Enganoso: Vídeo gravado por uma apoiadora de Jair Bolsonaro engana ao afirmar que ministros do STF teriam poder de manipular o resultado eleitoral. A mulher sustenta sua alegação em uma fala do ex-deputado Wadih Damous tirada de contexto no qual ele criticava a Lei da Ficha Limpa e a Operação Lava Jato e não se referia ao processo eleitoral.
Conteúdo verificado: Vídeo no qual uma mulher alega que um ex-deputado petista estaria confessando um acordo com um ministro do STF para manipular o resultado das eleições por meio de fraude nas urnas eletrônicas.
Uma apoiadora do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) gravou um vídeo no qual tira de contexto uma fala do ex-deputado Wadih Damous (PT) para sugerir uma conspiração eleitoral envolvendo o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Na gravação, de 2018, o petista critica a Lei da Ficha Limpa, que torna inelegível o candidato que tenha uma condenação em segunda instância. No entanto, a autora do vídeo não reproduz essa explicação. Com isso, ela sugere que o ex-deputado estaria confessando um acordo com Gilmar Mendes para manipular o resultado da eleição. Essa ideia é reforçada quando ela questiona “E aí, você tem alguma dúvida do que eles fazem com as urnas eletrônicas?”
A autora do vídeo foi procurada, mas não retornou até a publicação. Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.
Como verificamos?
O primeiro passo foi buscar a íntegra do vídeo para saber se o seu contexto original foi preservado. Como o Comprova reconheceu o ex-deputado que aparece no vídeo como sendo Wadih Damous (PT), foi feita uma busca no Google com as palavras-chave citadas no vídeo, como “Wadih Damous”, “Gilmar Mendes” e o advogado “Tacla Durán”. Isso permitiu encontrar links na imprensa (O Antagonista e Jovem Pan) com o vídeo completo.
Consultamos os dados sobre a atuação de Damous no site da Câmara dos Deputados e no site de divulgação de candidaturas e contas eleitorais da Justiça Eleitoral, o DivulgaCandContas.
Em seguida, foram consultadas matérias na imprensa para saber a relação dos personagens citados com o tema debatido e o contexto em que a fala foi dita.
Por fim, procuramos uma forma de contato com a autora do vídeo em suas redes sociais, mas não encontramos. Então fizemos a solicitação de um posicionamento por meio do PRTB, partido pelo qual ela disputou a eleição em 2020.
Verificação
Ex-deputado criticou Lei da Ficha Limpa
O vídeo foi publicado pelo portal O Antagonista em 22 de abril de 2018. Nele, o ex-deputado Wadih Damous faz críticas à Lei da Ficha Limpa e à atuação de procuradores da Lava Jato.
Um pequeno trecho no começo mostra o deputado dizendo: “O PT embarcou nessa onda moralista desde lá de trás. O que é a Lei da Ficha Limpa? A Lei da Ficha Limpa significa dizer o seguinte: ‘O povo não sabe escolher, quem sabe escolher é o Poder Judiciário. O povo é burro, o povo só escolhe corrupto e bandido’”.
Esse trecho foi recortado do vídeo checado. Com isso, este conteúdo se torna enganoso porque não permite compreender o sentido original da fala do deputado petista. Embora ele criticasse uma lei específica, a autora do vídeo checado questiona se “você tem alguma dúvida do que eles fazem com as urnas eletrônicas?”, como se o deputado estivesse falando de alguma ingerência do Judiciário na integridade da votação e no resultado da eleição.
Damous criticava a Lei da Ficha Limpa, de 2010. Ela foi criada a partir de uma iniciativa popular do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) que, entre outros pontos, tornou inelegíveis os candidatos que tenham condenação por um órgão colegiado. Isso impossibilitava a pretensão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de se candidatar nas eleições de 2018 – ele realmente ficou impedido de concorrer naquele ano.
Damous é ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro (OAB-RJ). Ele concorreu a uma vaga na Câmara dos Deputados, em 2014, pelo PT. Não teve votos suficientes para ser eleito e ficou na fila de suplentes. Assumiu o mandato como suplente em três ocasiões entre 2015 e 2016, até que foi efetivado no cargo em dezembro de 2016, quando o titular da vaga, Luciano Horta, renunciou para assumir a prefeitura de Maricá (RJ).
O ex-deputado é crítico à possibilidade de prisão de condenados em segunda instância – caso de Lula à época. Na Câmara, apresentou um projeto de lei que reforçava a possibilidade de prisão unicamente após condenação em todas as instâncias cabíveis, alegando a presunção de inocência.
A autora também não dá informações importantes, como a data de divulgação do vídeo. Assim, quem assistir pode pensar que o vídeo é atual.
Ex-deputado faz referência à Lava Jato
Em certo momento do vídeo, Damous cita um encontro com Gilmar Mendes. Sem o contexto original, isso reforça a ideia – passada pela autora do vídeo checado – de que o Supremo Tribunal Federal poderia manipular o resultado das eleições. No entanto, quem aplica as leis para a administração do processo eleitoral é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Embora parte dos seus integrantes seja do STF – dos sete ministros, três são provenientes de lá –, Gilmar Mendes não faz parte da atual composição deste Tribunal.
Damous afirma ter se encontrado com o ministro Gilmar Mendes para “levar as denúncias do Tacla Durán” e que ele vai “colocar a boca no trombone”. “O Gilmar, hoje, é nosso aliado. Amanhã, volta a ser inimigo, mas hoje é aliado”, disse o ex-deputado, referindo-se a um embate envolvendo a Lava Jato.
Tacla Durán é um advogado apontado por procuradores da Lava Jato como um dos operadores de propinas da Odebrecht. Eles afirmam que o escritório de advocacia dele teria recebido dinheiro das empresas investigadas. Durán chegou a ser preso na Espanha, em 2019, mas a prisão foi revogada. Ele não foi extraditado por possuir dupla cidadania.
Durán é um crítico da Lava Jato e do juiz Sergio Moro. Ele já disse ter pago dinheiro a um juiz amigo de Moro para ajudá-lo a obter vantagens em um processo de delação. A Procuradoria-Geral da República investigou e arquivou o caso, em 2018, afirmando que não encontrou provas dos ilícitos citados.
Gilmar Mendes também já fez duras críticas à operação Lava Jato e às forças-tarefas estaduais que a conduziram, especialmente a de Curitiba. Mais recentemente, durante a votação da suspeição de Moro, Mendes votou para reconhecer a parcialidade do ex-juiz federal. Em seu voto, chegou a citar Tacla Durán, lembrando que a Interpol retirou o advogado da sua lista de procurados ao reconhecer a possível parcialidade de Moro.
Em 2020, circulou na imprensa a notícia de que a Procuradoria-Geral da República estaria estudando reabrir o processo de delação premiada de Tacla Durán. A mudança ocorreu meses após Moro abandonar o governo federal. O atual PGR, Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro, enfrentou de frente os procuradores nos estados e conduziu um processo que acabou com o modelo de forças-tarefas da operação. Até a publicação desta checagem, não havia confirmação da delação.
A autora do post
O vídeo descontextualizado foi publicado no canal do YouTube de Val Paschoalini. Em outra rede social, ela se diz “100% Bolsonaro”. Suas postagens vão ao encontro das bandeiras defendidas pelo presidente. Ela faz posts com ataques ao STF e defende o voto impresso, uma pauta que o presidente utilizou para atacar o processo eleitoral em meio a sua perda de popularidade. Desde sua implementação, em 1996, as urnas eletrônicas não tiveram nenhuma fraude comprovada.
O Comprova não conseguiu entrar em contato com Val porque ela não possui nenhuma informação desse tipo nas redes sociais. Pedimos um contato por meio da página do PRTB de São Bernardo do Campo, partido e cidade pelos quais ela concorreu à câmara de vereadores em 2020, mas não obtivemos retorno.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia ou sobre políticas públicas do governo federal e eleições. Só checamos posts que tenham chegado a um grande número de pessoas. O vídeo verificado foi visualizado ao menos 74 mil vezes no YouTube e recebeu ao menos 4 mil compartilhamentos no Facebook, segundo a ferramenta de monitoramento de redes CrowdTangle.
Conteúdos enganosos sobre as eleições representam supressão do direito ao voto porque desencorajam os cidadãos de participarem do processo democrático. O Comprova já mostrou ser falso que um inquérito da PF investigasse fraude no processo de votação. Também verificamos que são falsas as alegações de fraude na eleição de 2014 feitas por Naomi Yamaguchi em um vídeo.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
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