizações depositadas em juízo”, diz a nota.

Policiais mandaram destruir lavoura de abacaxi recém-plantada

De acordo com o professor Marcos Antonio Pedlowski, a decisão judicial que autorizou o uso da faixa de servidão pela empresa GNA foi uma liminar de um juiz de São João da Barra, afetando centenas de produtores, incluindo os donos da terra onde as imagens foram feitas. Segundo ele, os donos da propriedade arrendaram um pedaço do terreno para um homem que fez no local uma plantação de abacaxi, mas a área arrendada ficava justamente dentro da faixa de servidão, o que desencadeou o conflito.

A GNA informou em nota que, apesar da decisão judicial, na semana do dia 5 de abril, “a equipe da empresa foi impedida de exercer suas atividades por um bloqueio físico feito por um indivíduo que se apresentou como novo responsável pela área e dono de uma recente lavoura de abacaxi”. Por isso, a Polícia Militar foi acionada.

Segundo a PMERJ, os policiais do 8º BPM (Campos dos Goytacazes) foram acionados devido a um relato de descumprimento de ordem judicial em terreno na localidade de Água Preta. “Segundo os policiais militares que estavam na ocorrência, houve resistência de pessoas que encontravam-se no local e, a princípio, descumprindo a determinação judicial”, disse a PMERJ, em nota.

No vídeo investigado, é possível ver quando um dos policiais manda que um trator passe por cima da plantação, enquanto o homem que tenta impedir a ação recebe no rosto o que parece ser um jato de spray de pimenta. A ação truculenta foi notícia em sites locais (A Nova Democracia e Ururau) e a PMERJ informou que “o 8ºBPM instaurou um procedimento apuratório interno a respeito desta ocorrência”. O inquérito está em andamento.

Não há ligação entre a ação policial e o governo do PT

Apesar de mostrar uma situação real, o vídeo engana ao afirmar, com um texto sobre a imagem, que a ação registrada é do governo petista, insinuando uma relação com o governo federal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na realidade, as partes envolvidas no conflito são uma empresa privada, a GNA, os proprietários das terras por onde passam as linhas de transmissão da usina que está sendo construída, e a Polícia Militar do Rio de Janeiro, vinculada ao governo do estado, e não ao governo federal.

Desde 2021, o Rio de Janeiro é governado por Cláudio Castro, do PL, partido que faz oposição ao PT. A última vez que um petista ocupou o Palácio Guanabara foi em 2002, muito antes do conflito que aparece nas imagens.

O que diz o responsável pela publicação: A reportagem não conseguiu contatar o perfil que postou o vídeo, uma vez que o TikTok, onde o conteúdo foi postado, não permite o envio de mensagens entre contas que não se seguem.

O que podemos aprender com esta verificação: O vídeo mostra um conflito entre policiais e um agricultor, sem informar onde ou quando aconteceu. No entanto, há elementos no conteúdo que permitem identificar algumas pistas: o narrador menciona o nome de uma empresa e fala sobre a polícia, mas não se refere em momento algum ao governo federal ou ao PT, o que já é um indício de que o contexto talvez seja outro. Uma busca rápida por vídeos na internet que envolvem o nome da empresa e um conflito com policiais rapidamente leva ao conteúdo original, que mostra não haver mesmo uma relação com o governo petista.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já desmentiu conteúdo que enganava sobre conflito no campo no governo Bolsonaro e mostrou que a retirada de produtores de arroz de terras indígenas não havia sido determinação de Lula.

Verificado por: Folha de S. Paulo, O Popular, Correio Braziliense, Plural Curitiba, A Gazeta, UOL, SBT e SBT News