Coluna Saber

"Chefe de felicidade": conheça a nova tendência de grandes empresas

Marcas como Heineken, Chilli Beans e Ambev estão testando o cargo, cuja responsabilidade é desenvolver estratégias para a motivação e a saúde emocional dos trabalhadores

Ana Machado
postado em 01/12/2024 06:00 / atualizado em 01/12/2024 06:00
Diretor de felicidade: tendência passageira ou evolução no modelo de gestão de pessoas?
 -  (crédito: Maurenilson Freire)
Diretor de felicidade: tendência passageira ou evolução no modelo de gestão de pessoas? - (crédito: Maurenilson Freire)

Recentemente, uma tendência tem se consolidado em grandes empresas: a criação do cargo de chief happiness officer (CHO), ou, em tradução livre, diretor de felicidade. A ideia é simples à primeira vista: ter uma pessoa dedicada exclusivamente a promover o bem-estar e a satisfação dos colaboradores, garantindo que o ambiente de trabalho seja mais leve, produtivo e agradável. No entanto, embora a iniciativa pareça louvável, surge a pergunta: até que ponto a criação de cargos dessa natureza realmente contribui para a melhoria das condições de trabalho, ou se trata apenas de uma estratégia de marketing corporativo?

Empresas como Heineken, Chilli Beans e Ambev estão adotando esse cargo, atribuindo ao diretor de felicidade a responsabilidade de desenvolver estratégias para o engajamento, a motivação e a saúde emocional dos colaboradores. O conceito, inspirado em práticas do setor de recursos humanos, busca responder a uma crescente demanda por ambientes de trabalho mais humanizados, onde o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional seja mais valorizado.

Porém, a proposta de um diretor de felicidade, embora bem-intencionada, levanta uma série de questões que merecem reflexão. A primeira delas é: a felicidade no trabalho pode, de fato, ser "gerida" de cima para baixo? Ou será que, na verdade, esse cargo se torna mais um instrumento para a retórica corporativa, sem substância real na transformação do ambiente de trabalho?

É inegável que empresas que adotam o cargo de diretor de felicidade estão mostrando uma imagem mais preocupada com o bem-estar de seus colaboradores. No entanto, é preciso tomar cuidado para que essas iniciativas não sejam usadas majoritariamente como uma forma de divulgação da marca empregadora, em vez de promover uma mudança genuína na cultura organizacional.

Afinal, a felicidade no trabalho não pode ser reduzida a eventos pontuais, como happy hours ou sessões de yoga no escritório. Para que os colaboradores realmente se sintam satisfeitos, é preciso que haja mudanças estruturais nas práticas de gestão, no respeito aos direitos dos colaboradores e, principalmente, na maneira como as lideranças se relacionam com as equipes.

Em muitas empresas, a pressão por resultados continua a ser a principal prioridade, com metas muito arrojadas e jornadas de trabalho extenuantes. Nesse contexto, o trabalho de um diretor de felicidade pode acabar se tornando uma função simbólica, sem poder real para transformar a realidade do ambiente corporativo. Afinal, de que adianta um "chefe da felicidade" se a carga de trabalho continua insustentável ou se a cultura organizacional permanece tóxica?

Outro ponto crítico dessa tendência é a noção de que a felicidade no trabalho possa ser comprada ou fabricada por meio de eventos corporativos. Organizar festas, oferecer benefícios, como massagens ou criar espaços de lazer pode até ajudar a aliviar o estresse momentaneamente, mas esses são apenas paliativos. A verdadeira felicidade no trabalho depende de fatores mais profundos, como reconhecimento justo, autonomia, oportunidades de crescimento e, claro, um ambiente de respeito e inclusão. A felicidade no trabalho está intimamente ligada ao propósito do colaborador, à sensação de pertencimento e à qualidade das relações interpessoais dentro da organização.

Um estudo da Gallup, por exemplo, apontou que o engajamento dos funcionários não está relacionado a benefícios superficiais, mas, sim, à percepção de que o trabalho que fazem tem valor, e que são reconhecidos por isso. Nesse sentido, a criação de um cargo de diretor de felicidade sem um compromisso com esses valores mais profundos pode ser vista como uma forma de desviar o foco dos problemas estruturais de uma empresa, como a falta de transparência nas decisões ou a escassez de oportunidades de crescimento.

O cargo de diretor de felicidade tem, sem dúvida, um grande potencial para trazer melhorias significativas para o ambiente de trabalho, se adotado de maneira séria e alinhada com as necessidades reais dos colaboradores. Porém, é preciso ter cuidado para que esse papel não seja diluído em ações superficiais ou meramente publicitárias. Em última análise, a verdadeira felicidade no trabalho surge de uma cultura organizacional que valorize o ser humano em sua totalidade, e não apenas de iniciativas isoladas que buscam, no fim das contas, melhorar a imagem da empresa.

A questão permanece: até que ponto as empresas estão dispostas a investir de fato na mudança das condições de trabalho e na criação de ambientes mais saudáveis, e até que ponto o cargo de diretor de felicidade não seria mais um elemento de fachada, usado para mascarar as deficiências que ainda persistem nas práticas empresariais? As primeiras experiências e empresas pioneiras na adoção do cargo nos darão pistas sobre a questão.

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