Adaptação climática antirracista. Esse é o norte de um grupo de ativistas negras brasileiras que desembarcou em Baku para participar da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP29. Organizadas na Rede Vozes Negras pelo Clima, elas, que são atuantes em oito estados brasileiros — Bahia, Pernambuco, São Paulo, Espírito Santo, Ceará, Rio de Janeiro, Goiás e Maranhão —, pretendem, na COP do Azerbaijão, atuar pelo reconhecimento das mulheres e comunidades afrodescendentes como os mais atingidos pela crise ambiental, além de sensibilizar para a necessidade de o enfrentamento da urgência climática também ser um instrumento de combate ao racismo.
Lídia Lins faz parte do grupo. De lá, falou ao Pretos no Topo sobre as impressões dos primeiros dias da COP29 e as expectativas para esta semana decisiva. A falta de espaço para debates é uma das queixas. “Ter a perspectiva da sociedade civil trazendo um contraponto é importante para enriquecer esse debate”, enfatiza. Criada em 2022, a Rede Vozes Negras pelo Clima se dedica às atuações nos territórios e às pautas nacionais, incluindo articulações com o governo federal. Elas participam, por exemplo, do comitê nacional de construção da COP30, que acontecerá, em 2025, em Belém. Confira a entrevista.
Como avalia a primeira semana da COP em Baku?
A gente tem sentido que o trabalho dos outros temas, das outras agendas, não tem avançado em decorrência do não avanço também das negociações sobre financiamento. A pauta de adaptação e a pauta de gênero são as que a gente acompanha. Na adaptação, por exemplo, não houve avanço nos textos, e muitas agendas, reuniões e negociações foram travadas. Também não há consenso em relação à linguagem. O Brasil tem se posicionado para defender a inclusão das mulheres afrodescendentes no texto do programa, mas há uma resistência de países mais conservadores. Há ainda resistência em incluir as populações LGBTs. Existe uma convergência quanto a isso, mas não há um consenso.
A ideia de que seria uma COP esvaziada está se concretizando?
A gente tem sentido também que essa COP especificamente é uma COP mais esvaziada no sentido geral de participação social. Não tenho dados especificamente sobre isso, é mais uma sensação de que há um esvaziamento da participação social, comparada à COP de Dubai, que foi a primeira COP de que a delegação da Rede Vozes Negras participou, no ano passado. Não sei se esse esvaziamento é reflexo também da escolha do país, do lugar, de haver uma dificuldade maior. Os preços também estavam mais altos para participar considerando hospedagem e passagens. Enfim, temessa questão também.
E a participação brasileira?
Os pavilhões estão menores neste ano. O do Brasil também é um pavilhão menor. Por consequência, não há espaço para muitos debates. No ano passado, no pavilhão do Brasil, havia debates simultâneos, duas salas disponíveis para as discussões acontecerem, para os debates que eram propostos pela sociedade civil e pelos setores empresariais. Há ainda uma dificuldade de participação da sociedade civil nos painéis, propondo e disputando narrativas. Essa redução de espaço reflete em uma dificuldade maior de emplacar eventos e discussões dentro dos pavilhões que poderiam estar contribuindo para a ampliação e o discurso de narrativas sobre o olhar de outros países em relação ao Brasil. É a partir desses eventos que acontecem dentro dos pavilhões que são apresentadas perspectivas empresariais e da gestão pública em diferentes níveis em relação às construções dentro desses espaços, desses estados e desses territórios. E ter a perspectiva da sociedade civil trazendo um contraponto é importante para enriquecer esse debate.
Quais as expectativas para a próxima semana, que é mais decisiva?
A expectativa é de que a gente consiga ter avanços significativos nesses processos de negociação, que os países consigam chegar ao consenso em relação às agendas e aos itens que são importantes para que essa COP não seja uma COP com poucos resultados significativos e todo o trabalho e a expectativa fiquem para a COP de Belém, no Brasil. A gente precisa ter e avançar nas discussões nesta semana, que é a que os negociadores vão, de fato, concluir esse processo de negociação. A notícia que temos é de que a ministra Marina Silva volta para liderar as negociações do Brasil. Então, a gente espera que as agendas de gênero e adaptação, que temos pautado enquanto sociedade civil, saiam com resultados significativos, com os consensos construídos, e que isso seja refletido no texto.
A gente espera que as agendas de gênero e adaptação, que temos pautado enquanto sociedade civil, saiam com resultados significativos,com os consensos construídos, e que isso seja refletido no texto"
Lídia Lins, integrante do Rede Vozes Negras pelo Clima
Orgulho na passarela