Entrevista | Reuber Brandão

Cientistas da UnB e da RBC descobrem nova perereca endêmica no Cerrado

Considerada uma "guerreira" do bioma, espécie recebe nome em homenagem à personagem da obra Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa

Correio Braziliense
postado em 10/11/2024 06:00
Professor Reuber Brandão com os alunos Pedro Paulo Queiroz, coautor do estudo, e Isabelle Feijão, que está fazendo a iniciação cientifica -  (crédito:  Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Professor Reuber Brandão com os alunos Pedro Paulo Queiroz, coautor do estudo, e Isabelle Feijão, que está fazendo a iniciação cientifica - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Dione Moura — Especial para o Correio

Muita gente acha que encontrar uma nova espécie é difícil. No entanto, sabemos ainda pouco sobre a biodiversidade, e sempre que uma região é estudada com maior atenção, novos habitats são explorados, e espécies ainda não descritas podem aparecer. Foi o que ocorreu com a Nyctimantis diadorim, recentemente descrita para o Cerrado e pertencente a um grupo conhecido como "pererecas-de-capacete" por terem crânios fortemente ossificados, passando a ser a primeira espécie do gênero a ocorrer no bioma.

Envolvido diretamente com a descoberta, o professor e pesquisador da Rede Biota Cerrado (RBC) Reuber Brandão fala ao Correio sobre o feito. Bacharel em biologia e doutor em ecologia pela Universidade de Brasília (UnB), é professor do Departamento de Engenharia Florestal na instituição e coordena o Laboratório de Fauna e Unidades de Conservação. É especialista em taxonomia, conservação e ecologia da herpetofauna do Cerrado, e trabalha em prol da conservação do bioma.

Como você explica essa descoberta?

Reuber Brandão coordenou a equipe que descobriu a Nyctimatic Diadorim no Cerrado
Reuber Brandão coordenou a equipe que descobriu a Nyctimatic Diadorim no Cerrado (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

A Nyctimantis diadorim foi observada durante estudos de campo no Parque Nacional Grande Sertão Veredas, em Minas Gerais. Quando investigadores vão a campo, buscam registrar todas as espécies presentes em um determinado ambiente. De modo geral, quando vamos a campo, avaliamos que ambientes existem no lugar, já que diferentes espécies podem ocorrer em diferentes ecossistemas.

Qual a importância dessas descobertas para museus e coleções científicas?

Quando um indivíduo de interesse é encontrado, por exemplo, essa perereca que estudamos, esse exemplar é coletado para estudos mais detalhados em laboratórios, museus ou coleções científicas. Museus e coleções científicas são essenciais para o estudo da biodiversidade! Sem essas instituições, todo o conhecimento que temos sobre as espécies do mundo se perderia, visto que precisamos saber a que organismo um determinado nome científico se refere. Se não temos museus e coleções científicas, onde cada nome científico está "ancorado" a um tipo exemplar, todos os nomes científicos deixariam de fazer sentido em poucos anos. Por isso, coletar plantas e animais por pesquisadores em estudos de biodiversidade e de conservação é essencial para o incremento do conhecimento biológico e para promover a conservação da natureza e a proteção da biodiversidade.

Qual a rotina para se verificar a confirmação de uma nova espécie?

Descrever novas espécies é uma atividade comum para os taxonomistas, profissionais treinados nesse tipo de estudo e na necessidade de cuidado com o acervo de museus e coleções científicas: quanto maior o acervo, maior é o patrimônio de conhecimento que ele representa e maior é sua importância. Quando um exemplar chega a uma coleção científica, ele é cuidadosamente comparado com exemplares já conhecidos pela equipe de especialistas. A partir dessa comparação e da adição de dados complementares, incluindo moleculares, é possível saber se aquele animal é ou não uma espécie distinta e com quais ela é aparentada. No caso dos anuros (sapos, rãs e pererecas), é comum também usarmos o canto e o girino como informação complementar para determinar espécies novas. 

  • Equipe: Guia Jau (esquerda), Guilherme Santoro, Reuber Brandão e Guilherme Álvares (direita)
    Equipe: Guia Jau (esquerda), Guilherme Santoro, Reuber Brandão e Guilherme Álvares (direita) Reuber Brandão

Como são "batizadas" as novas espécies e como foi escolhido o nome da Nyctimantis diadorim nesta alusão a uma espécie guerreira do sertão?

No caso da Nyctimantis diadorim, sabíamos que se tratava de uma perereca-de-capacete do gênero Nyctimantis, que agora possui apenas oito espécies conhecidas. O nome da espécie, diadorim, é uma homenagem à personagem Diadorim, do majestoso livro Grande Sertão: Veredas, do grande escritor João Guimarães Rosa. No livro, Diadorim é uma guerreira que, na busca por vingança pelo pai assassinado, percorre vasta região do Cerrado em Minas Gerais, na Bahia e em Goiás, no encalço do bando inimigo. Nessa complexa história de amor e tragédia, as belezas naturais do Cerrado são lindamente descritas, inspirando a criação do Parque Nacional Grande Sertão Veredas, uma das joias da conservação do nosso bioma. Tal como a Diadorim do livro, a Nyctimantis diadorim também é uma guerreira elusiva, que luta pela sobrevivência em uma paisagem repleta de belezas e de perigos.

Parque Grande Sertão Veredas, em Minas, onde a espécie foi encontrada
Parque Grande Sertão Veredas, em Minas, onde a espécie foi encontrada (foto: Reuber Brandão/Professor da UnB)

Descreva as características de corpo e forma da Nyctimantis diadorim e explique a singularidade dessa espécie.

Com seus olhos castanhos ou vermelho-escuros, sua coloração castanha, o formato de sua cabeça, seu tipo de crânio e belos padrões de colorido, a Nyctimantis diadorim é conhecida apenas para o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, mostrando que nosso conhecimento dos anfíbios do Cerrado ainda está longe de ser devidamente estudada. Como essa espécie é um endemismo muito restrito do bioma, saber que mais de 50% do Cerrado já foi desmatado significa que muito provavelmente várias espécies foram extintas antes terem sido descritas ("conhecidas pela ciência"). Isso significa que perdemos a possibilidade de estudar o potencial de uso das secreções de pele desses anfíbios, sua evolução, seu papel nos ecossistemas. E isso significa que todos perdemos.

  • Nyctimantis diadorim é a nova espécie do bioma
    Nyctimantis diadorim é a nova espécie do bioma Reuber Brandão/ professor da UnB
  • "Pererecas-de-capacete" têm crânios fortemente ossificados: primeiras do gênero no Cerrado Reuber Brandão/ professor da UnB
  • A perereca tem coloração castanha
    A perereca tem coloração castanha Fotos: Reuber Brandão/Professor da UnB

Falando em ser cientista, o que mais faz brilhar os olhos em um trabalho como esse?

Estudos com a biodiversidade e com a descoberta de novas espécies são bastante empolgantes! Sempre há algo incrível na natureza esperando para ser estudado! E esses trabalhos de campo são geralmente executados por quem gosta de estar na natureza, de aprender com a natureza e de cuidar da natureza. E descrever uma espécie nova, embora não seja algo extremamente raro, é importante para que políticas de conservação sejam tomadas. Se uma espécie é desconhecida, não é possível trabalharmos em sua conservação. Mesmo após anos de estudos no Cerrado, até hoje meus olhos brilham com a biodiversidade! É impressionante e envolvente saber que há todo um mundo natural feito de espécies, relações ecológicas, descobertas e assombros acontecendo ao nosso redor. Tenho certeza de que a natureza será sempre o refúgio de meus sonhos, aprendizados e interesses.

Agora, que a Nyctimantis diadorim está identificada e descrita, o que podemos fazer para melhor conservar a região única em que ela vive?

Ser cientista é sempre um desafio! E o mais importante desafio para quem estuda, aprende e ensina com a natureza é justamente a sua proteção. E precisamos juntar esforços nesse desafio. Esperamos que a beleza e raridade da Nyctimantis diadorim ajudem na proteção do Parque Nacional Grande Sertão Veredas.

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