A construção de Brasília é um dos grandes marcos da história do Brasil, não só por todo o seu desejo realizado, desde Dom Bosco em agosto de 1883, até a decisão de Juscelino de trazer a capital para o centro do país. Mas você sabia que uma grande parte da cidade também foi idealizada muito antes de se tornar realidade? O Lago Paranoá, que corta a cidade ao meio e que é um dos símbolos de Brasília, também foi pensado muito antes da capital.
Sabe-se que o idealizador foi o engenheiro, botânico e paisagista francês Auguste François Marie Glaziou, um dos membros da 2ª Comissão Cruls ocorrida de 1894 a 1895. Glaziou, já naquela época, sabia que o espaço no centro do que seria Brasília, seria ideal para um lago.
Oscar de Moraes Cordeiro Netto, da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília (UnB), conta que Glaziou foi o primeiro a entender que o local onde está o Lago Paranoá era ideal.
“A missão Cruls século XIX veio aqui para o Planalto Central e identificou essa área que hoje está o Distrito Federal, uma aérea até maior do que o DF, e nessa missão havia biólogos e geógrafos e já houve a identificação do Rio Paranoá, com esse nome inclusive, como um rio que teria características boas para ser represado, ou seja, de se construir uma barragem nesse Rio e de se formar um lago artificial", explica o professor.
A ideia era que o Lago ajudasse a amenizar o clima da região, que desde lá se sabia que passava por um longo período de chuvas, e a existência dele foi um dos fatores decisivos para a escolha do projeto urbanístico da capital. Lucio Costa cumpriu a exigência e chamou o lago de lagoa, no projeto.
Oscar ressalta ainda que em um projeto como esse foi necessário todo um trabalho de pesquisa e estudo e que já se pensava muito antes da transição da capital do Brasil para Brasília, de que dava para aproveitar o rio Paranoá para se construir uma barragem.
“A ideia era que ele fosse feito simplesmente pela construção de uma barragem, pela construção de um muro de grandes proporções que iria represar o rio Paranoá e já se até identificava onde que seria o melhor lugar", conta. "Existem regiões onde tem o estreitamento que você consegue fechar o rio e fazer o muro no rio usando a menor quantidade de muro. E já no lugar onde havia as corredeiras do rio Paranoá se estabeleceu que ali seria um bom lugar", complementa.
E o lago encheu!
A previsão e o desejo do presidente do Brasil Juscelino Kubitschek era de que o Lago estivesse cheio para a inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960. “Como inaugurar Brasília sem o lago tão amplamente anunciado e que, além do mais, seria a moldura líquida da cidade?”, teria dito o presidente do Brasil. Contudo, não foi tão simples assim.
A primeira vez que o Lago recebeu água foi ainda em 1959, em 12 de dezembro, aniversário de JK, com a inauguração da Barragem, entretanto, foi apenas oito meses depois que o Lago atingiu a famosa cota mil.
A história inundada pelo Lago
Ainda em 1959, muitas pessoas viviam no que depois se tornaria o Lago Paranoá. Cerca de 16 mil operários e suas famílias habitavam a chamada Vila Amaury, uma das histórias escondidas e “levadas” pelas águas do Paranoá.
O local foi criado por funcionário da Novacap, chamado Amaury Almeida, engenheiro que participava da obra de construção da capital do Brasil e os trabalhadores que ali moravam atuavam na construção de outros marcos da cidade, como o Congresso Nacional e vários edifícios de ministérios da Esplanada.
A vida dos operários era movimentada. Dos bares aos restaurantes, às lojas e um miniparque de diversões. Entretanto, sabia-se que o local era provisório.
Ao final de 1959, poucos meses antes da inauguração de Brasília, a construção da barragem do Lago Paranoá foi finalizada e era neste contexto que a população que vivia na Vila Amaury deveria deixar o local. Muitos resistiram e por lá permaneceram.
Foram oito meses até o Lago atingir a chamada “cota mil”. Enquanto não chegava ao seu potencial, as águas subiam lentamente e a população resistia em deixar o local, sem que tivessem outro oferecido para morar.
Muitas das famílias que lá moravam acabaram transferidas para Taguatinga, Gama e, principalmente, para Sobradinho, que foi construída justamente para abrigar esses moradores.
E assim, conforme o lago enchia, as casas, as ruas, os bares e todas as memórias ali vividas foram levadas pelas águas. Essa história segue submersa até os dias de hoje e atrai gente de vários cantos do mundo, entusiastas que mergulham ao fundo do lago para descobrir os segredos e relíquias da Vila Amaury.
Por entre as águas
Renato Guariba é um fotógrafo subaquático assíduo do Lago Paranoá. Entre a fauna e a flora fotografadas e filmadas por nas águas do Lago, os resquícios da Vila Amaury.
Ele conta que começou a mergulhar um pouco mais de um ano atrás e que as melhores histórias que tem sobre os mergulhos no lago passam pelas ruínas da Vila.
"Muita gente tem uma impressão errada de que o Lago é sujo, que no lago não se enxerga nada, que é muito escuro. Então a gente começou a retratar essa parte submersa do Lago Paranoá e esses encantos", conta.
Nas redes sociais, ele compartilha as imagens que conseguiu filmar no Paranoá, como peixes. Além disso, os detalhes contados por Renato são de que mais do que objetos pessoais podem ser vistos nas localidades de onde era a vila.
"Encontramos ruínas de casas e muito piso de concreto mesmo, como se fossem os pisos das casas. Já encontramos tubulação de esgoto, que dá para ver que é daquela época, e também uma cisterna lá embaixo", relata.
O fotógrafo conta ainda que no local é um ponto onde se acha muita vida marinha do lago, e considera uma experiência incrível a possibilidade de mergulhar por lá. "A gente conseguiu mostrar que a Vila Amaury não é uma lenda urbana. Ela existiu e tem uma história lá embaixo", finaliza.
Mergulho recreativo
Vale lembrar que o mergulho recreativo no lago é realizado mediante um curso de mergulho de escolas especializadas, de 5 a 10 aulas, e aos poucos vão treinando mergulhos mais básicos até os mais complexos.
O mergulho recreativo, como chamou Renato, é realizado também em, no mínimo, duas pessoas.
Qualidade da água
Claudia Padovesi Fonseca, professora do Departamento de Ecologia da UnB e doutora em engenharia ambiental, explica que, no começo, o lago tinha indicadores de qualidade da água bons, mas que isso não se manteve nos anos seguintes.
“Ele tinha tanto algas indicadoras de água de boa qualidade como também microcrustáceos. Só que, com o tempo, houve a entrada de materiais da bacia ao redor do lago e ele começou a ficar mais poluído. Chamamos essa forma de poluição de eutrofização, porque houve um aumento da concentração de nutrientes e, por conseguinte, o aumento da biomassa de algas indicadoras de poluição, como as cianobactérias", explica a professora.
Houve então o chamado "flush" que foi a saída da água do Lago, no fim dos anos 1998. Boa parte da biomassa de cianobactérias e nutrientes foram levados para fora do lago e, por isso, houve uma mudança de qualidade de água.
"Atualmente, ele está numa categoria intermediária de eutrofização, ele não está tão poluído, mas também existe alguma interface que sempre tem de ser monitorada", acentua Cláudia.
Já sobre a qualidade das águas para banho, a professora ressalta que boa parte dele é própria para banho, mas que é necessário cautela em algumas partes, como nas saídas das estações de tratamento de esgoto.
"Porque, por mais que tenham tido tratamentos excelentes, sempre há uma carga de nutrientes e um aumento da biomassa tanto de algas como também de plantas aquáticas", complementa a especialista.
O que permanece
Segundo o professor Pedro Palazzo, professor associado da Faculdade de Arquitetura da UnB, antes de o lago ser criado, havia uma natureza muito típica e parte dessa flora continua preservada. “Ainda tem pontos em que ela é relativamente preservada, principalmente onde desembocam os córregos no lago, onde as áreas de vegetação são relativamente pouco alteradas e a fauna também, porque os jacarés, as capivaras e as aves continuam a frequentar essa área”, conta.