As mudanças econômicas e o rápido avanço da tecnologia têm exigido cada vez mais um ensino que abrange tanto a formação escolar quanto a profissional de qualidade. Nesse sentido, a educação profissional e tecnológica (EPT) surge como uma alternativa promissora, mas ainda pouco popularizada no Brasil. Para analisar esse cenário, a Fundação Itaú, por meio do Itaú Educação e Trabalho (IET), desenvolveu uma pesquisa para expor as dinâmicas sociais que dificultam o acesso à EPT no país, analisando fatores socioeconômicos, de gênero, raça e localidade.
"Após o ensino médio, não há nenhuma política pública universal para a maioria das juventudes, que se veem sem perspectivas de continuidade da formação, sem que tenham tido uma base que lhes permitam seguir se desenvolvendo acadêmica e profissionalmente", contextualiza Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho.
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Assim, por ser uma modalidade voltada para a capacitação profissional e que facilita a transição da vida escolar para a vida profissional, ela afirma que a EPT pode proporcionar aos jovens uma formação moderna e qualificada para as necessidades atuais do mercado de trabalho.
A finalidade da pesquisa foi, portanto, dar subsídios para os gestores públicos formularem políticas de educação profissional no país. "Esperamos contribuir para que a expansão das matrículas na modalidade aconteça com mais equidade e qualidade", compartilha a dirigente.
Dados da educação
O estudo selecionou jovens de 15 a 18 anos matriculados no ensino médio e identificou quais deles cursam algum tipo de EPT: de forma integrada (realizada na mesma instituição de ensino) ou concomitante (em outra instituição de ensino). Com base no Censo Escolar e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), os dados apontam a distribuição de jovens em diferentes modalidades educacionais (veja os gráficos).
O número de estudantes presentes na base da Pnad Contínua de 2019 representam um total de 35.372, mencionados como "observações", sendo a maior parte delas de jovens que estão no ensino médio (EM), e uma quantidade razoável, no ensino fundamental (EF). O restante dos jovens está no ensino superior (ES), com 1.667 observações; ou na educação profissional e tecnológica (EPT), também em quantidade reduzida, com 1.291.
Já o total de alunos nessa faixa etária matriculados no ensino médio (EM) e na EPT, de acordo com o Censo Escolar, soma mais de 6 milhões de estudantes. No entanto, apenas 10% do total de matrículas são alunos da EPT, o que evidencia os desafios no acesso à modalidade no país.
"Hoje, apenas 10% dos jovens brasileiros que estão no ensino médio estão matriculados em cursos de EPT. O acesso à formação para o mundo do trabalho ainda é muito restrito no país, enquanto, em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), essa modalidade de ensino alcança 37% dos jovens", aponta Ana.
"Há potencial para ampliarmos o acesso à formação profissional de qualidade, ainda mais considerando que apenas 25% dos jovens de 18 a 24 anos chegam ao ensino superior, e os demais, no geral, não têm oportunidades qualificadas de preparo para o mundo do trabalho e para inclusão produtiva digna", completa a gestora.
A pesquisa também considerou as análises do Censo Escolar "mais confiáveis" do que as da Pnad Contínua em razão do maior número de observações feitas na base de dados levantada.
Obstáculos sociais
Quanto ao nível de desequilíbrio de gênero na EPT, os dados apresentaram pouca disparidade em praticamente todas as regiões do país, com exceção do Sul, com IRD de -9, número considerado baixo. Mas, levando em consideração apenas os dados do Pnad, certos desequilíbrios são detectados, como no Sudeste, que teve o IRD definido em -18,3, indicando um pequeno desequilíbrio desfavorecendo mulheres. No Nordeste, outra desarmonia foi detectada, dessa vez desfavorecendo homens.
"O estudo mostra que, de maneira geral, a oferta de educação profissional e tecnológica no país é equilibrada em termos de raça e gênero, mas apresenta desafios ao cruzarmos os indicadores e ao avaliar o nível socioeconômico das juventudes. Isso quer dizer que, diante de distorções de equidade, sejam elas reduzidas ou atenuadas, há desafios que precisam ser considerados pelos governantes e pelo setor produtivo para a educação profissional", afirma Ana Inoue.
Para o pesquisador Alysson Portella, responsável pelo estudo, as principais barreiras que impedem a democratização da educação técnica nas escolas se devem à carência de oferta desse tipo de modalidade, somado à baixa qualidade de ensino das escolas técnicas. "A EPT, no Brasil, ainda é muito restrita. Em média, os estados oferecem cerca de apenas 10% das matrículas de ensino médio juntamente com o ensino técnico. Então, esse número é muito pequeno. De forma geral, a gente ainda coloca muito pouco dinheiro no ensino técnico no Brasil. Então, eu diria, já de saída, que é uma falta de recursos e compromisso político", critica.
Cenário no DF
No Distrito Federal, os dados da pesquisa indicam que, em termos de gênero e raça, há equilíbrio relativo na oferta de cursos técnicos na rede geral (pública e privada) entre homens e mulheres e pessoas brancas, pretas, pardas e indígenas, com índices de representação descritiva (IRD) de 5 e 7,1, respectivamente. Por outro lado, no aspecto socioeconômico, o DF apresenta IRD de 11,9, considerado um desequilíbrio pequeno. Esses dados consideram todas as escolas da região, públicas e privadas.
Já na análise do âmbito socioeconômico, são consideradas como critério de avaliação as mães com até ensino fundamental completo. De acordo com Ana Inoue, o DF não apresenta grandes desequilíbrios na oferta da ETP, mas os dados mostram que há desafios para a ampliação da modalidade e para garantir que o aumento de vagas para os jovens abarque a sua diversidade.
Soluções
Pensando em caminhos para solucionar essas lacunas no país, Alysson Portella ressalta a importância da parceria entre as secretarias de educação com o setor produtivo, para entender as exigências econômicas regionais, e, assim, proporcionar cursos técnicos que sejam relevantes para o desenvolvimento social. "É muito importante que o setor produtivo consiga dialogar com as secretarias de educação para tentar conseguir desenhar quais são os cursos e as qualificações necessárias para que os estudantes possam sair das escolas e conseguir se encaixar de uma maneira mais fácil no mercado de trabalho", pontua.
O pesquisador reitera, ainda, a necessidade de o setor produtivo auxiliar as escolas em questões de infraestrutura. "Eu acredito que tem de ser uma troca entre os dois — o setor produtivo pode ajudar de diversas formas, atualizando equipamentos e oferecendo a infraestrutura necessária para ofertar esses cursos, não só em termos de equipamentos e espaço físico, mas também oferecendo as condições socioeconômicas necessárias para que o aluno possa frequentar a escola e não abandoná-la", enumera.
"A EPT é ágil, tecnológica e atende à aspiração do jovem, além de ser uma etapa no desenvolvimento profissional que permite aumentar as chances de empregos com melhor remuneração e reconhecimento. A formação para o trabalho consta na Constituição Federal como parte da responsabilidade da educação. A formação para o trabalho é necessária para que os jovens possam se orientar na vida adulta e exercer plenamente sua cidadania", conclui Ana Inoue.
*Estagiário sob supervisão de Marina Rodrigues
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