postado em 08/12/2024 06:00 / atualizado em 08/12/2024 06:00
Flávio Henrique Vilela da Silva, professor de matemática: "Além da capacidade de lecionar não ser avaliada, são cobrados assuntos da faculdade, como cálculo I e II" - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
O instituto Todos Pela Educação divulgou um estudo em novembro revelando que os concursos públicos para selecionar professores da educação básica no Brasil têm dado pouca ênfase à avaliação da capacidade de ensinar. São apenas 3% das questões de provas que avaliam o conhecimento pedagógico de conteúdo, que são essenciais para a prática docente por analisarem a aplicação do conteúdo em sala de aula.
Os resultados também evidenciam que a maioria das redes aplicam exames com questões objetivas, discursivas e de títulos como instrumento de seleção. Apenas quatro redes estaduais e cinco municipais incluem provas práticas, que consistem na elaboração de planos e demonstrações de aulas e outros instrumentos capazes de avaliar as competências dos professores.
Quando se observa a composição das provas objetivas, questões que exploram temáticas relacionadas a aspectos teóricos das disciplina,s predominam nas redes estaduais (66%) e municipais (70,2%). A análise também identificou outros temas cobrados nas provas objetivas, como conhecimento pedagógico (17%), legislação (6% a 9%); diversidade e inclusão (2% a 3%); história e geografia locais (3% nas redes estaduais).
O levantamento analisou os concursos públicos mais recentes voltados para professores dos anos finais do ensino fundamental nas disciplinas de língua portuguesa e matemática, em 23 estados e 19 municípios das capitais. Foram examinadas 76 provas de diferentes bancas e cerca de cinco mil questões objetivas.
Deficit
Segundo Natália Fregonesi, coordenadora de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação, os resultados evidenciam que as redes de ensino não conseguem avaliar, nos concursos públicos, as habilidades que um professor precisa ter para dar uma boa aula. “Não é possível nem dizer quais são os principais desafios para os professores ensinarem, já que isso não é avaliado”, pontua.
A coautora do estudo também acredita na importância de outras ferramentas de ensino além do domínio do conteúdo. “É ainda mais central saber utilizar diversas metodologias estratégicas para conseguir mobilizar os diferentes saberes dos estudantes e ensiná-los esses conteúdos.”
A pedagoga Izabella Moreira de Sousa Cruz, 25 anos,estuda para as seleções de professor sob contratos temporário e efetivo em pedagogia. Ela defende que a falta de uma avaliação prática é um obstáculo para a formação dos professores. Ela conta que “já trabalhou com vários profissionais de educação e não existe só a avaliação teórica, falta saber se o professor sabe a didática”.
Além disso, a estrutura da prova leva os professores escolhidos a chegarem na secretaria sem experiência na carreira, sendo necessária a capacitação. “Quando eu entrei na secretaria, eu tinha experiência, porque eu fiz estágios remunerados, mas tem gente que não tem e precisa de total atenção da secretaria. Então, a falta da capacitação é um dos principais defeitos que só os efetivos têm”, explica.
Lacunas
O professor de matemática Flávio Henrique Vilela da Silva, 47 anos, tem mais de cinco anos de carreira na educação pública. No momento, ele trabalha sob regime de contrato temporário e está estudando para o concurso de professor de contrato efetivo.
Em relação a essas provas, ele acredita que outro desafio são os conteúdos cobrados nas provas. “Além da capacidade de lecionar não ser avaliada, tem algo que, para mim, não é interessante, que é cobrar assuntos da faculdade, como cálculo I e II, por exemplo, porque são provas específicas não para o ensino superior, e sim para o ensino médio e fundamental.”
Flávio também cita outra problemática na seleção dos professores de matemática, que é falta de profissionais formados na área. “O edital permite que engenheiros possam dar aulas de física, matemática e química sob algumas condições porque, hoje em dia, as faculdades estão formando poucos profissionais, geralmente, de 30 alunos que ingressam no curso, apenas quatro se formam”, relata.
Escassez no DF
Em relação aos concursos públicos no Distrito Federal, existe um desafio a mais: a falta de certames. A Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEE-DF) revela que o último concurso público para professores foi em 2022, por meio de um certame realizado pela banca Instituto Quadrix.
Nesse contexto, Izabella acredita que isso prejudica os professores que estão se preparando para os certames. “O maior desafio nosso é abrir concurso, porque se fosse algo recorrente, não teríamos essa dificuldade toda para entrar no concurso público aqui, principalmente, como professor”.
“Atualmente, a Secretaria desenvolve uma pesquisa para identificar formas mais eficazes de avaliar as habilidades didáticas dos candidatos, com o objetivo de aprimorar o processo seletivo para o próximo concurso.
Além de analisar a inclusão de uma etapa prática no edital, que possibilite a avaliação das competências pedagógicas e da capacidade de ministrar aulas, garantindo a qualidade do ensino oferecido aos estudantes”, diz a SEE-DF em nota.
Soluções
Em 24 de novembro deste ano, o Ministério da Educação (MEC) anunciou uma medida preliminar que cria uma prova nacional única para seleção de professores para escolas públicas de todo o Brasil. O processo seletivo faz parte de ações para valorizar os profissionais da educação básica e incentivar que jovens busquem a carreira docente, mas ainda sem definição de cronograma.
Natália Fregonesi acredita que uma revisão das questões avaliativas pode ser um primeiro passo para melhorar o cenário atual da seleção de professores. “É possível criar um grupo de especialistas que esteja focado na construção de boas questões que consigam, de fato, avaliar as competências docentes mais importantes, o que tornaria o processo menos complexo. Uma vez que é mais fácil produzir uma boa prova com 50 itens do que elaborar cinco mil provas diferentes (sem tanta eficácia).”
A especialista acrescenta que a política pode ser positiva para o orçamento das redes de educação que aderirem ao exame. “Elas vão poder economizar recursos com a primeira fase do concurso, e investir na criação de uma etapa de avaliação prática dos professores, como demonstração de aulas, por exemplo, que é um instrumento importante para medir as habilidades do professor de ensino para uma boa aula”, explica.
Márcia Gilda Moreira Cosme, diretora do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) e professora da SEEDF, acrescenta a importância da valorização da carreira do magistério para a garantir a permanência desses profissionais. “As metas de valorização da carreira do magistério e de investimento na educação pública é um universo que precisa ser pensado para além do acesso de profissionais da carreira magistério, porque quando estivermos em um trabalho valorizado, com espaço e material adequados, teremos a garantia de que os profissionais terão acesso e permanência na carreira.”
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