Nos últimos meses você provavelmente se deparou com alguma notícia de caráter duvidoso. Seja algo sobre eleições ou vacinas, por exemplo. Ao menos quatro entre dez brasileiros afirmam receber fake news diariamente, segundo estudo feito pela Poyter Institute — divulgado em agosto.
Em período eleitoral, a desinformação assume ainda a faceta dos interesses políticos. Logo após o fim do segundo turno, uma fake news sobre uma suposta prisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, levou a apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) a comemorarem. O vídeo do momento viralizou nas redes sociais com muitos usuários classificando a situação como absurda. No entanto, pesquisa feita pelo Ibope, apontou que quase sete em cada 10 brasileiros acreditaram em alguma informação falsa sobre vacinas. O exemplo mostra o quanto a desinformação pode ser prejudicial.
A preocupação com a situação é tanta que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a fazer algo inédito nestas eleições: aumentar o poder do TSE para coibir a desinformação. Um dos trechos mais polêmicos da resolução, publicada em outubro, permitiu que o tribunal exclua conteúdos já classificados pelos ministros como fake news que tenham sido replicados em outras redes sociais sem abertura de um novo processo.
De acordo com Ester Borges, coordenadora de Informação e Política do InternetLab, a circulação de notícias falsas não é novidade e sempre existiu. A diferença é que agora o assunto está sendo mais discutido. "Não temos dados para quantificar um crescimento, mas há um aumento na conversa sobre isso e por estarmos mais atentos parece ter mais", explica.
Além disso, Clara Almeida, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, explica que nos últimos períodos eleitorais, a desinformação começou a ser mais usada para influenciar o debate público. “Desde as eleições de 2018 no Brasil, as fake news vêm se consolidado como ferramenta para manipular o debate público conforme os interesses da direita radical, e essa tendência se manteve durante os últimos quatro anos, incluindo o período eleitoral de 2022”, afirma.
Ester ainda alerta que a desinformação mudou de forma, se antes era mais fácil identificar que algo não era verdadeiro, hoje isso está mais difícil. “É importante ressaltar que essa desinformação mudou de forma. Antes tinha mais imitações de um jornal, hoje tem outras linguagens”, ressalta. Uma das novidades nessas eleições foi o uso de deepfakes. A técnica é usada para criar conteúdos irreais, como áudios e vídeos, produzidos com o auxílio de inteligência artificial que imita uma pessoa falando ou fazendo algo que ela nunca fez. Um exemplo, foi uma notícia falsa de que o Jornal Nacional, da TV Globo, teria divulgado que Bolsonaro estaria na frente na pesquisa de intenção de voto Ipec, quando na verdade o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que liderava o levantamento.
Apesar da grande circulação de desinformação nestas eleições, o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, afirmou em coletiva de imprensa que a forma como o tribunal lidou com a situação foi eficaz. Segundo o TSE, nas 36 horas antes do pleito foram retiradas do ar 700 URLs que continham discurso de ódio, notícias fraudulentas e desinformação ao eleitor. No entanto, ele ressaltou a importância que o assunto seja discutido com a sociedade para que sejam encontradas novas maneiras de combater a desinformação.
“Isso permitiu a edição das resoluções e as decisões que tomamos. Eu não tenho nenhuma dúvida de que, agora, passadas as eleições, seja o melhor momento para que possamos levar o mínimo de diálogo com a sociedade, com as empresas de mídia, com as plataformas e com o Congresso Nacional para que nós possamos ter instrumentos mais eficazes contra a proliferação de fake news nas próximas eleições”, disse Moraes.
O grande problema das fakes news é que elas manipulam o debate público, conforme explica Clara Almeida. “As notícias são manipuladas para tocarem em pontos sensíveis para os eleitores, fazendo com que eles rejeitem por completo o lado oposto, podendo levar o público cada vez mais a lados extremos do espectro político”, destaca. Para Ester, o grande impacto das fakes news nestas eleições foi exatamente a forma como elas ditaram o debate público. “As redes sociais acabam pautando muito mais o debate do que outras mídias. Antes os marqueteiros tinham total controle sobre a agenda, hoje a gente tem as redes. Os eleitores têm um pouco mais de poder”, explica.
Checagem
Para combater a desinformação, os especialistas ressaltam a importância da educação midiática. A partir disso, é possível que as pessoas estejam mais aptas a reconhecer quando um conteúdo é duvidoso. “Levar esse conhecimento para as pessoas faz com que elas desconfiem, mais, variem em quem elas confiem em se informar”, explica Ester. Algumas dicas é sempre checar em fontes confiáveis, como sites oficiais e na imprensa.
Na tentativa de mitigar os efeitos das fakes news, o Correio faz parte do Projeto Comprova. A iniciativa da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) reúne 43 veículos de comunicação que juntos checam conteúdos duvidosos na internet. No período eleitoral, o Correio publicou mais de 100 checagens sobre conteúdos que estavam viralizando nas redes sociais e que poderiam afetar o processo eleitoral.
Debate sobre plataformas
A atuação do TSE nestas eleições acabou sendo alvo de muitas críticas pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que acusaram a corte de censura. A resolução aprovada em outubro permite que ao tribunal “agir de ofício”, ou seja, sem ser provocado pelo Ministério Público ou advogados. Segundo Clara Almeida, o tribunal começou com medidas mais brandas, como parceria com as plataformas digitais e a proibição de disparos em massa tanto por partidos políticos quanto por pessoas físicas. Como ainda assim a circulação de fakes news continuou forte, o tribunal teve que ser mais rígido. “Entretanto, nenhuma dessas medidas foi suficiente, visto que conteúdos contendo desinformação continuaram a ser publicados nas plataformas e por elas recomendados, como no TikTok, em que se você pesquisasse “fraude” o primeiro resultado recomendado era “fraude nas urnas”. Diante de discursos antidemocráticos que pregavam insegurança e desconfiança ao processo eleitoral, os tribunais se viram obrigados a tomar decisões difíceis para garantir o andamento das eleições”, explica.
Para o próximo ano, o debate deve girar em torno da mudança em relação a como as plataformas são vistas. O ministro Alexandre de Moraes tem defendido que elas sejam entendidas como empresas de mídia. “É que não é possível que as plataformas continuem sendo consideradas empresas de tecnologia, sendo que são as maiores empresas de mídia do mundo e as que mais arrecadam com isso”, disse na coletiva de imprensa. Segundo relatório do Integrity Institute, o Twitter e o TikTok são as plataformas que mais circulam fake news.
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