Ricardo Fragelli, 47 anos, tem um jeito próprio de ‘fantasticalizar’ o ensino. Professor da Faculdade de Ciências e Tecnologias em Engenharia da Universidade de Brasília (FCTE/UnB) e da pós-graduação em design na mesma instituição, ele dedica a carreira, desde as primeiras aulas particulares, a devolver aos estudantes os porquês que lhes foram roubados ao longo da trajetória escolar.
É dessa maneira filosófica que o goiano de Anápolis radicado em Brasília com o objetivo de viver um grande amor define sua meta profissional. Alcançá-la — e com uma escala que atinge estudantes na casa dos milhares pelo país e pelo mundo — levou tempo, estudo e muita criatividade.
Fragelli formou-se em engenharia mecânica na UnB no ano de 2000. A escolha da universidade foi simples: era a mais próxima de Goiás, onde morava a namorada do ensino médio. A distância curta não impediria a continuidade do relacionamento, nem o sonho profissional. Hoje, a fisioterapeuta e também professora da UnB Thais é sua companheira de vida, com quem tem Luísa, Alice e Vanessa. É parceira ainda no trabalho, compartilhando diversos projetos na área da educação.
Bem antes disso, porém, ele já havia decidido que se tornaria engenheiro. Estava na quarta série do ensino fundamental quando percebeu a habilidade para os cálculos numa discussão com a professora de matemática. Em determinado momento, a docente não conseguiu mais responder aos questionamentos do inquieto menino. Ela se chamava Darcy, e foi apenas durante esta entrevista que Fragelli percebeu a coincidência — ou o toque do destino — de ter se sagrado na carreira justamente na universidade criada pelo ícone da educação brasileira e xará de sua ex-professora.
“A matemática foi muito muito natural para mim. Eu tirei 10 em todas as provas do ensino médio sem nunca ter estudado para uma prova. Eu estudava simplesmente a matemática, ia para a biblioteca e ficava lendo. Li todos os livros de matemática. E o meu objetivo nunca foi tirar a maior nota da sala: meu objetivo era só acertar todas as questões. Era como um videogame para mim”, relata.
Hora de ensinar
A trajetória como professor começou já no segundo semestre da graduação na UnB. Fragelli morava na Casa do Estudante (CEU) e precisava trabalhar para se manter na capital federal. Começou, então, a dar aulas particulares para estudantes da educação básica que tinham algo em comum: detestavam matemática. Diante desse desafio, ele usava uma tática ainda mais inovadora e praticamente ignorava o conteúdo que havia sido contratado para ensinar. “O meu objetivo era despertar o interesse pela ciência. Lembra aquilo que te falei, de resgatar os porquês que lhes foram roubados?”, indaga. Questões de lógica e outros conteúdos mais divertidos da matemática acabavam se tornando o foco das aulas particulares.
“E aí o que acontecia: a menina que sempre tirava 4, tirava 4 de novo, porque ela não estudou nada da prova. Só que os pais não me demitiam, queriam mais aulas, e eu ficava. De repente, a pessoa tirava 10, e 10 de novo. Depois, sabe qual nota ela tirava? Também não sei, porque eu era demitido, não precisava mais da aula particular”, brinca ao relembrar. “Eu tinha um certo talento para perceber o que estimulava as pessoas ou não.”
Pouco depois de se formar, em 2002, foi aprovado no concurso para professor substituto e assumiu o desafio de ensinar jovens quase da idade dele. Diante de um auditório repleto de calouros, no Instituto Central de Ciências (ICC), o famoso Minhocão, prédio mais tradicional da UnB, a meta de devolver os porquês ganhou escala. Equações diferenciais ordinárias era o nome da disciplina, lembra Fragelli, com exatidão.
A transição
No início, a criatividade na forma de ensinar tinha como foco o engajamento dos estudantes. “Sem essa participação com atitude dos estudantes, a educação não existe. O mínimo que se espera é motivação, criar um ambiente em que as pessoas fiquem motivadas. Só que isso não é o suficiente”, afirma Fragelli. Foi ao avançar no desenvolvimento de simuladores interativos para a educação que um novo caminho acadêmico se moldou para Fragelli.
“Em 2004, eu ganhei os quatro principais prêmios de educação do país, mas de uma área da qual eu não era pesquisador. Eu só era um professor muito empolgado. Depois disso, comecei a pesquisar ciências mecânicas e também virei um pesquisador de educação”, observa, contextualizando que não foi uma decisão fácil, uma vez que demandou abandonar anos de pesquisa acadêmica iniciada em manobras de satélites especiais. A criação de simuladores interativos, além dos prêmios — hoje são 13 no total —, o levou a conhecer dois ministros da Educação.
O caminho natural depois disso foi o desenvolvimento de metodologias de ensino. A primeira delas foi o 300, com a qual chegou a alcançar mais de 90% de aprovação em algumas turmas da temida disciplina de Cálculo 1; o Rei e a Rainha da Derivada — que levou aos shoppings da cidade competições de cálculos complexos, mostrando que educação precisa estar acessível; e, em seguida, o Summaê.
Esse último culmina, em 2024, num festival nacional de curtas, com simpósio e cerimônia de premiação previstos para o fim do mês. Tudo isso coroando uma trajetória de criatividade e de desafios encarados com determinação. O próprio Summaê, por exemplo, surgiu inicialmente da crítica de um estudante, que achou que o Rei da Derivada precisava de um final apoteótico. Veio daí a ideia de um evento que trouxesse uma questão em formato de vídeo, com contexto cinematográfico. Toda a plateia vestida com chapéus e figurinos criativos tem a chance de encontrar a resposta correta para o cálculo de uma integral.
“Eu percebi que essas atividades que eu realizava atraíam muito o interesse de outros professores, não só de Brasília como de todo o país. Observei que tinha maior potencial de impacto as pesquisas que eu poderia realizar em educação do que o que eu estava realizando”, explica. Começou, então, o mergulho na pesquisa em áreas, como filosofia, psicologia, pedagogia e Teoria de Aprendizagem.
Futuro da educação
Fragelli relata ter participado de diversas bancas de pós-graduação sobre a primeira de suas metodologias, o 300. Em resumo, trata-se de uma forma colaborativa de aprendizagem, unindo em grupos estudantes com diferentes níveis de conhecimento. As dissertações incluem exemplos de aplicação com sucesso até mesmo na educação básica. “Melhora o estudo fora da sala de aula e diminui a sensação de solidão. Isso é o mais impactante”, revela. “Não é simplesmente aprovação, vai além disso: é você acolher o aluno”, completa.
Na avaliação dele, o único motivo para que a metodologia não seja mais disseminada no país e no mundo é o fato de ter sido criada no Brasil, e não em um país desenvolvido. “Nossa forma de ensinar é muito melhor”, atesta. E para vislumbrar uma educação melhor no futuro, ele completa dizendo ser necessário haver intencionalidade nas escolhas pedagógicas. “Vamos ter de repensar, de verdade, com intencionalidade, a educação nos moldes como ela é hoje, e encontrar estratégias para usar a tecnologia e essas metodologias ativas da forma mais correta, que não seja só no papel.”
Inspiração
Ao longo da trajetória acadêmica e do esforço para divulgar o método e inspirar estudantes, ele conta que se deparou com outra face essencial da educação: os colegas professores. Há exemplos de profissionais que aplicam as metodologias em escolas rurais e em academias de Polícia Militar. “É um grande grupo de colaboradores, de pessoas inspiradas pela educação. E espero que continue assim por muitos anos.” E, assim, também o próprio Fragelli espera seguir, por muitos e muitos anos.
“O meu objetivo é ser uma influência sempre positiva para a vida dos meus estudantes. A educação tem esse impacto sobre mim. Ela que me trouxe onde estou e me faz enxergar mais adiante. Mas também me traz uma certa responsabilidade e uma inspiração muito grande de ser fonte para novos sonhos, permitir que uma criança, um adolescente, um adulto possam ter um sonho do tamanho de sua curiosidade."