postado em 22/12/2024 06:00 / atualizado em 22/12/2024 06:00
Presépios, pisca-piscas e demais ornamentos anunciam a chegada do momento mais fraterno do ano: o Natal. Junto às decorações, estão os papais-noéis, figuras carimbadas que, anualmente, marcam presença nos shoppings para abrilhantar as festividades de fim de ano.
Levando abraços e palavras de conforto e solidariedade, trabalhar como Bom Velhinho é mais do que um papel. Além de uma oportunidade de trabalho temporário, para muitos, é o momento de se conectar com o público e contagiar entusiastas de todas as idades com a magia do Natal.
No Distrito Federal, profissionais contam ao Correio suas experiências como Noel em diversos shoppings, detalhando requisitos, diferenciais, vivências, pedidos inusitados e aventuras natalinas na capital.
Lidando com realidades — João Batista de Oliveira Neto, 76
João Batista de Oliveira Neto, 76 anos, mudou-se com a família para a capital federal em 1958. Desde que se aposentou, João acumulou passagens por diversos shoppings ao longo de seus 14 anos como Papai Noel. Ele conta que sua carreira começou na vizinhança, entre amigos e familiares. “Eu comecei a me vestir para entregar presentes para filhos e amigos vizinhos”. Logo depois, recebeu uma proposta para trabalhar no Lago Sul, na portaria de uma loja de garagem que comercializa seminovos, de 2011 a 2014, e de lá para cá deslanchou: conheci muitas pessoas que me convidaram para trabalhar como Noel”, afirma.
A relação de João com as crianças é de bastante entusiasmo e carinho. Ele diz que recebe diversos pedidos que o sensibilizam e, às vezes, não sabe como responder a alguns feitos pelos pequenos. “O que mais me comoveu foi uma menina pedindo um pai, porque tinham matado o pai dela três dias antes do Natal. Isso foi em Águas Lindas. Era uma menina de, mais ou menos, 9 anos. Eu perguntei o que era, mas ela não falava. Aí a mãe dela disse que ela não estava se abrindo porque havia perdido o pai”, relata. Outro pedido também o emocionou. “A menina veio chorando pedindo alimentação, porque não tinha nada para comer. Ela também não ia para o colégio porque não tinha nem calçado. Estava praticamente descalça, com um chinelinho bem usado nos pés. Naquela hora, se eu pudesse ter levantado, pelo menos, para comprar uma sandália para ela, eu teria levantado, mas a gente não pode na hora”, diz.
Para ele, o ofício de Noel e a convivência com as crianças lhe deixam num estado pleno de gratidão. “Eu me sinto muito alegre, muito feliz, é uma coisa que faço por amor. O que eu puder fazer para alegrar as crianças, eu gosto. Em geral, me identifico muito trabalhando nessa área. Hoje em dia, para mim, se eu faltar um ano, sinto que perdi alguma coisa. Aqui, eu termino o ano com o astral muito alto”, celebra.
Quando o mineiro finaliza seu trabalho no Pátio Brasil, ainda lhe sobram mais algumas tarefas. Na noite do dia 24, ele sempre vai de residência em residência para levar o encanto do Natal. “Quando eu terminar aqui no dia 24, vou trabalhar nas casas. A gente fica cerca de 30 minutos com eles. Às vezes, eu chego em casa 1h ou 2h na noite de Natal. Eu chego, fico alegre e continuo com o mesmo espírito natalino junto com a família. Não sei nem falar se me sinto melhor quando começo ou quando termino (o trabalho). Porque, para mim, tudo é muito bom”, diz, satisfeito.
Muito além de um figurino — Marcelo de Assis Cândido, 58 anos
Marcelo de Assis Cândido, 58, trabalha como Papai Noel há oito anos. Natural de Brasília, trabalhou no Correio Braziliense como diagramador e programador gráfico. Sua trajetória natalina começou em 2016, quando recebeu a oportunidade de trabalhar no Barra Shopping, no Mato Grosso. “Eu sempre tive uma aproximação muito grande com as crianças, isso facilitou muito. Eu nunca fui muito fã de fazer barba, aí ela cresceu, foi ficando branca e apareceu a oportunidade em Barra do Garças, quando eu superei o nervosismo e fui”, diz. De volta ao Distrito Federal em 2019, Marcelo foi contratado por uma agência, e há quatro anos dá a cara e o tom da festa natalina do Boulevard Shopping.
O público que se aproxima do Bom Velhinho pedindo fotos e desejos é diverso. De crianças, adultos a idosos, todos procuram registrar momentos de felicidade ao lado do Papai Noel. Mas entre as inúmeras visitas, uma em especial tocou Marcelo profundamente. “No ano passado, eu estava aqui sentado e vi uma senhora vindo pelo corredor. Ela estava um pouco maltrapilha ao lado de um rapaz arrumado. Aí eu levantei do trono e a chamei para conversar. Ela ficou meio receosa, mas veio. Aí eu perguntei se estava tudo bem, porque ela estava com uma expressão triste. Ela me explicou que estava com uma depressão muito forte, que há 15 dias que não saía do quarto, e que o neto dela, que era o rapaz que estava com ela, insistiu muito para que ela viesse.”
Após conversar com a idosa, ele conta que conseguiu ajudá-la emocionalmente, provando que a função de Papai Noel está muito além de ser apenas um figurino. “Eu comecei a conversar com ela. Falei para ela sobre as maravilhas da vida. Falei que viver é bom demais, que o céu é lindo e que Deus é perfeito na vida dela. Eu falei que queria vê-la no outro dia aqui arrumada, para ela comprar umas roupas, uma sandália bonita, fazer as unhas, arrumar o cabelo e vir aqui me ver. Ela me abraçou, chorou comigo e foi um espetáculo. Depois de dois dias, essa senhora apareceu aqui e eu nem a reconheci. Ela falou que conseguiu sair daquele estado de depressão. ‘Você conversou comigo, abriu meus olhos e me aconselhou. Agora, posso dizer que aquela pessoa que estava aqui anteontem não é essa pessoa de hoje. Muito obrigada, Noel’. E eu falei: eu te amo”, recorda, emocionado.
Para ser um Papai Noel profissional, Marcelo elencou algumas características fundamentais: “ter um coração aberto, saber sentir o sentimento das pessoas e aproximar quando você vir que aquela pessoa está precisando de um abraço. Dê um abraço bem forte. Você vê a criança chegar triste, conversar com você e sair feliz da vida. Isso é muito bom. Isso sim é a realização do Papai Noel!”, diz.
Naturalidade é a chave — Carlos Matias da Silva
Trabalhando como Papai Noel no JK Shopping desde 2015, Carlos Matias da Silva conta que prefere não revelar a idade, e brinca dizendo que prefere “deixar (os números) na imaginação”. Ele toma essa decisão para manter a imagem diante das crianças, porque “se começarem a ter muito acesso a informações pessoais, acaba com a magia”, defende.
Mesmo estando na pele do Bom Velhinho além do horário comercial, das 10h às 22h, ele encara o trabalho de Papai Noel de forma leve, como um personagem que ele performa. “Não precisei de grande estudo, montagem ou preparação. Quando recebemos a criança, parece que a dinâmica já ocorre, então não tem por que ficar ensaiando, pode prejudicar tudo que já é bem natural”, descreve. Para Carlos, carinho e amor são aspectos importantes que aconselha para quem faz o Papai Noel.
A magia é outro aspecto que torna a experiência mais especial que outros empregos, inclusive, que sua outra ocupação. “Entre os dois trabalhos, o que diferencia é o imaginário da fantasia com o real. Mas se você conseguir conciliar esses dois mundos, a magia consegue viver no mundo real”, acredita.
Sobre a vontade de ser o Papai Noel para sempre, Carlos diz que “enquanto Deus der estabilidade e vigor físico, gostaria de ser”, gargalha.
Oportunidade temporária
Pedidos do coração — Abílio da Cruz Pinto, 81
Abílio da Cruz Pinto, 81, é natural do interior de São Paulo. Ex-eletricista, tem uma longa experiência como Noel: são 30 anos vestindo os tradicionais gorro e capa vermelha. Sua primeira oportunidade na profissão remonta aos anos 90, quando fez o papel do Bom Velhinho em uma loja. “Eu estava fazendo um serviço para um rapaz que iria montar uma loja de material de construção. Aí falei para ele que eu tinha vontade de me vestir de Papai Noel. Isso foi em 1994. Aí ele falou: ‘Pois então você vai se vestir. Eu vou comprar o tecido e você manda fazer a roupa. Você vai se vestir e ficar na loja comigo’. E eu fiquei dois anos na loja de construção nessa experiência com ele”, conta.
Sua primeira chance de trabalhar em um shopping surgiu em 1996, quando foi chamado para o ParkShopping, onde permaneceu até 2003. A partir daquele ano, Abílio trabalhou em outros locais, retornando ao ParkShopping em 2014, onde está até hoje. “É muito gratificante, eu estou há todo esse tempo porque gosto do que faço”, afirma.
Abílio lembra com emoção os pedidos que mais o marcaram. Os pedidos são muitos e destacam a inocência e bondade que residem no coração das crianças. “Tem muitas coisas. Algumas crianças se acomodam em meu colo pedindo paz em casa, falando que quer o pai que está preso de volta. Uma vez, uma criança sentou no meu colo e pediu: ‘Papai Noel, eu não quero presente. Eu quero um rim de transplante, porque os meus dias estão contados”, compartilha.
Para Abílio, que vai do Valparaíso ao ParkShopping para trabalhar de domingo a domingo, lidar com as crianças é gratificante. “Eu adoro. É a coisa que eu mais adoro, é um dom que Deus me deu no final da vida, porque eu me aposentei com 65 anos. Eu me aposentei e parei de mexer com obra. Mas nesse serviço, enquanto eu tiver saúde, quero trabalhar. O essencial é gostar do que faz, gostar de criança e respeitar o público.”
Sorrisos de felicidade —Pedro Marcos Vilas Boas, 60
Pedro Marcos Vilas Boas, 60, é um militar aposentado que trabalha como Papai Noel desde 2012. Após se aposentar do militarismo, a necessidade de cortar a barba havia sumido. Experimentando o novo visual por um tempo, uma vizinha do ramo de eventos o indicou para trabalhar como Noel. Segundo Pedro, tudo ocorreu de forma inesperada. “Eu cheguei a fazer entrevista com um pessoal queria me contratar, mas achava que estava muito recente, e não quis. Eu queria descansar um pouco, refletir e ver o que iria fazer. Depois, eles entraram em contato comigo novamente e eu fui. Então, de 2012 para cá, foi desse jeito”, relata o profissional.
Entre os momentos mais marcantes para o Bom Velhinho, tem um que ocupa lugar especial em sua memória. “Tem muitas situações que marcam, mas o momento que eu não esqueço foi a primeira vez, quando uma criança de 9 anos veio falar comigo. Quando eu perguntei qual presente queria, ela falou que não queria presente, e sim que a mamãe, que estava doente, saísse do hospital. Então, ela queria a saúde da mãe. Isso me marcou demais, porque você não tem uma resposta para uma situação dessa. Você não se prepara para isso, então é muito difícil”, afirma.
Ao ser contratado, Pedro diz ter recebido um treinamento em que foi ensinado sobre o que podia ou não fazer. “Por exemplo, você não pode pegar criança no colo de qualquer jeito, você não pode pôr adulto no colo de qualquer jeito. Então me ensinaram o básico. No dia a dia, você vai se aperfeiçoando”. Além disso, Pedro teve de se adaptar às exigências da função, que requer um comportamento mais espontâneo e extrovertido. “Você tem que brincar, ser carismático, tem que sorrir bastante, então essa foi uma das minhas das minhas dificuldades. Porque em toda a vida eu tirei foto, mas nunca consegui sorrir, eu era muito difícil. E agora não, tem que sorrir e demonstrar a felicidade. Não é só sorrir para mostrar os dentes, mas mostrar que está feliz também”, pontua.
Além da personalidade divertida, manter o figurino também é importante, ainda mais a barba, considerada a principal característica do Noel. “Primeiro, manter a barba original. Porque, lógico, cada lugar que se trabalha tem regras, mas a barba original é muito mais valorizada. Então, tendo barba original, você já tem um bom passo para a função. Eu, particularmente, levo uma média de 15-20 minutos para ficar pronto. Mas eu conheço Noéis que levam mais tempo e outros, menos. De acordo com a experiência que você tem, você vai ser mais rápido ou mais lento”, explica.
Pedro está no Taguatinga Shopping de domingo a domingo, das 10h às 22h. Todos os dias, o Bom Velinho percorre o longo trajeto do Gama até Taguatinga Sul. A motivação? Levar alegria aos outros. “O que me motiva é a alegria que você vê na criança, porque a criança é muito verdadeira. Se ela gosta, ela vem, abraça, brinca, ri. Se ela não gosta ou tem medo, ela chora e pronto. E tem as diferenças, porque você vê crianças boas, saudáveis e algumas não tão boas, com alguns problemas, e você trata todas igualmente. O carinho e o afeto que elas passam é impagável. Às vezes, você chega aqui e não está tão feliz, mas quando uma criança vem, te abraça, pede um presente, você ganha o dia e fica imensamente feliz. Que todos tenham um Natal muito feliz, com muita saúde, paz, e que tenham vida longa!
Colaborou Lara Costa* *Estagiário sob a supervisão de Marina Rodrigues