O Brasil figura na última posição no ranking de participação feminina em cargos de liderança na América Latina, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Explorando essa realidade, a pesquisa Mulheres em cargos de liderança no Executivo Federal, divulgada na última semana, mostrou que a ascensão de mulheres a posições de liderança no serviço público é dificultosa no país, indicando cobrança excessiva, machismo e assédio moral como principais obstáculos enfrentados pelas servidoras.
Ao todo, 70 mulheres em cargos de chefia no setor foram ouvidas pela pesquisadora Michele Fernandes, da Universidade de Brasília (UnB), sobre as questões que mais dificultam a progressão na carreira. Para 72,8% das entrevistadas, a cobrança em excesso e a expectativa de excelência pelos colegas pesam; 71,4% chamaram a atenção para a dificuldade de conciliar a profissão com a maternidade; e 64,2% reclamaram de ambiente sexista no trabalho. Além disso, 48,5% mencionaram relações interpessoais e indicações entre homens como perpetuadores do problema, enquanto 45,7% relataram o desrespeito como principal fator
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“Os dados identificaram que as principais barreiras profissionais que essas mulheres enfrentam é uma cobrança excessiva e uma expectativa de excelência na atuação delas enquanto líderes, ou seja, a mulher líder no serviço público, por conta da estrutura machista e do sexismo, não pode empregar um trabalho que não seja excelente. Então, é um nível de cobrança que, quando em comparação com os colegas pares homens, não há”, critica Jessika Moreira, diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente.
Ainda segundo o estudo, as mulheres ocupam 42% dos cargos de chefia no Executivo federal, o que, segundo Jessika, é considerado um índice baixo. Já em funções específicas, como secretarias executivas e subchefias, os desequilíbrios de gênero e raça aparecem com mais força. Nessas áreas, as mulheres ocupam apenas 27% dos cargos, enquanto os homens 73%. No exercício das funções, a desigualdade de raça também é evidente. “Quando a gente coloca o recorte racial, apenas 11% dos cargos de alta liderança do governo federal são ocupados por mulheres negras, o que é pior ainda, porque essa é a maior parcela da população brasileira”, pontua a diretora.
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Em termos de remuneração, a disparidade entre homens e mulheres é marcante. “Entre os cargos de maior faixa salarial, o número de mulheres em cargos de liderança é menor ainda. Na alta liderança, as mulheres estão apenas em 38% desses cargos, divididas em 27% de natureza especial, como secretários executiva, secretários especiais e subchefias, contra 73% de homens”, diz Jessika.
Desigualdade
Outro ponto importante destacado pela pesquisa é a necessidade de reverter estereótipos de gênero que são comuns na estrutura do funcionalismo público. “Nós temos um Estado que diz, através das políticas, como ele se posiciona. Quando você tem uma licença-maternidade de quatro meses para uma mulher e de cinco dias para um homem, o que o Estado está dizendo para a sociedade? Está dizendo que ele está reforçando que a tarefa do cuidado é uma tarefa apenas da mulher. Então, esse é um peso que as mulheres carregam e que vai junto quando elas ocupam um cargo de chefia no governo no setor público”, aponta a executiva.
“No Brasil, apenas 38% das mulheres com filhos menores ocupam cargos de liderança, comparado a 66% dos homens. Esses são dados oficiais do perfil das lideranças do governo federal divulgado em 2023. E também demonstra, estatisticamente, que a chance de um homem em cargo de liderança ter filhos menor de idade é 3,2 vezes maior do que uma mulher nas mesmas condições”, completa Jessika.
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Além disso, a distribuição feminina no setor público também é marcada por desigualdade, já que o maior número de mulheres está concentrado, majoritariamente, em áreas que realçam estereótipos de sexo. “As mulheres estão predominantes em pastas que carregam estereótipos de gênero, que são pastas ligadas a áreas sociais ou áreas do cuidado. Então, quando a gente olha para as áreas que têm mais recursos, como as ligadas à economia, a finanças, à infraestrutura e a órgãos centrais, são pastas que têm uma predominância masculina. A gente mal tem representatividade feminina nessas partes”, argumenta.
Soluções
Para consertar esse cenário e trazer mais equidade à área, o Movimento Pessoas à Frente disponibilizará, na quartafeira, um compilado com 30 recomendações para que mais mulheres ascendam no setor público. Divididas por eixo de atuação, o estudo será publicado no site da organização e abordará temas que envolvem desde estratégias de combate ao assédio até a formação de redes de contatos e mentorias.
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O projeto foi baseado em debates de conscientização promovidos pelo movimento, que reuniu 90 mulheres de diferentes categorias. “Em 2025, o Movimento Pessoas à Frente continuará incidindo nessa pauta. Esse tema vai continuar sendo uma prioridade, e a gente quer induzir que políticas existam para poder garantir a mudança dessa realidade no país”, afirma.
“Eu gosto muito de falar que o setor público deveria ser um modelo de empregador, e não reproduzir as mazelas das desigualdades sociais que a gente vê na nossa sociedade. Então, o Movimento Pessoas à Frente, por meio dessa pesquisa e do produto final do grupo de trabalho, que será lançado em 27 de novembro, em Brasília, vai incidir para que governos tenham políticas que mudem essa realidade, para que possa ser um ambiente para que tenhamos mais presença de mulheres em cargos de liderança, não só acessando, mas permanecendo nesses cargos”, conclui Jessika Moreira.
*Estagiário sob supervisão de Marina Rodrigues
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