Antônio Álamo Feitosa Saraiva, 63 anos, é o primeiro brasileiro a conquistar o prêmio Morris F. Skinner, um dos mais importantes na área da paleontologia — ciência que estuda antigos habitantes da Terra, como plantas, animais e micro-organismos. O pesquisador é professor do curso de ciências biológicas e coordenador do laboratório de paleontologia na Universidade Regional do Cariri (Urca), no Ceará, e foi reconhecido pelo trabalho desenvolvido há mais de 25 anos na Bacia do Araripe, no município de Crato (CE), principalmente, na escavação, descrição e no combate ao comércio ilegal de fósseis, com publicações relacionadas, também, ao aquecimento global.
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Conhecido como “Oscar da paleontologia”, o prêmio é concedido pela Sociedade de Paleontologia de Vertebrados (SVP) a pesquisadores que fizeram contribuições relevantes para construção de conhecimento científico na área, assim como incentivaram e compartilharam conhecimento com outros estudantes e profissionais. A cerimônia de premiação ocorreu ontem, em Minneapolis, nos Estados Unidos, durante o 84° encontro anual da SVP.
Descoberta
Natural do Crato, Antônio Saraiva cresceu na área rural. Seu pai, agrônomo, era criador de gado. Vivendo rodeado da natureza, Antônio considera que foi um menino curioso, que queria “saber o porquê de tudo”. Assim, o primeiro desejo profissional dele foi ser vaqueiro, “mas vi que eles (vaqueiros) não tinham uma vida tão glamourosa”. Antes de entrar na faculdade, pensou em cursar medicina veterinária para dar continuidade aos trabalhos do pai, mas acabou optando por biologia. “Eu acho que era o único curso que responderia aos questionamentos da minha infância e adolescência”, reflete
Em 1980, Antônio ingressou na primeira turma de biologia da Urca, sem imaginar que se tornaria professor da universidade. Ele conta que, à época, a instituição se chamava Faculdade de Filosofia do Crato: “Havia uns 10 cursos espalhados pelo Cariri, que depois foram unidos pelo governo na Urca.”
Depois de se formar biólogo, Antônio deu aulas de pré-vestibular na região e fora do estado, como na Paraíba e em Sergipe. Fez mestrado em botânica de vegetais inferiores. Apaixonado pela profissão, enxergava-se como “caixeiro viajante de aulas”. Porém, chegou um momento em que resolveu seguir o rumo dos estudos, passando em primeiro lugar no concurso para professor de biologia da Urca, em 1994.
Como professor da Urca, começou a se interessar pela paleontologia por influência de um amigo da faculdade. “Fui sendo provocado a fazer paleontologia e, quando me dei conta, já estava acompanhando grandes paleontólogos”, conta. Assim, em 2000, quando iniciou um doutorado, já estava decidido a seguir na área, fazendo um pós-doutorado em seguida. Seus estudos foram voltados para o resgate das comunidades que viveram em cada período histórico e as condições ambientais nas quais estavam inseridas.
Pesquisa
A Bacia do Araripe, região entre Ceará, Piauí e Pernambuco, é conhecida pela variedade de espécies do período cretáceo (de 110 a 115 milhões de anos atrás), contando com nove sítios paleontológicos, onde há registros de arte rupestre e fósseis de dinossauros. Antônio começou a fazer pesquisas no local em 1998 e acredita que seus estudos sobre o aquecimento global envolvendo as comunidades do passado tiveram grande peso na escolha do seu nome para o “Oscar da paleontologia”, além de outras questões.
“Não foi só uma pesquisa, mas o conjunto da obra. Muitas das minhas publicações envolvem aquecimento global e mortandade no cretáceo. O que essas mortes têm a nos dizer, hoje, em relação ao clima? Então, eu acho que acabei tendo um destaque por causa disso, o que pesou junto com o trabalho que eu faço contra a exportação ilegal de fósseis e os vários alunos que já formei”, expõe.
Surpresa
Antônio conta que foi uma surpresa quando soube que ganhou o prêmio e, inclusive, achou que podia ser um golpe. “Eu recebi um e-mail dizendo que eu tinha sido selecionado para receber o Morris F. Skinner este ano, com tudo pago para ir aos Estados Unidos. Sinceramente, eu pensei que era trote. Mostrei para meus colegas, e eles disseram ‘não, cara, isso é verdade’, então eu fiquei muito surpreso.”
Apesar do destaque dado ao seu nome, o pesquisador só se considera merecedor do título porque houve um trabalho em equipe por trás das pesquisas: “Paleontologia se faz, no mínimo, a quatro mãos”, acredita. Ele e a equipe já desenvolveram trabalhos em diversos países, como China, Rússia, México, Uruguai e Portugal. “Tudo isso nos deu aparato para que conseguíssemos esse destaque. É muito surpreendente, mas, ao mesmo tempo, é uma coisa muito ‘suada”, relata, afirmando que é uma honra ser o primeiro brasileiro a receber o prêmio. “Eu nunca acreditei, nem nos mais delirantes sonhos, que ia receber uma honraria dessas”, compartilha.
Planos e expectativas
Antônio chegou aos Estados Unidos na última terça-feira, com intenção de aproveitar as palestras e cursos antes da premiação, além de trocar conhecimentos com outros paleontólogos. “É claro que vou aproveitar para ver o que tem de mais novo sendo produzido na paleontologia mundial e tentar fazer contatos”, diz. Ele relembra um ditado que costuma usar no Cariri: “Quanto mais cabra, mais cabrito”, referindo-se à importância do apoio entre os colegas da profissão. Assim, “as coisas são feitas mais rápido e melhor”, explica.
Para ele, ganhar o prêmio é inovador, pois pode atrair o interesse das novas gerações pela paleontologia. Hoje, o professor se orgulha do menino que foi quase vaqueiro e escolheu ser cientista, mostrando que todos que se interessem pela área são capazes de alcançar grandes projetos. “Se eu consegui esse reconhecimento internacional, então qualquer criança ou adolescente do Cariri, se quiser, pode chegar lá. Espero que o prêmio sirva de estímulo para eles”, compartilha.
Além disso, Antônio espera que trazer o prêmio para o Brasil chame a atenção para a falta de recursos financeiros para trabalhos em campo, atraindo mais investimentos nas áreas de ciência e paleontologia, e propondo uma reformulação nas leis. Com isso, ele acredita que será possível valorizar o trabalho dos pesquisadores, promover a troca de conhecimentos e uma sensação de pertencimento para sua terra, o Cariri.
“Que isso traga um olhar mais sério para a paleontologia nacional pela nossa comunidade política. Eu espero que a realidade mude e, sobretudo ajude essa região do Cariri a ser alavancada até ter igualdade de condições como qualquer outro grande centro do país, em relação à ciência, aprendizado e a uma ação de pertencimento do que é seu”, deseja.
*Estagiária sob supervisão de Marina Rodrigues