Investigado por: A Gazeta, Revista Piauí e Metrópoles
Falso: É falso o tuíte que usa trechos de uma entrevista concedida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, para afirmar que ele já foi advogado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Conteúdo investigado: Post com vídeo de uma entrevista do ministro Edson Fachin acompanhado de legenda indicando que ele teria sido advogado do MST. No vídeo, Fachin é questionado sobre o período da ditadura militar no Paraná e, entre outras coisas, menciona seu interesse pela luta em prol da reforma agrária no Brasil.
Onde foi publicado: Twitter
Conclusão do Comprova: Não é verdade que o ministro do STF e atual presidente do TSE, Luiz Edson Fachin, já tenha sido advogado do MST. A alegação está em uma postagem do Twitter, que compartilha trechos em vídeo de uma entrevista concedida por Fachin em 2014, um ano antes de ser nomeado para o Supremo. Ainda que tivesse sido advogado do movimento social, isso não seria impeditivo para assumir uma cadeira na corte.
A entrevista foi concedida para o projeto “Depoimentos para a História”, da entidade civil Sociedade de Direitos Humanos para a Paz (DHPAZ), que fazia um retrospecto do período da ditadura militar. Apesar de, na conversa, falar que esteve envolvido com a luta pela reforma agrária no Brasil e de já ter ocupado o cargo de procurador-geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Fachin afirmou ao Comprova que nunca foi advogado do MST.
Em currículo entregue por Fachin ao Senado Federal em 2015, no âmbito de sua nomeação ao STF, também não existe qualquer menção a trabalhos realizados com o movimento social. Além disso, na sabatina realizada por parlamentares na ocasião, ele foi questionado sobre a entidade ligada aos sem-terra, como mostram reportagens do UOL e Valor. A resposta foi de que ele defende manifestações de movimentos sociais desde que estejam dentro da lei. Entretanto, não houve questões relacionadas à suposta atuação como advogado da organização.
O MST também confirmou à reportagem que Fachin em nenhum momento foi advogado da instituição. A organização garantiu que não existe relação entre o ministro e o movimento, e que ele nunca participou de nenhuma atividade dos trabalhadores sem-terra.
Para o Comprova, falso é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Até o dia 22 de julho, o post que originou a apuração já tinha mais de 11,6 mil curtidas, 541 comentários e outros 4,8 mil retuítes. Pelo menos um dos compartilhamentos, publicado no dia 20, alcançou mais 16,1 mil curtidas e foi retuitado 4,4 mil vezes.
O que diz o autor da publicação: O Comprova tentou entrar em contato com o autor da publicação por meio do Twitter, mas a conta não permite o envio de mensagens diretas. Não foram encontrados outros contatos possíveis.
Como verificamos: O primeiro passo foi pesquisar no Google pelas palavras-chaves “Edson Fachin”, “MST”, “vídeo”. A consulta retornou um artigo da revista Veja, publicado em 2015, quando o ministro foi indicado ao STF e o mesmo vídeo com recortes de sua fala já circulava nas redes sociais. Também foi localizada a entrevista que originou a publicação, realizada em 2014 para o projeto “Depoimentos para a História”, da DHPAZ.
Com o vídeo original, a reportagem analisou as declarações do ministro e pôde compará-las ao trecho utilizado no post aqui investigado.
O Comprova ainda consultou o MST para se informar sobre a eventual relação com Fachin e entrou em contato com o STF e o TSE para solicitar um posicionamento das instituições e do ministro sobre as alegações do tuíte.
A origem do vídeo
O vídeo compartilhado na postagem é verdadeiro e não sofreu edições capazes de alterar o sentido das declarações do ministro. No entanto, o tuíte não traz o contexto da fala. Ali, Fachin mencionava sua atuação diante de um regime autoritário e não de um sistema democrático. Foram feitos apenas cortes no vídeo da entrevista completa, que tem pouco mais de 1 hora e 12 minutos.
A entrevista foi concedida por Edson Fachin ao projeto “Depoimentos para a História – a resistência à ditadura militar no Paraná”, organizado pela DHPAZ, entidade sem fins lucrativos de Curitiba, Paraná. Fachin foi um dos 172 entrevistados pela entidade para o projeto.
O vídeo da entrevista de Fachin foi publicado no dia 16 de abril de 2014 (portanto, antes de sua nomeação ao STF, em 2015), no canal do YouTube da DHPAZ. Em contato com a página do DHPAZ no Facebook, a entidade afirmou ao Comprova que a entrevista com Fachin ocorreu no dia 15 de janeiro de 2014.
Todas as entrevistas do projeto fazem parte do livro homônimo “Depoimentos para a História – a resistência à ditadura militar no Paraná”, lançado em junho de 2014. A obra é de autoria de Antônio Narciso Pires de Oliveira, Fábio Bacila Sahd e Silvia Calciolari.
De acordo com divulgação publicada pelo site do Sindicato dos Jornalistas do Paraná (Sindjor), o projeto foi coordenado pelo Grupo Tortura Nunca Mais do Paraná e realizado em parceria com o Projeto Marcas da Memória da Comissão Nacional da Anistia do Ministério da Justiça. O nome dessas entidades também aparece na abertura e encerramento de cada vídeo da série de entrevistas.
No depoimento, Fachin comenta passagens de sua biografia, como sua infância, seu ingresso no curso de Direito da Universidade Federal do Paraná e sua posterior atuação como advogado. Fachin também aborda o contexto da ditadura militar (1964-1985) no Paraná e sua participação nos movimentos pela redemocratização do país e nas discussões que buscavam influenciar a elaboração da Constituição de 1988.
Afirmações de Fachin na entrevista
Parte das afirmações de Fachin na entrevista é utilizada pelo autor da postagem para atacar o ministro e o sistema eleitoral. Na legenda do post, após insinuar que Fachin já teria sido advogado do MST, está escrito que “com essa ficha corrida percebemos a moral que o STF e o TSE têm”.
O vídeo inicia com a voz da pessoa que está entrevistando Fachin falando sobre o momento de maior enfrentamento à ditadura militar, fazendo referências a comícios e atos de rua. Fachin a interrompe, dizendo “algumas pichações também” e menciona que precisa ter cuidado para não expor alguns de seus “crimes” durante o período, embora a maioria deles “já estejam prescritos”.
Em seguida Fachin comenta algumas passagens de sua biografia, citando, entre outras coisas, que seu professor de Língua Portuguesa e Literatura, “um homem progressista, ligado ao Partido Comunista e aos movimentos de esquerda”, foi fundamental para a sua formação por “mostrar que o mundo não era só o mundo que a gente via”.
Ao falar sobre sua entrada na universidade e seu posterior trabalho como advogado, Fachin diz que acabou se “ligando à questão da terra e à luta pela reforma agrária”. Ele também diz que este foi o segmento do qual mais participou durante o movimento da Constituinte de 1988.
Por fim, no último trecho usado na postagem, Fachin fala que, em 1978, escreveu um trabalho sobre partidos políticos no qual sua conclusão foi que “o único partido que poderia ser chamado por esse nome era o Partido dos Trabalhadores, que tinha um programa de transformação do Brasil”.
Ministro assegura que não advogou para o MST
Apesar de, no vídeo, o ministro Edson Fachin mencionar que esteve ligado à luta pela reforma agrária, ele afirmou, após questionamento do Comprova ao TSE, que nunca foi advogado do MST.
Pela assessoria do TSE, Fachin também tratou da entrevista concedida ao projeto da DHPAZ, da qual trechos foram extraídos e compartilhados na postagem aqui investigada. “O vídeo retira frases do contexto e captura trechos de uma conversa praticamente informal em programa sobre a memória do movimento estudantil paranaense”, pontuou em mensagem por aplicativo.
O ministro observou que a entrevista era uma rememoração do movimento estudantil durante os ‘anos de chumbo’, nos quais, lembrou Fachin, era crime pensar e se manifestar pela liberdade, e também da vida universitária, então marcada pela censura e pela proibição de funcionamento de diretórios estudantis.
“Tanto como estudante quanto como professor e acadêmico, Luiz Edson Fachin nunca foi filiado ao partido político referido no trecho descontextualizado nem teve militância política, mas sim no movimento estudantil pela volta da democracia. Mesmo com as trucagens feitas no vídeo, o próprio teor real da fala, mesmo montada, demonstra, apesar da evidente má-fé na distorção, a história de quem, a seu tempo e a seu modo, mais de vinte anos antes de ingressar na magistratura, sempre defendeu a democracia.”
MST garante que ministro não tem nenhuma relação com o movimento
O Projeto Comprova procurou o MST. Após uma pesquisa nos históricos do movimento, o grupo garantiu que o ministro Edson Fachin nunca atuou como advogado da entidade; que não existe relação entre o ministro e o movimento, e que Fachin nunca participou de nenhuma atividade do MST.
Em relação a uma suposta preferência do MST pela escolha de Fachin como ministro do STF, conforme apontam informações da imprensa, a organização sustenta que “não procede a afirmação de que João Pedro Stédile (fundador do MST) ou o movimento tinha preferidos para assumir o STF. Ainda que alguns posicionamentos do ministro, antes de assumir a vaga no STF, podem ser considerados progressistas, jamais foi indicado como preferido pelo movimento ou qualquer um de seus militantes”.
Currículo e sabatina antes de ingressar no STF
Edson Fachin passou por sabatinas no Congresso Federal para ser aprovado como ministro do STF em 2015. Para isso, foi necessário submeter seu currículo profissional e estudantil. Consta no documento que Fachin foi procurador-geral do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 1985 e, posteriormente, foi presidente substituto do Instituto de Terras, Cartografia e Floresta do Paraná. Não existe menção ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Já na época de sua indicação ao Supremo, surgiram boatos sobre o suposto envolvimento do jurista com o movimento. Durante sua sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, do Senado Federal, Fachin foi questionado sobre o assunto. Matérias da imprensa (UOL, Valor) repercutiram as respostas.
Fachin disse que defende manifestações de movimentos sociais desde que estejam dentro da lei. “Algumas dessas ações, em determinados momentos, não obstante que carregue reivindicações legítimas, desbordam da lei. Mas aí, acabou a espacialidade da política e entra, evidentemente a espacialidade do limite (…) e a lei é, evidentemente, o limite desse tipo de manifestação. E é nisso que o estado democrático de direito convive”, afirmou.
Após ser questionado sobre casos de invasão de propriedade, o jurista comentou: “A orientação que o STF tem, e que, no meu sentimento, nessa perspectiva, deve ser mantida, é a da constitucionalidade da lei que integra a desapropriação de área invadida. É preciso pacificar essas equações no campo”.
Ataques ao sistema eleitoral
Na postagem, a frase “Com essa ficha corrida percebemos a moral que o STF e o TSE tem” também tenta lançar dúvidas sobre a credibilidade das instituições, alvos frequentes de ataques, sobretudo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), ele mesmo é um crítico contumaz do sistema eleitoral brasileiro.
Sobre as alegações, o TSE ressaltou que “a integridade e a moral das eleições brasileiras e da Justiça Eleitoral estão asseguradas por um corpo técnico atento e capacitado.”
Na resposta ao Comprova, o Tribunal destacou ainda que a equipe é formada por mais de 22 mil servidores e colaboradores, além de mais de 3 mil juízes e outros 3 mil promotores, distribuídos em 28 tribunais eleitorais, 2.625 zonas e 460 mil seções espalhadas em todo o país, além dos quase 600 mil eleitores no exterior.
“Temos ainda 2 milhões de mesários e mesárias que, ao lado de milhares de fiscais designados pelos partidos políticos, testemunham, continuamente e de perto, a inquestionável correção das eleições no Brasil”, completou.
Junto da resposta, o TSE reuniu uma lista com 65 entidades que, segundo a nota, “apoiam a Justiça Eleitoral contra o populismo autoritário, manifestado e reiterado em recente deplorável evento na Capital da República”, numa referência ao encontro de Bolsonaro com embaixadores, como reportado por diversos veículos (Folha de S.Paulo, IstoÉ Dinheiro, O Globo, Uol, G1, Carta Capital, Poder 360).
Na relação de apoiadores, estão, entre outros, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A postagem aqui verificada tenta desacreditar o ministro Edson Fachin por uma suposta relação com o MST. Ele é o atual presidente do TSE, instituição responsável pela organização do pleito. Ao atacar o Fachin, o conteúdo sugere que o ministro não inspira confiança e que a Justiça não teria “moral”, uma narrativa que atinge todo o sistema eleitoral e pode causar dúvidas na população sobre o processo de votação. As pessoas, contudo, têm o direito de formar suas convicções a partir de informações verdadeiras, não de boatos.
Outras checagens sobre o tema: As eleições e o sistema eleitoral são frequentemente tema de conteúdos de desinformação nas redes sociais. Nos últimos dias, o Comprova demonstrou que Lula não disse querer implantar comunismo chinês no Brasil, que o ex-governador da Paraíba não humilhou Lula e elogiou Bolsonaro; e que montagem de 2018 voltou a circular para atacar sistema eletrônico de votação. Em relação às urnas particularmente, o Comprova já apontou que a contagem de votos é feita pelo TSE, não por terceirizada, que não há dispositivo nas urnas capaz de alterar votação e que elas também não foram hackeadas nos Estados Unidos.
Verificado por: Imirante.com, Correio Braziliense, CBN Cuiabá, Crusoé, Estadão e Folha de S. Paulo