Jennifer Vanegas chegou ao Brasil em 2023, acompanhada pela esposa

Antes de desembarcar no Brasil, o casal venezuelano viveu na Argentina, onde tentou empreender

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Mayara Souto
29/01/2024 01:07 - Atualizado em 29/01/2024 15:19
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Sempre alegre, Jennifer Vanegas, 44 anos, não comenta muito sobre a saída da Venezuela. Porém, se emociona ao lembrar da mãe, que ainda vive no país. “Uma pessoa que trabalhou a vida toda, uma senhora de 67 anos, chegar ao ponto de ter que esperar a hora que vão colocar água para ela… a água!”, conta.

Ela também lamenta ter perdido o crescimento de seu sobrinho. “Sempre há coisas que te partem a alma porque não estás com a tua família. Você deixou de ver o teu sobrinho crescer, que agora tem seis anos, ver ele começar a falar… E você não vai ver porque já foi. Já passou o tempo. Para trás não se pode voltar”, reflete.

À época em que Jennifer deixou a Venezuela, o país enfrentava graves problemas econômicos e humanitários devido à hiperinflação, o desemprego, aumento da pobreza e da fome. A Agência da ONU para Refugiados registrou aumento de 8 mil por cento nos pedidos de refúgio de venezuelanos desde 2014, principalmente para países da América Latina e Caribe. Atualmente, mais de 5,4 milhões de venezuelanos vivem no exterior, sendo, assim, uma das maiores correntes migratórias em âmbito global. O Brasil é o 6º país na região a abrigar mais venezuelanos; ao todo, são 96 mil pessoas.

Quando resolveu deixar a Venezuela, Jennifer e a esposa foram para Buenos Aires, na Argentina. Lá, tentaram empreender.

“No meu país eu era vendedora. Comprava e vendia carros. Depois, tive dois empreendimentos, um de saladas gourmet e outro de internet. Quando fui para Buenos Aires, também tivemos dois empreendimentos: de cones de batata e de cachorro quente. Mas, bom, pela questão da economia, sempre foi fraco. A pandemia também afetou”, relembra Jennifer.

Durante o período em que a venezuelana estava na Argentina, entre 2016 e 2022, ela sentiu os efeitos da crise econômica que assola o país há décadas. A pandemia da Covid-19 exacerbou o cenário, que já apresentava altos níveis de inflação, alta dívida externa e dificuldade no acesso a financiamento internacional.

Assim, no início de 2023, o Brasil tornou-se o novo destino das migrantes e refugiadas. “Tenho oito meses de chegada. Não tem sido fácil, de verdade que tem sido bastante complicado o idioma, os novos costumes. Por mais que nós moramos sete anos na Argentina, sempre as percepções que a gente tem, quando chega, são outras. Sobretudo falar”, comenta.

Para ela, o mais difícil no português é o som da letra “N” e o que mais se percebe de diferente do espanhol é que não se usa tanto o som de “RR”. Tudo que Jennifer sabe da língua brasileira aprendeu aqui, na convivência. Dando risada, ela conta quais os versos que sabia em português até pouco tempo: “Nossa, nossa, assim você me mata”. O trecho é da música Ai se eu te pego, de Michel Teló, que fez sucesso em todos países da América do Sul entre 2008 e 2010.

Trajetória Jennifer refugiadas
Trajetória Jennifer refugiadas (foto: Valdo Virgo/C.B./D.A. Press)

A chegada ao Brasil foi como uma página em branco para escrever um novo capítulo muito especial. Ser um casal de mulheres foi um dos motivos que impulsionou o deslocamento internacional de Jennifer e sua esposa, já que a Argentina, assim como a Venezuela, eram países mais fechados que o Brasil.

“Ser gay é muito complicado. Sempre tem um momento que te maltratam, te rotulam. A Venezuela é fechadíssima com a questão da homossexualidade, machista 100%. Já na Argentina a questão é um pouco mais aberta. Porém, sempre você vai ser diferente. Aqui no Brasil tem sido um pouco melhor. Eu não sabia que aqui há tantas questões com as pessoas LGBTS, eu sequer tinha ideia do que era possível alcançar sem ter medo de dizer que você é gay”, comenta Jennifer.

Como exemplo de tratamento igualitário, ela cita a participação no curso de Atendimento e Vendas, do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que faz parte do projeto Empoderando Refugiadas. A iniciativa é promovida em Brasília, Curitiba e Boa Vista pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur), ONU Mulheres e Pacto Global da ONU no Brasil. Em Brasília, o curso é implementado pelo Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR),e foi durante as aulas do curso que o Correio conversou com a venezuelana.

Naquela sala de aula, para Jennifer, não importava a nacionalidade, raça ou sexualidade, pois todas estavam unidas pelo mesmo propósito: de buscar uma vida melhor. O programa da Acnur é um dos exemplos de acolhida do governo brasileiro, em parceria com organizações internacionais, para migrantes e refugiados. A maioria das pessoas que realizam esses deslocamentos internacionais está em situação de vulnerabilidade social. Por isso, elas têm direito aos serviços públicos oferecidos pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas) e inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico). Ambos dão acesso à educação, saúde, assistência social e também programas de transferência de renda. Até o último ano, 3,8 mil venezuelanos recebiam o Benefício de Prestação Continuada (BPC), para idosos (acima de 60 anos), e outros 135,5 mil o Bolsa Família.

“Se você não tem estabilidade econômica, não tem nada. Aqui as pessoas te ajudam, te apoiam, te acompanham, prestam atenção em ti, antes eu não tinha isso, nem sequer no meu país”, relata Jennifer, que recebe o auxílio do Bolsa Família, já que desde que chegou não conseguiu um emprego formal.
No entanto, o desejo de Jennifer e das outras 25 migrantes e refugiadas é de recomeçar e alcançar condições econômicas melhores por meio da profissionalização. A formatura do curso do Senac, em dezembro de 2023, foi o ponto inicial para essa realização.

  • Jennifer e esposa refugiadas
    Jennifer e esposa refugiadas Ed Alves/C.B./D.A. Press
  • Jennifer refugiada
    Jennifer refugiada Ed Alves/C.B./D.A. Press
  • Jennifer e esposa refugiadas
    Jennifer e esposa refugiadas Ed Alves/C.B./D.A. Press

Aliás, foi uma ‘primeira vez’ para Jennifer, que nunca pôde participar de uma colação. Ela conta que quando concluiu o Ensino Médio não conseguiu chegar à própria formatura por conta de uma chuva muito forte. Assim, a celebração foi em dobro e os gritos de alegria preencheram a cerimônia.

“É um fechamento muito especial porque, mais do que aprender, estivemos com pessoas que são do mesmo país. E isso te faz conversar com as pessoas, se entender de volta com a tua nacionalidade, com as outras nacionalidades. Estamos muito agradecidas”, relatou a venezuelana, que fez questão de registrar cada segundo da formatura com as amigas e a esposa.

A certeza de Jennifer é de que quer trabalhar com vendas. “Minha vó dizia que eu vendia areia no deserto”, comenta rindo. Para ela, as ferramentas que aprendeu no curso serão essenciais para novos empreendimentos no futuro - como abrir um restaurante de arepas (comida típica venezuelana) ou retomar os cones de batata.

Porém, a prioridade agora é conseguir um emprego fixo. Ela participou de algumas entrevistas com empresas parceiras do projeto Empoderando Refugiadas, mas, até o momento, não teve retorno. Assim que alcançar a tão desejada vaga de emprego, ela conta que pretende ir morar em uma nova casa com a companheira. Atualmente, as duas moram com uma outra pessoa.

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