Neste 27 de outubro, Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, o foco se volta para a urgência de construção de uma rede de saúde que considere demandas específicas dessa parcela significativa de brasileiros. A burocracia é um dos obstáculos. E objeto de estudo do Afro, núcleo de pesquisa sobre a temática racial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Jaciane Milanezi, coordenadora do projeto Desigualdades em Saúde, falou com o Correio sobre o tema.
De que forma as burocracias afetam o acesso da população negra à saúde?
As burocracias da ponta do Sistema Único de Saúde (SUS) são diversas, com distintas dinâmicas de atendimento e quadros profissionais. Dessa forma, a atuação dessas organizações repercute de variadas formas no acesso das populações negras aos diversos serviços públicos do SUS, desde formas mais inclusivas de atendimento às mais exclusivas. As formas de acesso que prevalecem dependem de uma articulação de elementos no cotidiano dessas organizações, como as representações sociais das populações negras e as regras formais e informais de atendimento.
Imagino que haja também uma interface entre raça e gênero nesse processo. Fale um pouco sobre isso.
As experiências de acesso aos serviços locais do SUS dependem da intersecção de várias categorias das diferenças sociais, como classe, raça, gênero e nacionalidade. Por exemplo, no cotidiano das burocracias do SUS, evidenciamos vocabulários informais para se referir às populações que revelam representações sociais sobre as mesmas. Essas representações são construídas a partir da articulação dessas categorias e conformam ideias estigmatizantes sobre as pessoas. É o caso dos termos “cadastradas difíceis” ou “mulheres problemáticas”, respectivamente, associados a mulheres nacionais negras e pobres e mulheres migrantes internacionais. Esses termos informais significam que essas mulheres são consideradas negligentes com a saúde e não compreendem as regras do SUS. Mas, no fundo, esses vocabulários revelam a inadequação de algumas regras do sistema às condições de vida dessas mulheres.
Quais os caminhos para mudar esse cenário? Só a criação de leis basta?
A institucionalização de programas de equidade em saúde, a exemplo da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), é imprescindível para tornar o SUS mais equânime. A PNSIPN é fruto de mais de quatro décadas de atuação dos movimentos de mulheres negras no Brasil, resultando, por exemplo, na inserção da coleta do quesito raça/cor nas fichas do SUS, tecnologia necessária para se monitorar a trajetória das desigualdades em saúde entre a população brasileira. Dessa forma, a ampliação da institucionalização de políticas de equidade ainda é necessária nos diversos níveis federativos. Assim como dar visibilidade às desigualdades raciais em saúde dentro das diversas burocracias do sistema e criar práticas de equidade singulares que resultem em acesso mais inclusivo das populações negras aos diversos serviços.
NOSSA HISTÓRIA
A jornada de Danúbio
Estudantes do Centro de Ensino Médio 1 do Gama formarão a primeira plateia de uma peça que promete uma imersão na complexidade de sentimentos e ancestralidades que atravessam as memórias e subjetividades pretas. Na próxima quinta-feira, dia 31, eles assistirão à apresentação de Danúbio, seguida da roda de conversa entitulada Teatro Negro: poéticas e políticas. A ideia é de que, no encontro, os alunos reflitam, com atores e criadores do espetáculo, sobre os desafios para a produção teatral de artistas pretos. Logo em seguida, de 1º a 3 de novembro, a peça será apresentada gratuitamente para o público em geral no Teatro Paulo Gracindo, do Sesc Gama.
Com direção e dramaturgia de Jonathan Andrade, Danúbio conta a história de um homem negro em duas etapas da vida — infância e juventude —, em uma jornada para resgatar a própria história, trazendo à tona emoções e reflexões sobre identidades, memórias e ancestralidades. Sobe ao palco a dupla de atores negros Kalebe Lizan (esquerda) e Malik Leôncio. A trilha sonora dessa jornada é executada ao vivo, a partir da composição e direção musical de Felipe Kiluandê Fiúza
O legado de Lélia
Chega a Brasília, nesta terça-feira, o Projeto Memória — Lélia Gonzalez: Caminhos e Reflexões Antirracistas e Antissexistas, que celebra a vida e o legado da escritora e ativista pioneira no debate sobre raça e gênero no Brasil. Gratuitamente, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o público terá acesso a uma exposição educativa sobre a história dessa mineira que é considerada referência mundial do feminismo negro, além de dois dias de seminário, 29 e 30, com palestras de autoras e ativistas estudiosas do pensamento de Lélia.
Entre as participantes, estão a escritora Carla Akotirene, a biógrafa de Lélia, Flávia Rios, a promotora de Justiça Lívia Sant’Anna Vaz, e Jurema Batista, primeira deputada estadual negra do Rio de Janeiro, indicada ao Prêmio Nobel da Paz de 2005. A exposição ficará no CCBB até 8 de dezembro. O projeto percorrerá sete capitais brasileiras até agosto de 2025. Salvador foi a primeira a receber a exposição e o seminário.
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