Nádia Duvert deixou o Haiti em 2010 em busca de vida melhor
O primeiro destino do casal foi a Venezuela, onde ficaram por três anos. Após o agravamento dos conflitos na região, cruzou a fronteira e veio para o Brasil
O primeiro destino do casal foi a Venezuela, onde ficaram por três anos. Após o agravamento dos conflitos na região, cruzou a fronteira e veio para o Brasil
A busca por melhores condições financeiras fez Nádia Duvert, 43 anos, deixar o Haiti, junto com o marido, em 2010. Ela conta que saiu poucos meses antes do terremoto daquele ano, que destruiu o país em que morava.
A situação econômica e política para os haitianos está instável desde 2004, quando violentos conflitos armados culminaram na intervenção de organizações internacionais para missões de paz. O reflexo disso nos anos subsequentes foi o desemprego e o aumento da pobreza.
Em 2010, um abalo sísmico de 7.3 na Escala Richter devastou a capital do Haiti, Pequeno Príncipe, e deixou cerca de 230 mil mortos e um milhão de desabrigados. Com a precarização de todos os serviços públicos, um deficit no saneamento básico fez com que o país enfrentasse uma epidemia de cólera, quando ainda sentia os impactos do terremoto. Desde então, os fluxos migratórios aumentaram. Em 2012, o governo brasileiro lançou o Visto Humanitário para os haitianos, visando facilitar o processo de acolhida deles no país.
O primeiro destino do casal haitiano foi a Venezuela, onde ficaram por três anos. “Quando eu cheguei na Venezuela, eu posso falar, não recebi nada de ajuda. E lembro que eu não tinha dinheiro”, conta a haitiana.
Nádia presenciou, enquanto estava no país, mais uma crise política e social. Com a morte do então presidente venezuelano, Hugo Chávez, conflitos pelo poder se instauraram na região. Foi então que ela, junto ao marido, cruzou a fronteira para o Brasil em Manaus, no Amazonas.
“Quando entrei na fronteira da Venezuela com o Brasil, eu não sabia nem como falar que precisava de banheiro, só fazia o gesto. Perguntei para quatro, três pessoas, até entenderem que eu precisava ir ao banheiro porque eu só falava minha língua (espanhol)”, relembra sorrindo.
Para ela, a nova etapa no Brasil foi muito acolhedora. “Quando eu cheguei aqui, foi diferente. Todo mundo me ajudou, teve até quem me ajudou no aluguel, para fazer lanche. Me compraram bastante comida, todos os meses, até eu conseguir um emprego”, relata, acrescentando que o povo brasileiro é “maravilhoso”.
“Esse mesmo povo brasileiro, você sabe o que fizeram para mim? Entraram em contato com uma empresa e essa empresa pagou passagem para mim e para mais quatro haitianos. A empresa deu casa para nós. A gente ficou um ano lá trabalhando”, conta Nádia, sobre sua mudança para o Rio Grande do Sul para trabalhar na indústria.
Com expressão de dor, Nádia relembra que, em uma época, trabalhou dentro de um frigorífico de aves em Caxias do Sul. As mãos e os pés, segundo ela, ficavam congelados pelo frio dentro do lugar. Ela também passava toda jornada de trabalho em pé, o que com o tempo causou a ela dores fortes nas costas.
Assim, quando Nádia engravidou, acabou saindo da empresa. O primeiro filho do casal de haitianos nasceu em solo gaúcho, mas ficou por lá pouco tempo. Os três deixaram a Serra Gaúcha em busca de novas oportunidades, passaram alguns anos em Goiânia e, desde 2022, estão em Brasília.
Formada em pedagogia no Haiti, Nádia nunca trabalhou na área no Brasil. Na verdade, parece preferir ser comerciante. Todos os dias, faça chuva ou faça sol, a haitiana sai de casa por volta das 4h para vender roupas e calçados como ambulante.
Ela sentia que precisava melhorar as habilidades para aumentar as vendas. Foi então que se inscreveu no curso de Atendimento e Vendas, do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que faz parte do projeto Empoderando Refugiadas. A iniciativa é promovida em Brasília, em Curitiba e em Boa Vista, pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur), pela ONU Mulheres e pelo Pacto Global da ONU no Brasil. Na capital federal, o curso é implementado pelo Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR),e foi durante as aulas do curso que o Correio conversou com a haitiana.
Sempre muito dedicada nas aulas, Nádia usava exemplos cotidianos para entender quais são as maneiras mais eficazes para vender e manter uma boa relação com as pessoas. “Por exemplo, quando um cliente não quer uma coisa, se eu queria vender, acabava deixando o cliente mais ou menos desconfortável. Ele se sentia pressionado porque eu falava ‘é bom, é confortável, você pode provar”. Isso não se faz. Você tem que deixar o cliente falar o que ele quer, depois você vai saber como atender esse cliente”, conta orgulhosa sobre os aprendizados que está colocando em prática.
Mais reservada, quando conversou pela primeira vez com a reportagem, Nádia se soltou conforme o passar das semanas no curso, e tornou-se falante e participativa.
Ela e Manise Savah , outra aluna refugiada do Haiti, andavam sempre juntas durante o curso e também na vida. As duas se conheceram no Rio Grande do Sul e são amigas desde então. Era possível perceber que uma incentivava a outra a perseguir os sonhos, a fazer cursos, a melhorar. Manise, inclusive, levou Nádia para fazer um curso de tranças de cabelo com ela.
“Quando a gente está em um país estrangeiro, que não é nosso, tem que se esforçar. Você tem que pagar aluguel, comprar comida, se cuidar. Você tem que ter dinheiro na mão, não dá para ficar parado esperando. Qualquer coisa que aparecer, você tem que se esforçar para se adaptar porque se não, você vai sofrer”, conta Nádia, ao justificar as investidas em diferentes áreas de emprego.
No dia da formatura no curso da Acnur, Nádia caminhava feliz junto de sua família. “Hoje é um grande dia porque eu consegui, com tanto sacrifício que fiz para sair de lá, vir para cá, todos os dias. Eu me sinto muito feliz por ter ido até o fim e ter conseguido meu certificado”, declarou emocionada a haitiana. Apesar de não falar muito do país em que nasceu, Nádia escolheu receber seu diploma ostentando uma bandeira do Haiti nas costas.
Assim que o curso foi finalizado, assim como as outras migrantes e refugiadas, Nádia participou de algumas entrevistas de emprego de empresas parceiras da Acnur. Nas vendas, sua atual fonte de renda, ela conta estar passando por dificuldades neste começo de ano, já que as pessoas estão sem dinheiro para comprar, segundo ela.
Mesmo com dificuldade, a esperança é sempre um imperativo na vida de Nádia. “Uma pessoa migrante no Brasil é uma pessoa que deixa tudo para trás. Deixamos o nosso país, a nossa família, deixamos tudo para buscar uma vida melhor, mesmo que a gente saiba que vai passar muitas dificuldades. Mas, eu sei, graças a Deus, a gente vai conseguir. Pouco a pouco, a gente vai chegar onde queremos chegar”, reflete.
Guilherme Augusto Machado
Leonardo Guilherme Lourenço Moisés
Ana Dubeux
Reportagem: Mayara Souto | Edição: Andreia Castro | Coordenação: Carlos Alexandre de Souza e Mariana Niederauer| Fotos: Ed Alves | Vídeos: Arthur Ramos e Samuel Calado| Tecnologia: Patrick Lima e Vinícius Paixão
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