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Mão de obra especializada

Pesquisa da CNI aponta deficit de 75 mil engenheiros no mercado brasileiro

Com evasão nas universidades e escassez de profissionais qualificados, país enfrenta dificuldades em atender às demandas do setor. Especialistas indicam soluções para reverter esse cenário

O Brasil enfrenta uma crise na formação de novos engenheiros, com um deficit estimado de 75 mil profissionais, aponta a Confederação Nacional da Indústria (CNI). A lacuna revela não apenas a insuficiência de profissionais na área, mas também desafios estruturais e educacionais que limitam o ingresso e a permanência de jovens em cursos de engenharia.
Dados do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) mostram que o Brasil forma cerca de 40 mil engenheiros anualmente, enquanto países do BRICs, como Rússia e China, chegam a formar mais de 450 mil profissionais no mesmo período. Ainda, entre 2014 e 2021, o Brasil perdeu cerca de 150 mil estudantes matriculados em cursos de engenharia, conforme o levantamento da CNI. 
Essa evasão tem múltiplas causas, como destaca Marcos Gabriel Oliveira de Souza, 24 anos, estudante de engenharia mecatrônica na Universidade de Brasília (UnB). “99% dos meus colegas deixam de ser engenheiros para se tornarem programadores ou buscam concursos públicos em áreas fora da engenharia. É mais fácil e recompensador a curto prazo. Trabalhar como engenheiro exige muita obstinação ou, muitas vezes, o ‘caminho das pedras’, como ter familiares na área para facilitar o acesso ao mercado.” 
A professora Michelly de Souza, titular do Departamento de Engenharia Elétrica e vice-reitora de Extensão e Atividades Comunitárias da Fundação Inaciana Pe. Saboia de Medeiros (FEI), aponta para a crise econômica vivida pelo Brasil entre 2014 e 2021. “A redução de investimentos em infraestrutura e em desenvolvimento tecnológico gerou incertezas quanto às perspectivas de carreira, levando os jovens a optarem por cursos com maior previsibilidade de empregabilidade no curto prazo.” 
Arquivo pessoal - Michelly de Sousa, professora do FEI: "Mais que uma profissão, a engenharia permite construir um futuro melhor para todos"
Além disso, as deficiências no ensino básico em ciências exatas comprometem a preparação de futuros engenheiros. “Inicialmente, o interesse da criança e do jovem precisa ser despertado de forma lúdica, aguçando a curiosidade e o interesse em resolver problemas reais. O direcionamento diferente deve ser com foco no propósito, e não nos meios para alcançá-lo”, destaca Michelly. 

Atração de jovens 

Para tornar a engenharia mais atrativa, especialistas defendem uma abordagem integrada entre governo, instituições de ensino e empresas. A ampliação de programas de bolsas de estudo, financiamento estudantil e incentivos fiscais para empresas que investem em programas de estágio são algumas das medidas propostas. 
A superintendente nacional de Operações e Atendimento do Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee), Mônica Vargas, destaca que a agência administra cerca de 9,3 mil estagiários de engenharia em todo o país. Contudo, para ampliar esse número, o Ciee tem apostado em ações de incentivo desde o ensino médio. 
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“Temos empenhado esforços para participar de movimentos e realizar parcerias que possam despertar o interesse do estudante do ensino médio pelas exatas. Um exemplo dessa aproximação é o movimento com a faculdades Poli-USP, FEI, Mackenzie e Mauá, todas em São Paulo. Entendemos que, ao passo desse incentivo, alguns estudantes podem optar por carreiras nas áreas de matemática, tecnologia, engenharia e correlatas”, explica Mônica. 

Apesar dos esforços, a superintendente reconhece que muitos jovens ainda se afastam da engenharia devido à falta de afinidade com matemática e ao desconhecimento das múltiplas oportunidades oferecidas pela profissão. “O que precisamos é tornar a aprendizagem da área de exatas mais atraente para os estudantes do ensino médio e, como um efeito cascata, aumentar o número de ingressos e conclusões nos cursos de engenharia. Estamos falando de um processo a médio e longo prazo, por isso é necessário começar o quanto antes”, afirma. 

Mudança curricular 

Para reverter o cenário desanimador da formação em engenharia no Brasil, Marcos Gabriel defende uma reforma curricular que priorize a prática das atividades. “Temos muitas matérias experimentais, que são matérias antigas, com experimentos antigos, e as aplicações práticas que passam para nós são inúteis na vida real. Não vemos como é a engenharia, de fato, na prática”, relata o estudante da UnB, que também destaca o mau aproveitamento dos estagiários pelas empresas, muitas vezes, utilizados apenas como “alguém para formatar documentos”. 
A professora Michelly de Souza destaca que a abordagem sugerida por Marcos Gabriel não apenas reforça o vínculo entre a teoria e a prática, como também instigam a curiosidade e o interesse daqueles que estão escolhendo qual curso fazer. “Para que os jovens compreendam essa nova visão da engenharia, é importante oferecer a eles experiências práticas. Incentivar a participação em projetos de pesquisa desde cedo também estimula a curiosidade e o desenvolvimento de habilidades científicas”, diz. 

Estratégias de retenção 

Reinaldo Canato - Mônica Vargas, superintendente do Ciee: "Precisamos despertar o interesse pelas exatas ainda no ensino médio"
Entre as especializações mais demandadas atualmente, estão engenharia civil, produção, mecânica, computação e elétrica, de acordo com o Ciee. A média de bolsa-auxílio para estagiários nas áreas é de R$ 1.146, acima da média nacional, de R$ 1.108. 
Mônica enfatiza que aumentar a oferta de estágios é uma solução para mitigar o deficit de profissionais. “As empresas precisam abrir mais vagas para cursos de engenharia. Durante o estágio, temos a oportunidade de preparar esse jovem para o mercado, aumentando as chances de retenção após a graduação”, afirma a superintendente. 
Para Michelly, a retenção de estudantes passa pela criação de um ambiente universitário mais acolhedor, com suporte psicológico e atividades extracurriculares. “É comum que os alunos de engenharia enfrentem dificuldades nas disciplinas fundamentais, especialmente, nos primeiros semestres, o que pode levar à evasão. Ao proporcionar um ambiente de aprendizagem favorável, com salas de estudo adequadas e recursos tecnológicos, adotando metodologias ativas e oferecendo laboratório equipados com as mais recentes tecnologias, buscamos estimular o engajamento dos alunos, cultivar a resiliência e facilitar a superação dos desafios iniciais”, enumera. 
Impactos na sociedade Além de enfrentar dificuldades acadêmicas e financeiras, os futuros engenheiros lidam com a desvalorização profissional. “No Brasil, os engenheiros são valorizados apenas quando trabalham para multinacionais ou ocupam altos cargos no setor público. Fora isso, as empresas sempre encontram formas de não pagar o piso da categoria, que, no Distrito Federal, é de aproximadamente R$ 7 mil. Muitos engenheiros ganham menos que técnicos com o mesmo nível de experiência”, afirma Marcos Gabriel. 
A falta de engenheiros impacta diretamente setores cruciais, como a expansão da infraestrutura e o avanço tecnológico. Além disso, a escassez compromete a competitividade do Brasil em relação a outros países que investem em pesquisa e inovação. Segundo Michelly, a carência de profissionais qualificados resulta em atrasos em obras, dificuldade na adoção de tecnologias inovadoras e perda de competitividade no cenário global.” 
Diante desse cenário, a especialista acredita que a comunicação desses impactos aos jovens é essencial para atrair novos talentos e reverter a situação. “É preciso mostrar, para uma geração que busca carreiras com propósito, que a engenharia pode contribuir para um futuro mais sustentável e justo, através do desenvolvimento de tecnologias limpas, da otimização de recursos naturais e da criação de soluções para problemas sociais”, conclui a docente. 
*Estagiário sob a supervisão de Marina Rodrigues