A justiça determinou que a empresa implante um sistema de monitoramento da barragem, apresente ao órgão federal minerário e ao órgão ambiental licenciador, para aprovação, Plano de Contingência atualizado da Mina, visando prevenir qualquer desastre; Plano de Segurança de Barragens; e Plano de Fechamento da Mina atualizado, acompanhado do respectivo Plano de Recuperação de Área Degradada – PRAD.
O Comprova procurou duas vezes a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Mineração e Energia (Sedeme) do Pará solicitando informações detalhadas sobre a atual situação da mina e andamento do processo, mas não recebeu retorno. A Colossus também não respondeu e a Coomigasp preferiu não se posicionar por telefone ou meio eletrônico.
Não houve retirada de minério no governo Lula
Apesar do anúncio de que havia ouro a ser minerado em Serra Pelada, a empresa Colossus foi embora da região sem extrair nada. Em um comunicado de imprensa feito em 2014 – o último disponível entre os documentos apresentados à Bolsa de Valores de Toronto, a empresa trata do imbróglio com a Coomigasp e afirma que chegou a investir no local R$ 300 milhões. Em outro documento que discute as condições financeiras, apresentado em 2015, a empresa diz que já em janeiro de 2014 havia decidido colocar o programa de Serra Pelada “em manutenção” e não mais investir na mina, uma vez que corria uma disputa na Justiça com a cooperativa de garimpeiros e que isso vinha impedido a empresa de obter financiamento.
O Comprova consultou a ANM e questionou se houve extração e quanto de ouro foi retirado de Serra Pelada nos últimos 20 anos – desde 2003, o primeiro ano do governo Lula. Por e-mail, a agência informou que nada foi extraído nas últimas duas décadas. O Serviço Geológico Brasileiro também foi consultado, mas não respondeu até a publicação deste texto.
Um indício de que nada foi mesmo retirado são imagens de satélite do local do garimpo. A reportagem buscou imagens no Google Earth e encontrou registros de 1985 até 2021. O primeiro, de 1985, não possui boa resolução e, por isso, não é possível ver a situação da mina em pleno funcionamento. A próxima imagem disponível é de 2006, antes das articulações para a chegada da Colossus Minerals e 14 anos após o fechamento do garimpo.
Nas imagens a seguir é possível ver como a cratera (na parte inferior) permaneceu cheia durante todo o período que compreendeu os governos de Lula, Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), até 2021. As únicas mudanças são a instalação da sede da Colossus e a abertura de uma barragem de rejeitos, que também acabou cheia de água (ela fica visível, já com água, a partir de 2016).
Além disso, a quantidade de ouro que o homem diz ter ido parar nas mãos de Lula é irreal. Em setembro de 2020, a BBC publicou uma reportagem falando sobre a quantidade de ouro que ainda havia no mundo. O texto apresenta dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) que estima ainda haver cerca de 50 mil toneladas de ouro no planeta. O USGS também estima que, até então, haviam sido extraídas 190 mil toneladas de ouro. Ou seja, é irreal imaginar que em apenas uma mina no Brasil seria possível desviar mais ouro do que já foi minerado até hoje no mundo inteiro. As estimativas estão disponíveis no site do USGS.
A maior fonte de ouro da história foi a bacia Witwatersrand, na África do Sul, responsável por algo entre 30% e 40% de todo o ouro já extraído no mundo. Na mesma região fica a mina mais profunda do planeta, a de Mponeng, com mais de 4,5 mil metros de profundidade. Mas é a China o país com a maior produção de ouro do mundo. Dados de 2020 do Conselho Mundial do Ouro estimam a produção chinesa em 368,3 toneladas do metal precioso por ano. O Brasil produz, em média, 107 toneladas anualmente.
Dinheiro para a Venezuela?
No vídeo original, postado no TikTok, o homem que aparece nas imagens afirma que o minério retirado de Serra Pelada foi parar nas mãos de Lula e que ele mandou R$ 200 milhões para a Venezuela apenas no primeiro mandato. Não há qualquer explicação sobre como esse ouro saiu de Serra Pelada, foi parar nas mãos do ex-presidente Lula e se transformou em dinheiro entregue à Venezuela. No entanto, o mesmo vídeo foi reproduzido em um canal do YouTube, separado em parte e comentado por um narrador não identificado que tentou “provar”, por meio de textos publicados na imprensa, que o homem que aparece nas imagens fala a verdade.
Acerca do trecho em que o homem do vídeo original fala sobre o ouro “comido” por Lula, a Vale e a empresa canadense, o narrador apresenta uma reportagem da Agência Brasil. Publicado em 2008, o texto informava, apenas, que 14 anos após ser fechado, o garimpo de Serra Pelada poderia ter a extração de ouro retomada após o Departamento Nacional de Pesquisas Minerais (DNPM) autorizar a empresa canadense Colossus Minerals a pesquisar quanto ouro ainda existia no local. O texto não afirma ter sido retirado minério do local.
Em seguida, o narrador apresenta outro trecho onde o homem diz que Lula enviou R$ 200 milhões para “Venezuela e não sei pra onde” e que o valor foi retirado de Serra Pelada. Sobre o assunto, o vídeo do YouTube mostra um texto do colunista José Benedito da Silva publicado pela revista Veja. O texto é de fevereiro de 2022 e trata de empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para países como Cuba e Venezuela, mas em nenhum momento é feita qualquer referência a Serra Pelada.
O dinheiro do BNDES na Venezuela e em outros países não é necessariamente um empréstimo ao país. Há alguns anos, o banco brasileiro fez financiamentos à exportação de bens e serviços de engenharia brasileiros no exterior. O dinheiro era entregue a empresas brasileiras e o pagamento do financiamento, com juros e em dólar, feito pelos países que haviam contratado os bens e serviços. Para a Venezuela, o parcelamento foi feito em 639 parcelas, das quais 598 já venceram sem pagamento e outras 41 estão para vencer. O país deve US$ 160 milhões ao Brasil, em dados atualizados pelo BNDES até março de 2022.
Roubo de R$ 11 bilhões e pesquisas eleitorais
Outro trecho do vídeo fala que Lula foi “pego no roubo de R$ 11 bilhões”. O narrador no YouTube apresenta mais uma coluna da Veja, desta vez assinada por Jorge Pontes, falando sobre os R$ 14 bilhões identificados pela Operação Lava Jato no exterior. A operação, contudo, é alvo de críticas pelos métodos empregados ao longo das investigações e o ex-juiz Sergio Moro, que coordenou a ação, neste mês, se tornou réu em Ação Popular movida pelo Partido dos Trabalhadores por dano ao erário em decorrência da operação.
Conforme apresentado em reportagem de outubro de 2021 da Folha de S. Paulo, uma série de fatores contribuiu para a Lava Jato perder força, incluindo uma sequência de decisões judiciais que a esvaziou, dentre elas, a anulação de processos contra Lula. O Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, por 7 votos a 4, que o ex-juiz Moro foi parcial ao julgar o ex-presidente no processo do tríplex de Guarujá (SP), invalidando as provas colhidas no caso. Antes, o Supremo já havia decidido anular as condenações de Lula sentenciadas pela Justiça Federal de Curitiba.
Por fim, é utilizado o último trecho do vídeo do TikTok, em que o homem nas imagens afirma que Bolsonaro vencerá Lula nas eleições de 2022 com 30 milhões de votos a mais. O narrador diz, então, que a pessoa se equivocou apenas nesta “notícia”. Ele apresenta o print de uma suposta pesquisa definida por ele como “ao vivo, online, no Google”. O levantamento aponta mais de 3 milhões de votos, sendo 58,7% deles para Bolsonaro.
Em seguida, ele desqualifica as pesquisas oficiais, afirmando que elas ouvem pouco mais de 2 mil pessoas, e não levantam dados reais de que Bolsonaro vai vencer com mais de 60 milhões de votos no primeiro turno. O material utilizado pelo homem é uma enquete do site Eleições ao Vivo. Ele não explica que o próprio site alerta que enquetes não têm valor científico e omite que, neste site, uma mesma pessoa pode votar diversas vezes – basta informar um número de DDD.
O Comprova já demonstrou em verificação anterior que enquetes em redes sociais não têm valor científico e não substituem pesquisas eleitorais registradas nos tribunais eleitorais. Da mesma forma, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já explicou a diferença entre enquete e pesquisa eleitoral. No segundo modelo, que é legalizado, devem ser registradas informações relacionadas ao contratante da pesquisa; o valor e a origem dos recursos gastos; a metodologia e o período de sua realização; o questionário aplicado ou a ser aplicado; o nome do estatístico responsável; e a indicação do estado em que será realizado o levantamento.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. O conteúdo do vídeo aqui verificado cita dois pré-candidatos à presidência do país, Lula e Bolsonaro. Informações falsas que envolvem atores políticos trazem prejuízos ao processo democrático e atrapalham a decisão do eleitor, que deve ser tomada com base em informações verdadeiras. No vídeo postado no YouTube, por exemplo, há comentários afirmando que o homem que aparece nas imagens é “bem informado”, quando, na verdade, as alegações feitas por ele são falsas, enganosas ou estão fora de contexto.
Outras checagens sobre o tema:
Anteriormente, o Comprova já verificou que uma linha de trem que liga a região de Serra Pelada, no Pará, ao Maranhão existe há 36 anos e não é obra do governo Bolsonaro e ser enganosa publicação que associa, sem evidências, ONGs da Amazônia à exploração de riquezas minerais.
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