MEMÓRIA
Bolsonaro teve mandato ameaçado após defender golpe em entrevista
À época deputado federal de primeiro mandato, Bolsonaro era um admirador do presidente peruano Alberto Fujimori, condenado a 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade
MEMÓRIA
À época deputado federal de primeiro mandato, Bolsonaro era um admirador do presidente peruano Alberto Fujimori, condenado a 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade
Há mais de três décadas, em junho de 1993, um deputado federal de primeiro mandato pelo Partido Progressista Reformador (PPR) correu o risco de cassação após defender o golpe militar e o fechamento do Congresso durante entrevista na TV Brasília. O novato na Câmara era o capitão da reserva Jair Bolsonaro, e o discurso é semelhante ao de parlamentares favoráveis à ditadura nos dias atuais.
O Memória CB recupera episódio da entrevista de Bolsonaro, que foi destaque na capa do Correio Braziliense, e a repercussão do discurso no mundo da política.
Em 25 de junho de 1993, foi ao ar a entrevista com Jair Bolsonaro na TV Brasília. Na ocasião, o deputado descreve o Congresso como uma ameaça à ordem e pede intervenção militar. O mesmo discurso foi defendido por ele no plenário da Câmara em 24 de junho do mesmo ano.
A edição do Correio Braziliense destaca pontos defendidos pelo político, como a admiração dele pelo ex-presidente do Peru Alberto Fujimori, condenado a 25 anos de prisão por crimes contra a humanidade. O nipo-peruano, que governou o país entre 1990 e 2000, aplicou um autogolpe e dissolveu o Congresso no terceiro ano de mandato.
Segundo a edição, o capitão da reserva acreditava que a qualidade de vida do brasileiro era melhor durante a ditadura e que somente um regime ditatorial poderia tomar medidas necessárias para o país.
A declaração de Bolsonaro rendeu conteúdo satírico e caricatura na edição do Correio do dia seguinte. Com o título "Ele está à solta", o texto questionava a sanidade mental do então parlamentar.
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"“Ele está à solta
É só no que se fala.
Na Câmara dos Deputados e adjacências.
O democrata Jair Bolsonaro deveria fazer um exame de sanidade mental.
Com urgência, porque talvez haja necessidade de internação.
Antes que o (ainda) parlamentar ultraje mais ainda a Constituição da República
Federativa do Brasil.”
" Correio Braziliense, sábado, 26 de junho de 1993
Embora o desfecho dessa história seja fácil de deduzir, antes de dizer que o deputado não sofreu cassação, vale destacar que a conduta de Bolsonaro gerou revolta na Câmara e chegou até à Procuradoria-Geral da República (PGR).
Após as declarações na TV Brasília e no plenário, o então presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira (PFL), autorizou abertura do processo para apurar se Bolsonaro feriu o decoro parlamentar e o Regimento Interno. A Corregedoria da Câmara, na época chefiada por Fernando Lyra (PDT), também abriu sindicância contra o deputado.
Lyra e o deputado Vital do Rego (PDT), procurador Parlamentar da Câmara, chegaram a elaborar o parecer que pedia a abertura de um processo disciplinar contra o deputado, que parou na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). Vital do Rego, que teve o mandato cassado pela ditadura em 1968, ainda levou a denúncia ao procurador-geral da República, Aristides Junqueira.
Em entrevista exclusiva ao Correio, o procurador parlamentar elencou os crimes do congressista e apontou estar decidido a não deixar o crime de Bolsonaro ficar impune. De acordo com Vital do Rego, o militar desrespeitou a Constituição, feriu a Lei de Segurança Nacional e pregou o separatismo.
O entrevistado ainda destacou a gravidade das falas: “Fora do período da ditadura, fora do regime obscurantista não tenho nenhuma notícia de um ato de tamanha violência contra as instituições democráticas e, particularmente, contra o Congresso.”
Vital do Rego ainda admitiu, com preocupação, que acreditava que Bolsonaro tinha adeptos. “Não acredito que ele seja desequilibrado, acho que ele está equilibrado por algum interesse”, afirmou.
Na época, o ex-presidente Bolsonaro parecia ciente da impunidade. Ao Correio, ele afirmou que não acreditava ter cometido crime e não temia a perda do mandato. “Exerci o meu direito de opinião e de expressão, que é inviolável”, argumentou Bolsonaro.
Ainda declarou: "Não existe retratação, nem uma vírgula de desmentido ou recuo”. A edição do Correio relembrou ainda a trajetória do capitão da reserva que, antes de deputado estadual pelo Rio de Janeiro, foi afastado do Exército após suposto plano para colocar bombas na Vila Militar em protesto por aumento de salário.
De lá para cá, foram 31 anos em que Bolsonaro teve uma atuação polêmica na política nacional. Em dezembro de 2024, o ex-presidente, que está inelegível, é investigado por tentativa de golpe de Estado. Entre as denúncias acumuladas pelo representante do Partido Liberal, estão organização criminosa, abolição violenta do Estado de Direito, peculato e lavagem de dinheiro.
Entre o primeiro mandato como deputado federal e a Presidência, Bolsonaro ainda teve o mandato ameaçado outras vezes. Uma delas foi em 1999, quando se declarou favorável à tortura e afirmou que daria um golpe no primeiro dia de mandato caso fosse eleito presidente. Nessa mesma entrevista, ele defendeu a instauração de uma guerra civil e a morte de “uns 30 mil”, além do "fuzilamento" do então presidente Fernando Henrique Cardoso. A Câmara enviou representação contra Bolsonaro na época, mas o processo acabou arquivado.
Guilherme Augusto Machado
Leonardo Guilherme Lourenço Moisés
Ana Dubeux
Edição: Mariana Niederauer, Roberto Fonseca, Lorena Pacheco, Pedro Grigori Ronayre Nunes, Samuel Calado, Talita de Souza e Thays Martins | Pesquisa: Francisco Lima Filho e Mauro Ribeiro | Mentoria: Julio Gomes Filho | Tecnologia: Guilherme Dantas, Patrick Lima e Vinícius Paixão
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