Repensando as mudanças climáticas: as soluções sustentáveis podem revolucionar nossa maneira de abordá-la?

Correio Braziliense
postado em 10/01/2024 18:04 / atualizado em 10/01/2024 18:04
Andrey Melnichenko
Presidente do Comitê de Política Climática e Regulação de Carbono da União dos Empresários e Industrialistas da Rússia (RSPP) -  (crédito: Divulgação)
Andrey Melnichenko Presidente do Comitê de Política Climática e Regulação de Carbono da União dos Empresários e Industrialistas da Rússia (RSPP) - (crédito: Divulgação)

Andrey Melnichenko

A 28ª Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (COP-28) encerrou as atividades em Dubai. Os anfitriões da Conferência enfrentaram duas semanas desafiadoras. A COP deste ano foi muito importante, pois foram anunciados os primeiros resultados do Acordo de Paris de 2015. Infelizmente, as notícias não inspiraram otimismo, uma vez que as emissões globais de gases de efeito estufa continuaram aumentando, e o clima já aqueceu 1,1 graus desde a era pré-industrial, ultrapassando o limite acordado de 1,5 a 2 graus. A única conquista, até o momento, foi a desaceleração no crescimento anual da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, que estava em 2,1% no período de 2000 a 2009 e atualmente se encontra em 1,3%. Contudo, esta concentração já ultrapassou em 50% o nível pré-industrial.


A resolução final da COP28 reitera que os países desenvolvidos deveriam ter reduzido suas emissões entre 25 a 40 por cento abaixo dos níveis de 1990, algo que acabou não acontecendo. A resolução denota também, com certa preocupação, que existe uma lacuna no financiamento de adaptação que vem aumentando, e que os níveis atuais de financiamento climático, transferência e desenvolvimento de tecnologia, bem como a capacitação para esta adaptação, ainda permanecem insuficientes. Além disso, ressalta, também, que as necessidades de financiamento para a adaptação dos países em desenvolvimento têm um valor estimado de 215 a 387 bilhões de dólares anuais até 2030, e que cerca de 4,3 trilhões de dólares precisam ser investidos anualmente em energias limpas até 2030, valor que deverá ser aumentado para 5 trilhões de dólares anuais até 2050, para que as emissões líquidas possam ser zeradas até 2050.


Diante destas circunstâncias, o foco principal das discussões da COP28 foi sobre como acelerar a redução do consumo de combustíveis fósseis. No entanto, é essa realmente a questão principal que deveria conduzir a agenda das mudanças climáticas?


A principal hipótese científica levantada atribui o aquecimento global ao aumento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. As emissões totais anuais da superfície terrestre chegam a aproximadamente um valor equivalente a 860 gigatoneladas (Gt) em CO2. No entanto, muitas vezes existe uma omissão de que apenas 56 gigatoneladas dessas emissões estão relacionadas às atividades econômicas humanas (emissões antropogênicas). Ainda assim, estes 6% são o principal foco de atenção do Acordo de Paris, e as medidas para reduzir este valor incluem um distanciamento cada vez maior dos combustíveis fósseis, um desenvolvimento acelerado de energias renováveis, a eletrificação dos transportes e uma descarbonização industrial. O potencial destas ações, de acordo com o nível de tecnologia atual, não é infinito. São medidas que exigem recursos financeiros enormes e escassos, o que levaria muitos países a terem de abandonar seus modelos habituais de crescimento econômico. Esta é uma das razões pelas quais o Acordo de Paris enfrenta dificuldades para realizar um avanço significativo.


Se, apesar de todos os esforços, ainda estamos enfrentando dificuldades para reduzir as 56 gigatoneladas (Gt) de emissões geradas por atividades humanas, não faria sentido, claro, sem diminuir esses esforços, analisar mais de perto os restantes 94% das emissões geradas? Essas emissões advêm de elementos da natureza como, o solo, a decomposição de plantas, os incêndios florestais, os pântanos, os oceanos do mundo, e vários outros elementos. Além disso, devido ao aquecimento global, essas emissões têm aumentado, tornando ainda mais difícil alcançar as metas climáticas globais. Por exemplo, o aquecimento nas regiões Árticas origina um descongelamento incontrolável do pergelissolo, uma reserva natural gigantesca que contém de 1400 a 1800 gigatoneladas de carbono. As emissões de Metano e CO2 deste descongelamento podem adicionar o equivalente de 0,5 a 2 gigatoneladas de CO2 por ano, e, dependendo de determinados cenários, o pergelissolo pode acabar se tornando em uma bomba de metano, com emissões maiores do que aquelas produzidas por gases de efeito estufa.


É evidente que cada molécula de CO2 é igual. Elas possuem propriedades físicas idênticas, e isso inclui o seu impacto no efeito estufa, independentemente da fonte da molécula, seja ela emitida por uma usina de energia através de combustíveis fósseis, por um veículo a diesel, por emissões provenientes do descongelamento do pergelissolo ou pelos oceanos do mundo.


A humanidade pode influenciar estas emissões através de projetos que previnem emissões dos ecossistemas ou que melhoram a absorção de dióxido de carbono, conhecidos como Soluções Baseadas na Natureza (SBN). Devido a decepcionante velocidade de implementação do Acordo de Paris, o interesse nas Soluções Baseadas na Natureza (SBN) vem aumentando gradativamente.


A COP-28 em Dubai foi o momento que despertou o interesse por isto de forma mais tangível e organizada. Foram mais de 30 mesas-redondas e discussões sobre diferentes tópicos relacionados às Soluções Baseadas na Natureza (SBN), que culminaram em vários acordos assinados. Por exemplo, a Arábia Saudita, a França, o Fundo Global do Clima e o Fundo da OPEC criaram um novo centro de financiamento para a natureza catalítico, que se compromete a destinar 1 bilhão de dólares para Soluções Baseadas na Natureza na região da Ásia-Pacífico. Inúmeros projetos relevantes foram apresentados durante a conferência, incluindo um projeto climático de redução do descongelamento do pergelissolo no Ártico chamado "Pleistocene Park". Minha fundação patrocinou pesquisas científicas para este projeto visando demonstrar soluções naturais que permitem evitar emissões massivas de dióxido de carbono e metano provenientes do descongelamento do pergelissolo.


Até mesmo projetos de SBN com custos menores como, a melhoria da gestão florestal, a restauração de estepes e savanas, a prevenção de incêndios e o desenvolvimento ecológico tundra que permite desacelerar o descongelamento do pergelissolo, podem reduzir, segundo as estimativas do PNUMA, algo que equivale a valores entre 10 a 18 gigatoneladas de CO2 por ano, quase um terço de todas as emissões antropogênicas globais até 2050. O potencial da implementação de Soluções Baseadas na Natureza em terra e no oceano, juntamente com projetos de geoengenharia, podem ultrapassar o valor equivalente a 150 gigatoneladas em CO2 por ano, segundo os cálculos realizados pelos cientistas. Isto significa que o valor poderia ainda ser inúmeras vezes superior a todas as emissões produzidas pela humanidade.


Por que este enorme potencial para desacelerar o aumento da temperatura global não está sendo aproveitado? Projetos já estão sendo implementados no Brasil, na América Latina, na África, na China e em outros países. No entanto, as unidades de carbono obtidas a partir destes projetos só podem ser visualizadas em mercados voluntários de carbono, onde o preço varia de 0,5 a 8 dólares por tonelada em valores equivalentes em CO2, ou seja, são valores insuficientes para obter lucro. Existem mercados regulamentados de carbono que possuem cotas obrigatórias de compra, o maior deles sendo o Regime Comunitário de Licenças de Emissão da União Europeia, com preços que atingem até 100 dólares por tonelada. No entanto, os resultados de projetos naturais não são aceitos nesses mercados, pois são mercados, em sua maioria, monopolizados por fornecedores de tecnologia que preferem a descarbonização da energia e da indústria, o que acaba resultando em uma falta de regras estabelecidas e padronizadas para projetos climáticos naturais e um conhecimento insuficiente acerca do potencial destes projetos.


Se surgisse um mercado mais robusto, no qual resultados fundamentados de Soluções Baseadas na Natureza (SBN) fossem notoriamente reconhecidos por cumprir os compromissos climáticos, isso seria um estímulo enorme para que existisse uma implementação eficaz. Aparentemente, algo que poderia impulsionar este processo poderiam ser os países que pertencem ao BRICS+.

Andrey Melnichenko com Mohamed Nasheed, ex-presidente de Maldivas, secretário geraldo fórum de Vulnerabilidade Climática
Andrey Melnichenko com Mohamed Nasheed, ex-presidente de Maldivas, secretário geraldo fórum de Vulnerabilidade Climática (foto: Divulgação)

Apesar dos países BRICS+ serem responsáveis por 40% das emissões globais de gases de efeito estufa, eles também possuem o maior potencial em termos de ecossistemas naturais, uma vez que estamos falando de mais de 30% do território mundial e aproximadamente 40% das florestas globais. Este potencial proporciona aos países do BRICS+ a oportunidade de alcançar metas climáticas sem desacelerar o crescimento econômico ou abrir mão de seus recursos, para que isso aconteça, basta apenas gerenciar de forma ativa as emissões em elementos da natureza. Dentro do grupo BRICS+, estas emissões poderiam ser compensadas, uma vez que alguns países possuem recursos de combustíveis e energia (Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, África do Sul, Egito, Irã), enquanto outros (Brasil, Argentina, Etiópia) têm potencial para implementar projetos climáticos. Já a Rússia, a Índia e a China atuam em ambas as frentes.


No caso do Brasil, este processo tornou-se extremamente importante, tendo em conta que foi apresentada uma nova proposta legislativa no Congresso Nacional Brasileiro em setembro, que visa criar um sistema nacional de negociação de emissões. A proposta, apoiada pelo governo federal, criaria um sistema obrigatório de negociação de emissões (ETS) e poderia ajudar o país a alcançar suas metas de reduzir as emissões em 50% abaixo dos níveis de 2005 até 2030, desta forma a neutralidade climática seria atingida até 2050. O projeto também inclui disposições que permitem realizar a transferência de unidades de forma internacional conforme as disposições estabelecidas no Artigo 6 do Acordo de Paris.


Este tipo de desenvolvimento da legislação nacional do Brasil e de outros países do BRICS+, proporciona um momento único, onde esforços conjuntos podem atingir um nível extremamente diferente, caso os países membros do BRICS+ consigam convergir num espaço comum, onde existe uma partilha de resultados dos projetos climáticos. O primeiro passo a ser adotado, seria uma infraestrutura compartilhada que permita a implementação de projetos climáticos, incluindo a metodologia de avaliação de emissões, a verificação unificada de projetos e uma contabilidade dessa troca de projetos entre os países. O elemento central desta infraestrutura poderia ser o Registro Unificado de Unidades de Carbono dos países BRICS+. Uma decisão nesse sentido poderia ser tomada na cúpula dos países BRICS+ em 2024, em Kazan, na Rússia, e o Brasil poderia aderir a esta iniciativa. Embora a criação da infraestrutura demande um esforço considerável, ela acabaria estabelecendo a base para uma demanda real por unidades de carbono, incluindo aquelas que são provenientes de soluções naturais.

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