O transplante de coração do apresentador Fausto Silva, o Faustão, procedimento realizado no domingo, reverberou em várias frentes nos últimos dias. Se de um lado comprovou a destreza e a habilidade dos profissionais de saúde brasileiros, mostrou também facetas nem tão positivas dessa história.
Dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO) informam que quase metade das famílias entrevistadas — o que corresponde a 46% do total — se recusaram a doar órgãos de entes queridos falecidos. Com isso, cresce o número de pacientes nas filas à espera de um órgão, assim como o registro de transplantes no país segue baixo.
Atualmente, mais de 66.200 pessoas aguardam por um transplante no Brasil, o que obriga as autoridades a pensarem em novas formas de abordagem do tema, que, embora seja tão “espinhoso”, especialmente no momento da perda de um familiar, é tão urgente e necessário. Sabe-se que, em alguns casos, dependendo do órgão e do estado geral do paciente, o transplante somente é possível em até quatro horas após a morte do doador, a exemplo do pulmão e do coração. Em outros órgãos, como é o caso do rim, essa espera pode ser estendida a 24 horas.
A boa notícia é que a nova carteira de identidade permite que a pessoa se manifeste como doador, mas, por outro lado, a má notícia é que apenas nove dos 26 estados brasileiros e o Distrito Federal estão emitindo o documento. São eles: Acre, Alagoas, Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. E não para por aí. A segunda má notícia é que, mesmo com a nova carteira, é preciso que a pessoa se manifeste diante dos familiares sobre a intenção de doar os órgãos após sua morte. É que a família pode impedir a retirada e a doação dos órgãos e tecidos, o que, infelizmente, inviabiliza a possibilidade que os transplantes ocorram.
Partindo da premissa de que um adulto normal pode doar, potencialmente, dois rins, fígado, coração, válvulas cardíacas, dois pulmões, pâncreas, intestino, ossos, duas córneas, pele e medula, salvando ou aumentando a sobrevida de um grupo considerável de pessoas, é difícil conceber o motivo que leva à recusa familiar.
O mais triste disso tudo é que vidas se perdem nas longas filas, histórias terminam sem final feliz e a humanidade segue a vida normalmente, a menos que um ente querido dessa família que recusou a doação precise de um órgão. Aí tudo muda de figura.
Talvez se as equipes capacitadas para abordar as famílias no momento da perda do ente querido fossem mais assertivas, o número de transplantes cresceria. Ou se essas mesmas equipes fossem às escolas, às igrejas, às áreas centrais das cidades e fizessem uma divulgação efetiva, contando histórias de quem viveu graças a um doador, as estatísticas seriam melhores. Ou ainda se os centros de saúde especializados em transplantes existissem em maior número, espalhados qualitativa e quantitativamente pelas regiões do país, a realidade também seria outra. Enquanto isso, histórias tristes continuarão superando os finais felizes.
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