Vestibular 60+

A saga de Valdina, ex-doméstica que consquistou sua vaga na Universidade de Brasília

Aluna da primeira turma de 60+ da Universidade de Brasília (UnB) conta sua história de vida. Ela começou a trabalhar na infância e foi empregada doméstica para sobreviver

Lara Costa*
postado em 01/12/2024 06:00 / atualizado em 01/12/2024 06:00
Valdina Ferreira de Paiva, aos 61 anos: "Mais vitoriosa serei quando concluir o curso de ciências biológicas" -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Valdina Ferreira de Paiva, aos 61 anos: "Mais vitoriosa serei quando concluir o curso de ciências biológicas" - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Aos 61 anos, Valdina Ferreira de Paiva foi uma das pr imeiras candidatas aprovadas no curso de ciências biológicas, neste ano, pelo vestibular 60+ da Universidade de Brasília (UnB), voltado para pessoas com mais de 60 anos. A aprovação veio após quatro tentativas de ingresso sem sucesso pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Desde os 11 anos, Valdina trabalhava como empregada doméstica; depois, por um curto período, trabalhou de auxiliar de costura, e desde 1990, está como técnica em herbário no Jardim Botânico, sendo responsável por montagem de materiais botânicos para estudos e pesquisas. 
Somente em 2017, Valdina concluiu o ensino médio por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e teve de interromper os estudos por motivo de doença. Ela passou por um câncer de mama entre 2010 e 2011 e, devido à radioterapia, tinha dificuldades de acompanhar as aulas. Além disso, teve de deixar o curso por razões familiares, como a criação das filhas. “Sou mãe solo, e, às vezes, eu não conseguia conciliar horários para cuidar das minhas filhas e dos problemas da família.” 
A escolha do curso de ciências biológicas surgiu pelo fato de ser compatível com a disponibilidade de horário, mas também por ser uma área próxima ao emprego atual de Valdina. “Pensei também que poderia aproveitar um pouco do meu conhecimento por trabalhar na área ambiental há tantos anos, porque estou no Jardim Botânico de Brasília desde janeiro de 1990”, relata. 

Percalços

Diante desses motivos e por não ter expectativas altas com o resultado do vestibular, ela conta que, ao ler seu nome, sentiu as pernas tremerem e até frio na barriga. Valdina conta ainda que “a sensação foi muito boa, ainda mais pois não acreditava que seria capaz” 
Durante o processo, ela percebeu alguns obstáculos, como o próprio desempenho em relação à concorrência com outros candidatos. “Senti uma insegurança muito grande em estar concorrendo com pessoas que tinham formação superior, porque, na sala que fiz a minha prova, foi assim.” 

Ela não acreditava na possibilidade de ser aprovada, e confessa que fez a prova para testar seus conhecimentos. “Confirmei várias vezes o resultado. Sei que, para mim, não será fácil, porque meu ritmo é bem lento, mas não tenho pressa, e, no fim da graduação, vai valer cada esforço meu”, comemora. 

Expectativas

Mesmo com os desafios, Valdina vê a aprovação como uma maneira de vencer esses obstáculos, e se sente vitoriosa por ter passado, mas que “mais vitoriosa serei quando concluir o curso”. Ela acredita que “os obstáculos são para serem superados, porque posso não ter conhecimento acadêmico, mas tenho muita força de vontade de aprender.” 
Em apenas uma palavra, um conselho que deixa para pessoas nas mesmas condições que estão tentando o vestibular é: foco. “Para quem está tentando pela primeira vez, que tenha foco, estude e siga em frente, porque os obstáculos fortalecem. Use essa força para continuar lutando, não deixe de aproveitar as oportunidades que a vida oferece”, diz a universitária. 
Ingressar na UnB era impossível para a realidade em que se encontrava, pois acreditava que, mesmo sendo uma universidade pública, era destinada para um pequeno grupo de pessoas. “Concluir um curso na UnB traz muito mais peso e credibilidade, e um dos candidatos inscritos no vestibular me disse que a universidade era apenas para um público seletivo e não para todos, mas acho que derrubei essa teoria. É difícil, mas não é impossível.” 
Nesse contexto, ela acredita que o vestibular 60+ é uma iniciativa importante para as pessoas idosas. “É uma medida ótima, e que precisa ser mais divulgada, porque nós, com mais de 60 anos, não temos tanto conhecimento sobre as tecnologias. Muitos, como eu, não tiveram essa oportunidade, o que é mais forte entre as mulheres, que têm jornada de trabalho maior. Então, o vestibular deve ser mais divulgado e ter mais o suporte tecnológico para todos”, defende Valdina.

*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação