MEMÓRIA

Brasília boa de dançar: as boates que marcaram a história da capital

Relembre a história das boates pioneiras de Brasília, como a Piano Bar, Zoom e New Aquarius

A noite em Brasília já era agitada antes mesmo da inauguração da cidade. Nos anos 1960, o Piano Bar, do Brasília Palace Hotel, uma das primeiras casas noturnas candangas, era lugar de se ouvir Bossa Nova e MPB em geral. Por lá, passaram ícones da nossa música, como Tom Jobim, Cauby Peixoto, Vinicius de Moraes e Maysa. Depois, enquanto as boates internacionais estavam tomadas pela Era Disco, entre os anos 1970 e 1980, nas boates da jovem Brasília o ritmo dividia palco com a onda de rock nacional, que invadiu a capital e deu um toque pessoal ao clima da época. 

De lá para cá, muitas casas noturnas, shows, eventos e trilhas sonoras marcaram a cidade. “É tão difícil definir o brasiliense, nós sofremos influência de tantos lugares e estamos em constante evolução, então a constatação de uma época, em outra já mudou. Nos anos 1980 as pontes tocavam muito rock e pop vindos do punk, nos anos 1990 as bandas já eram mais ecléticas. Falar de Brasília é necessariamente falar de música, a cidade sempre esteve muito envolvida nisso, com as bandas, as festas e principalmente as boates”, comenta o promoter Paulinho Madrugada.

Arquivo Correio Braziliense -

“É tão difícil definir o brasiliense, nós sofremos influência de tantos lugares e estamos em constante evolução, então a constatação de uma época, em outra já mudou. Nos anos 1980 as pontes tocavam muito rock e pop vindos do punk, nos anos 1990 as bandas já eram mais ecléticas. Falar de Brasília é necessariamente falar de música, a cidade sempre esteve muito envolvida nisso, com as bandas, as festas e principalmente as boates”, comenta Paulinho Madrugada.

Luz, som e azaração

Arquivo Correio Braziliense -

O Centro Comercial Gilberto Salomão, no Lago Sul, foi inaugurado em 1967. Lá, várias casas noturnas foram abertas. Inclusive as boates pioneiras da cidade, nos anos 1970, sob a influência da disco music: Kako e Shalako. Os brasilienses viravam noites ao som de Diana Ross, Barry White, ABBA, Bee Gees e vários outros artistas de sucesso na época. Ainda havia um clima de rivalidade entre as duas casas noturnas, que tinham públicos fiéis e lutavam pelo posto de melhor das redondezas.

Porém, uma das mais conhecidas era a casa noturna Zoom, inaugurada em 1986, também no Gilberto Salomão. O espaço era organizado pelo promoter carioca Chico Recarey e por Marcio Salomão e sua festa de lançamento foi um dos principais eventos da época. A night contou com a presença de celebridades muito famosas da época, como o casal Pelé e Xuxa, Luiza Brunet e Roberta Close.

“A superlotação verificada na discoteca Zoom no seu primeiro final de semana de funcionamento veio, mais uma vez, comprovar que o brasiliense gosta de danças. E isso é ratificado, na mesma medida em que, mesmo com a inauguração dessa casa, as boates já estabelecidas na cidade mantiveram sua movimentação inalterada”, noticiou o Correio, em 18 de maio de 1986.

Arquivo CB/D.A Press -

“Lá antes era um cinema, conhecido como Cinespacial, quando fechou, eu era piloto de carro e, um amigo que corria comigo, que tinha um bar em São Paulo, me deu uma ideia de abrir algo em Brasília. Quando estava fazendo o projeto, apareceu um cara do Rio, viu e se interessou, era o Chico Recarey, que na época era conhecido como o rei da noite carioca, com várias casas noturnas. E ele estava expandindo a ideia da discoteca Zoom pelo Brasil, aí ficamos sócios”, comenta Márcio Salomão, hoje com 56 anos.

Além do espaço de boate, a casa também abrigava vários shows, bandas de rock e grupos de axé music, que começavam a ganhar espaço. “Nós contratamos um discotecário, que já tinha tocado na Europa e nos EUA. Ele foi nosso residente no primeiro ano e tocava de tudo”, acrescenta Salomão sobre a trilha sonora da casa.

“O momento mais tenso das baladas era a música lenta. O momento em que o DJ abaixava a luz, diminuía o ritmo das músicas e mudava o clima para um romance. Muita gente fugia e era o momento de chamar uma menina para dançar, ficar com medo do ‘não’. Mas também era ali que se formaram alguns casais”, relembra Madrugada. A Zoom fechou as portas no início dos anos 1990. 

Arquivo Pessoal -

Clima de Carnaval-Pop

“Em meio a aplausos, assovios, gritinhos, abraço e beijinhos, foi eleita na madrugada de ontem, na Boate New Aquarius, a Miss Brasília Gay de 80”, assim começa uma reportagem do Correio Braziliense, sobre a primeira boate gay da capital, que inspirou muitos brasilienses a assumirem sua orientação sexual. Inaugurada inicialmente como Aquarius, em 1974, tornou-se New Aquarius em 1979.

O espaço pioneiro foi criado pelo servidor do Banco Central Osvaldo Gessner e ficava no Setor de Diversão Sul (SDS), o Conic. Um dos pontos altos da New Aquarius eram os shows de travestis, transformistas e artistas diversos, virando point de celebridades, como Renato Russo e Cássia Eller.

Arquivo Correio Braziliense -

O universo musical da casa girava em torno da disco. O local recebeu diversas apresentações, entre elas o espetáculo “Hello Broadway”, que estreou em 1977. O show trazia performance de artistas transformistas interpretando e dublando músicas de grandes divas internacionais como Judy Garland, Marilyn Monroe, Doris Day, Shirley Bassey, Barbara Streisand, Diana Ross e Carmem Miranda. As artistas responsáveis pelas performances na época eram: Kiki, Maruse, Vitória, Rogéria, Suzy, Gau, Gina e Simone.

Uma matéria do Correio sobre o espetáculo, em 16 de agosto de 1977, mostra as artistas manifestam seu amor à performance. "'É maaaraavilhoooso.' – relata Maruse – 'É a minha realização. Interpretar estas mulheres famosíssimas, estas artistas mitológicas, me fascina. Me emociona. Quinta-feira e domingo são os dias que eu mais curto na semana, justamente, porque nesses dias eu recebo o aplauso, o assovio, o carinho do público, aqui na boate'”. O espetáculo ficou por meses em cartaz, atraindo multidões.

Além das apresentações, o espaço promovia concursos de miss. “O Miss Brasília Gay foi um dos eventos mais importantes na história da noite de Brasília. As concorrentes eram gays transformistas. Alguns já eram artistas da casa e outros se inscreveram para participar. O jurado era composto por artistas plásticos e cabeleireiros”, comenta Gessner. “Além do concurso de Miss realizamos outras atividades artísticas e culturais entre outras o concurso de Rainha do Carnaval, Melhor Fantasia de Luxo e Originalidade, Miss Simpatia, Mr Boy e também vários espetáculos musicais entre eles It s Hollywood 76 e 77."

Oswaldo, baiano que estudou teatro no Rio de Janeiro, chegou em Brasília em 1972 para trabalhar na criação da associação de servidores do BC. A Aquarius American Bar se tornou a Boate New Aquarius e, após a decadência da cultura disco, perdeu metade do seu espaço e passou a se chamar, em 2004, “Espaço Galleria”.

Muitas casas marcaram a cidade

Foram muitos os espaços que atenderam a juventude de Brasília. Nos anos 1980 surgiram as contemporâneas Machine, Nepenta e Sherezade, que existiram no Venâncio 2000 e no Torre Palace (no Setor Hoteleiro Norte). Em 1982, os festeiros migraram para a Corte Club Privé, uma espécie de Hipopotamus, a famosa boate de Ipanema, no Rio de Janeiro, instalada no subsolo do St. Paul Hotel (Setor Hoteleiro Sul).

O Café Cancun, inaugurado no fim dos anos 1990, durou mais de 15 anos, mas acabou encerrando as atividades em 2009. Outras casas noturnas de destaque foram: Canal Street (304 Sul), Nix (QI 9, Lago Sul), Frei Caneca Draft (Brasília Shopping) e Macadâmia (Setor de Clubes Sul).

As boates também fizeram sucesso fora do Plano Piloto, nos anos 1990 espaços como Capital Club, Planeta Rock e Delliriu’s fizeram sucesso no Pistão Sul. Todas com capacidade para mais de mil pessoas e tocando majoritariamente Rock e Dance.

Arquivo Pessoal -


CB-JOVEM

O que acontecia nas festas brasilienses sempre chegava às manchetes dos jornais. A coluna Transas do Correio Braziliense, escrita pelo colunista Ademir Pereira, contava tudo aos leitores fieis. “A transa da semana foi na festa Kako - Uma noite Qualquer de 1930 em um Cabaret, quase todo mundo, principalmente as moças vestidas dentro da moda da época”, iniciava uma coluna, em 1971.

O espaço social no jornal na época debatia relacionamentos, concursos de beleza e, principalmente, o que a juventude "aprontava" nas noitadas. Em dezembro de 1972, o colunista comenta que a discoteca passou a pedir ingresso para homens solteiros. “Por falar em Kako. Roberto resolveu impedir de vez o ingresso de rapazes desacompanhados. Uma excelente medida, por sinal, cujos resultados já se fizeram sentir.”

No ano seguinte, a comemoração do Réveillon foi em boates. “As primeiras transas do ano novo aconteceram no ‘reveillon’, que foi um dos mais animados dos últimos tempos. Nas boates New Shalako e Kako, uma loucura total com muita alegria.”

Arquivo CB/D.A Press -

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