Investigado por: Piauí e Folha de S.Paulo
- Conteúdo verificado: Posts publicados por diversas páginas de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) trazem um trecho revogado da Lei 10.408, de 10 de janeiro de 2002, que dispõe sobre um mecanismo da urna que permite a impressão do voto, acompanhados com uma foto da deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) e uma frase atribuída a ela defendendo que o voto impresso já é lei e deveria ser implementado.
Posts virais no Facebook enganam ao colocar uma frase da deputada Janaina Paschoal (PSL) ao lado de uma lei de 2002 que foi parcialmente revogada.
De fato, a deputada fez declarações de que “o voto impresso já é lei” e “não deveria nem estar sendo discutido, mas implementado” em um post no Twitter em 2018, mas referindo-se a um artigo da lei 13.165 – a minirreforma eleitoral de 2015 – que dispunha sobre o voto impresso.
Já os posts verificados apresentam trechos de outra lei, a 10.408, que foi sancionada em 2002 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Esta segunda legislação de fato previa a impressão do voto, mas o artigo sobre este ponto foi revogado no ano seguinte, pela lei 10.740.
A revogação ocorreu após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) detectar “vários inconvenientes” onde os votos foram impressos, tais como mais urnas com defeito, maior número de votos nulos e brancos e contribuição “para a quebra do sigilo constitucional do voto em algumas seções eleitorais”.
Os dois grupos públicos e o perfil pessoal que publicaram os posts verificados aqui são de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Eles foram procurados pela reportagem, mas não responderam até a publicação deste texto.
Como verificamos?
Inicialmente, a reportagem procurou informações oficiais sobre a lei citada nos posts no site do TSE, do STF (Supremo Tribunal Federal) e da Câmara dos Deputados. Nessas mesmas páginas, pesquisou dados sobre suas atualizações.
O segundo passo foi entrar em contato com Janaina Paschoal, que respondeu por e-mail. A equipe também procurou, por mensagem privada no Facebook, três perfis que publicaram os posts verificados aqui.
Além disso, entrevistou o sociólogo Elimar Pinheiro do Nascimento, professor de sociologia política e ambiental da Universidade de Brasília (UnB), para entender a legalidade e a segurança do voto impresso e eletrônico. Sobre este último, também fez pesquisas no site do TSE.
Verificação
Lei parcialmente revogada
A imagem engana ao destacar um trecho da lei 10.408, de 10 de janeiro de 2002, que diz que “a urna eletrônica disporá de mecanismo que permita a impressão do voto, sua conferência visual e depósito automático, sem contato manual, em local previamente lacrado, após conferência pelo eleitor”.
A lei foi sancionada em 2002 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e ainda está em vigor, mas foi parcialmente revogada. Em outubro de 2003, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei 10.740, que instituiu o Registro Digital do Voto (RDV) – uma espécie de tabela digital que permite, a qualquer tempo, a recontagem dos votos da urna eletrônica – e revogou os dispositivos da lei 10.408 que determinavam a impressão do voto.
Na postagem que está circulando, está destacado o inciso 4, que, com a lei de número 10.740 de 2003, teve a redação alterada, como é possível ver nas duas imagens abaixo:
Segundo o TSE, em 2002, foram detectados vários problemas nos locais em que foi realizada a impressão dos votos, no âmbito da lei 10.408. Naquele ano, 7.128.233 eleitores de 150 municípios de todas as unidades da Federação, isto é, 6,18% do eleitorado brasileiro da época, tiveram voto impresso.
De acordo com um relatório elaborado pelo TSE, “a experiência demonstrou vários inconvenientes na utilização do denominado módulo impressor externo e sua introdução no processo de votação nada agregou em termos de segurança ou transparência. Por outro lado, criou problemas”.
Entre os problemas listados, estão: maior tamanho das filas; maior número de votos nulos e brancos; maior percentual de urnas com votação por cédula – com todo o risco decorrente desse procedimento; maior percentual de urnas que apresentaram defeito, além das falhas verificadas no módulo impressor.
Ainda de acordo com o TSE, a impressão em 2002 “contribuiu para a quebra do sigilo constitucional do voto em algumas seções eleitorais, pois para resolver problemas de travamento de papel na impressora, foi necessária a intervenção humana”.
Por fim, o relatório concluiu que “o voto impresso pode ter efeito desastroso em eleições municipais, muitas vezes decididas com diferença de poucas dezenas ou centenas de votos”. Em reunião do Colégio de Presidentes e do Colégio de Corregedores da Justiça Eleitoral, realizada em Florianópolis (SC), em 28 e 29 de novembro de 2002, um mês após o segundo turno do pleito, os participantes concluíram ser imperativa a eliminação do voto impresso no processo de votação. E aí vem a lei nº 10.740, que revogou o que não deu certo.
Declaração de Janaina é de 2018
O conteúdo verificado traz uma foto da deputada Janaina Paschoal e uma frase atribuída a ela: “Voto impresso já é lei. Não deveria nem estar sendo discutido, mas implementado. Simples assim”.
Ela escreveu essa frase no Twitter, em 6 de junho de 2018. A íntegra está abaixo, e o trecho “trata-se de um direito, inerente à Democracia, poder auditar as eleições” foi cortado no conteúdo que está circulando. Print abaixo:
Nesse dia, o STF decidiu liminarmente, por oito votos a dois, derrubar o voto impresso nas eleições de 2018, a partir da suspensão do artigo 59-A da minirreforma eleitoral de 2015 que instituía: “No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado. Parágrafo único. O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica”.
Os ministros entenderam que “o dispositivo coloca em risco o sigilo e a liberdade do voto, contrariando a Constituição Federal”. Além disso, destacaram a “falta de proporcionalidade e razoabilidade da medida, uma vez que impõe altos custos de implantação – estimados em mais de R$ 2 bilhões – e traz riscos para a segurança das votações, sem haver garantia de que aumenta a segurança do sistema. Isso em um contexto em que faltam indícios de fraude generalizada no sistema de voto eletrônico, existente desde 1996. Foi ressaltada a confiança da população no sistema, tido como referência internacional, e no fato de que a alteração poderia, pelo contrário, minar essa confiança”.
Em setembro do ano passado, o STF declarou inconstitucional a impressão do voto eletrônico, por “colocar em risco o sigilo e a liberdade do voto”. Em decisão unânime, os ministros confirmaram a decisão liminar do dia 6 de junho e julgaram procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5889.
Para o relator, o ministro Gilmar Mendes, “não há comprovação de que a impressão incrementará de forma decisiva a integridade das apurações eleitorais, pois se trata de um processo mecânico, mas controlado por dispositivos eletrônicos. Dessa forma, há riscos teóricos de manipulação das impressões, por exemplo, com o cancelamento de votos”.
Procurada pelo Comprova, Janaina Paschoal afirmou que não conhece a origem da montagem que fizeram com o tuíte dela, de 2018. Como explicitado anteriormente, ela afirmou que estava se referindo ao artigo 2º da lei 13.165 – a minirreforma eleitoral de 2015 – que altera a lei 9.504, de 1997, e dispõe sobre a impressão do voto no artigo 59-A, e não ao trecho da lei 10.408, que foi destacado na montagem enganosa.
A deputada ainda disse que defende o voto impresso, “não por duvidar do atual sistema, mas por entender que, quanto mais segurança, melhor” – afirmação que vai na contramão do que dizem o TSE e especialistas, segundo os quais o sistema eletrônico é mais seguro.
Fraude
Para o sociólogo Elimar Pinheiro do Nascimento, da UnB, o voto impresso, além de não ser mais o sistema legal vigente no país, representaria um retrocesso.
Na entrevista ao Comprova, entre as possibilidades de fraude, ele cita o momento da contagem dos votos em papel – o responsável pela verificação conta o voto para um candidato diferente do que o que estava escrito e consegue fazer com que outros fiscais não percebam a mentira.
“Em mais de 20 anos de voto eletrônico, jamais houve uma denúncia que pudesse levantar suspeita real, (o que houve foi) apenas falatório”, diz ele.
Sobre a segurança do sistema, ele destaca que as urnas são lacradas com a presença de representantes de todos os partidos, que podem acompanhar se elas funcionam corretamente e que não são ligadas à internet. “Não há como um hacker entrar e desvirtuar (o sistema)”, diz Nascimento.
Por que investigamos?
Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal, eleições ou a pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. O conteúdo publicado por diversas pessoas em páginas de apoio ao presidente Bolsonaro atingiu mais de 8 mil interações.
Conteúdos como esses geram desinformação e reforçam a falsa impressão de que o processo eleitoral brasileiro não é seguro, colocando em xeque a própria democracia.
Bolsonaro tem afirmado, sem provas, desde 2018, que houve fraude no pleito que o elegeu. Ele também critica de forma recorrente o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas e vem radicalizando seu discurso – inclusive tendo feito insinuações sobre a lisura do processo para 2022, no momento em que pesquisas apontam o aumento de sua reprovação e o favoritismo de Lula.
O mesmo material também foi checado pelo Estadão Verifica, O Globo, Aos Fatos, G1 e Boatos.org.
Recentemente, o Comprova publicou verificações semelhantes, sobre conteúdos que questionavam o sistema eleitoral brasileiro, como postagens que afirmavam falsamente que urnas usadas aqui haviam sido hackeadas nos Estados Unidos e que vídeo mostrava fraude nas eleições de 2014. No ano passado, o projeto mostrou que o sistema de votação eletrônica pode ser auditado e que a Smartmatic nunca vendeu urnas para o Brasil.
Enganoso para o Comprova é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Verificado por Correio de Carajás, Correio Braziliense, Rádio Band News FM, Jornal do Commercio, Estadão, Uol, Diário do Nordeste e SBT.
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