MEMÓRIA
Há 40 anos, Brasília comemorava chegada da Nova República com Tancredo Neves; relembre
Correio relembra votação que elegeu o presidente Tancredo Neves e o vice José Sarney em 1985
MEMÓRIA
Correio relembra votação que elegeu o presidente Tancredo Neves e o vice José Sarney em 1985
Há 40 anos, em 15 de janeiro de 1985, Brasília e todo o Brasil comemoravam a eleição do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar. O novo pleito encerrava o ciclo que iniciou em 1964, com o golpe de 31 de março, e iniciava uma nova etapa da história do país: a chamada Nova República. O Correio cobriu todos os detalhes da eleição e da posse de Tancredo Neves.
“A Velha República, implantada em 15 de novembro de 1889, estará se esgotando em seus meios e seus fins a partir da metade do dia de hoje, 15 de janeiro. Ao longo dos 95 anos que hoje se encerram, o país sofreu os terrorismos políticos de 1922, de 1930, de 32, de 35 e de 37. A partir de hoje, no entanto, os destinos do País começam a ser projetados de maneira mais duradoura e dentro de condicionamentos mais estáveis”, escreveu o jornal.
Além das edições de 15 e 16 de janeiro, o Correio Braziliense detalhou a campanha e os desafios do novo presidente em caderno extra intitulado “O Brasil mudou”.
Mesmo com a força do movimento "Diretas Já", o primeiro pleito após a ditadura foi feita por um colegiado de parlamentares em eleição indireta. Desde a edição do dia 15 de janeiro, que saiu horas antes do início da assembleia, o Correio cravava a vitória do ex-governador de Minas Gerais Tancredo Neves, candidato pelo PMDB.
A frase “Tancredo dá última aula: Nova República” embala a capa do jornal às vésperas da decisão. A vitória de Tancredo contra o candidato do Partido Democrático Social (PDS), partido remanescente do regime militar, Paulo Maluf já era certa. Na reta final da disputa, a edição relata que eleitores faziam apostas não para saber o vencedor, mas para cravar quantos votos teria Maluf.
O colegiado, formado por 686 políticos, elegeu a chapa formada por Tancredo Neves e José Sarney com 480 votos. Maluf e o vice, Flávio Marcílio, tiveram 180 votos. 17 votantes se abstiveram e nove não compareceram. Entre os representantes do colegiado, apenas 11 eram mulheres.
No entanto, já no discurso de posse, o político mineiro prometeu: “esta foi a última eleição indireta do país”. “Venho para realizar urgentes e corajosas mudanças políticas, sociais e econômicas indispensáveis para o bem-estar do povo”, declarou.
“Não vamos nos dispersar. Continuemos reunidos, como nas praças públicas, com a mesma emoção, a mesma dignidade e a mesma decisão”, declamou durante discurso.
O adversário Paulo Maluf parabenizou o presidente e afirmou que a democracia saiu vitoriosa. “A classe política reassumiu com firmeza seu papel de direito, este momento histórico de transição”, afirmou.
Com campeão certo, a expectativa se voltava para o momento em que seria proferido o 344ª voto de Tancredo, número correspondente a 50% mais um, que daria a vitória certa ao futuro presidente.
“O momento maior da festa ocorreu quando o deputado João Cunha (PMDB/SP) proferiu o 344° voto, que garantiu a vitória de Tancredo Neves e José Sarney, às 11h35, antes de Maluf votar. Por todo o plenário, os eleitores dos candidatos da Aliança Democrática batiam palmas, agitavam bandeiras do Brasil e até mesmo um chapéu de palha e subiam nas mesas para comemorar”, detalha a edição de 16 de junho. “Das galerias, caiam papéis, enquanto João Cunha declarava que, há 21 anos atrás, havia pensado que o sonho de uma grande Nação tinha acabado: ‘Com o meu voto - acrescentou o deputado - damos um golpe final contra a ditadura fascista. Voto em Tancredo Neves, na vitória’”.
Como em um típico janeiro no DF, os brasilienses tiveram que enfrentar a chuva nas comemorações, que se espalharam pela Esplanada e no Setor Comercial Sul. Outras regiões administrativas também contaram com festas organizadas pelo diretório do PMDB nos municípios. O clima era de Copa do Mundo, com pessoas em volta de televisões, música e bebida. Na Rodoviária do Plano Piloto, entretanto, parecia um dia como qualquer outro. Isso porque o circuito fechado de TV foi desativado no local.
Embora a eleição tenha ocorrido de maneira indireta, o jornal aponta que o candidato eleito conquistou a preferência e o carinho do povo. No Congresso, o momento também foi de celebração e de lembrar personalidades históricas que sofreram com o regime militar. Nomes como o do ex-deputado Rubens Paiva e do jornalista Vladimir Herzog foram citados durante as declarações de votos.
As abstenções e faltas no pleito, no entanto, retratam o descontentamento de parte da classe política. Contrário à eleição indireta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na época líder do Partido dos Trabalhadores (PT), chamou o pleito de “farsa do colégio eleitoral". No dia 15, Lula promoveu uma série de comícios para protestar contra a votação indireta.
Orientados pelo partido, os deputados federais de São Paulo Eduardo Suplicy, Irma Passoni, José Genoino e Djalma Bom e de Minas Gerais Luiz Dulci não compareceram ao plenário.
Três petistas, no entanto, contrariaram o movimento. Airton Soares, José Eudes e Bete Mendes compareceram ao pleito para votar na chapa de Tancredo Neves. Os três pediram desligamento do partido antes que a expulsão fosse concretizada.
O Partido Democrático Trabalhista (PDT) compareceu ao pleito, mas com ressalvas. Às vésperas da eleição, integrantes se reuniram para planejar discurso que pretendia desvincular o nome de José Sarney do voto. O texto aprovado pelo grupo ressaltava o voto em Tancredo, reforçando que o mandato deveria durar apenas até a constituinte, mas não citava o nome de Sarney.
Em clima de mudança, o Correio destacou os principais pontos da campanha e do novo governo que iniciaria o processo de redemocratização. “Pois é, quem diria… o Brasil mudou” estampa a capa da edição especial de 16 de janeiro.
Editorial que inicia o caderno afirma que Tancredo chegou ao poder “na cauda de um cometa repleto de mudancistas” e que era preciso cuidado para que “o fragor mudancista não acabe por nos levar ao mesmo lugar numa espécie de roda gigante dos sonhos inacabados”.
O principal foco não poderia ser outro. Após duas décadas de ditadura, o povo e a classe política ansiavam pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, responsável pela elaboração da nova constituição brasileira.
O novo governo tinha duração de dois anos e carregava a função de “ajeitar a casa” para a eleição popular que viria a seguir. Para o Correio, o adiamento dos debates para 1987 evitaria que o governo tivesse que se posicionar rapidamente sobre temas polêmicos, como a reforma agrária.
A Constituinte também seria fundamental para discutir questões eleitorais, como o direito ao voto para cidadãos analfabetos.A edição destaca que a principal preocupação do governo era a dívida externa, que cresceu 40 vezes durante o regime militar. “O Pais a ser entregue por Figueiredo a Tancredo no dia 15 de março não será apenas de esperança, mas sobretudo de um conjunto concreto de problemas econômico-financeiros de dar inveja a qualquer programa de reconstrução -nacional do tipo pós-guerra”, afirma.
A oposição também deveria ser um ponto de atenção de Tancredo. Segundo a edição, a oposição viria de diferentes lados, com o PT de Lula, o PDT de Leonel Brizola e o que deveria restar do PDS de Maluf.
Embora situasse os leitores dos inúmeros problemas, o tom refletia a euforia nacional com o novo governo. Euforia que durou pouco com a internação do presidente em 14 de março, véspera da posse, que aconteceu em 15 de março. Tancredo morreu cerca de um mês depois, em 21 de abril de 1985.
Com a morte do mandatário eleito, o vice-presidente José Sarney passou ao comando do governo de transição. Mesmo com a perda, a promessa de convocar a constituinte foi cumprida e os debates começaram ainda em 1985, com a Comissão Provisória de Estudos Constitucionais. Em 1987, foi instalada a Assembleia Nacional Constituinte, que deu origem à Constituição Cidadã de 1988.
Guilherme Augusto Machado
Leonardo Guilherme Lourenço Moisés
Ana Dubeux
Edição: Mariana Niederauer, Roberto Fonseca, Lorena Pacheco, Pedro Grigori Ronayre Nunes, Samuel Calado, Talita de Souza e Thays Martins | Pesquisa: Francisco Lima Filho e Mauro Ribeiro | Mentoria: Julio Gomes Filho | Tecnologia: Guilherme Dantas, Patrick Lima e Vinícius Paixão
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