No Brasil, as pequenas e médias empresas contribuem para mais de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) e 50% dos empregos ativos no país. Tamanha importância é acompanhada por uma jornada árdua e, muitas vezes, invisibilizada. Os principais obstáculos, que afetam 90% dos empreendedores e empreendedoras, envolvem dificuldades com cenário externo e competitivo, gestão financeira, crescimento e inovação. Os dados são da pesquisa Cabeça de Dono, realizada pelo Instituto Locomotiva e pelo Itaú Empresas, com o objetivo de entender, em termos de desafios e necessidades, o que se passa na cabeça desses profissionais.
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De acordo com o levantamento, do total de 1.001 entrevistados, 98% participam diretamente de decisões estratégicas da empresa; 37% deles assumindo sozinhos todas as decisões e direcionamentos de, ao menos, uma área. Enquanto isso, 96% executam tarefas operacionais, sendo 33% os únicos responsáveis pela execução de atividades no dia a dia em um ou mais setores. Isso significa que, além de escolhas relacionadas à gestão, os empreendedores precisam tomar decisões sozinhos e executar funções de outros setores, como financeiro e operacional, incluindo áreas que exigem conhecimento específico, como jurídico, contabilidade e tecnologia da informação.
Propósito de vida
Hulda Rode, 39 anos, descobriu seu propósito de vida em 2017: transformar vidas por meio dos livros. Desde então, seu tempo e sua energia têm sido dedicados ao desenvolvimento da Escreva, startup que fundou pensando na formação de novos autores para o mercado editorial. "Eu atuo no mercado há 17 anos e, desde que me tornei minha própria chefe, eu tive novos desafios, que nunca pararam. O primeiro foi entender meu propósito. Depois, a gente vê que, além do sonho, tem um negócio por trás, tendo que lidar com administração, controladoria, gestão de pessoas e de fornecedores, entender toda a indústria do livro. O tempo todo a gente tem desafios", afirma a média empresária.
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Ser empreendedora, para Hulda, é sinônimo de renúncia. "Crescer dentro de um negócio é renúncia diária. Eu renuncio todos os dias em prol de um sonho. Eu renuncio no meu cansaço, meu tempo, meu conforto, porque, depois que você empreende, passa a ser um estilo de vida e a gente fica ali buscando formas de crescer, de inovar. Eu quero oferecer algo bom para o meu cliente, quero um resultado diferente, e, para isso, às vezes, você tira do bolso, da própria boca, para colocar num negócio", compartilha.
Por outro lado, ela também enxerga oportunidades, buscando assumir "uma postura de protagonismo, não de vitimismo". "Eu sei que estou semeando dentro de uma terra fértil, e isso tem retorno. São desafios que a gente passa, mas que a gente não precisa olhar como um fardo", pontua. "Desde que comecei a empreender, eu não tenho crise existencial, porque sei quem eu sou, sei do meu propósito. Então, existe, sim, um lucro, que é cuidar de pessoas e cuidar de sonhos", relata, citando o reconhecimento que recebeu do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios em 2023.
Sobrecarga e solidão
Para conseguir conciliar a rotina intersetorial e, inclusive, para contratar profissionais de confiança, Hulda Rode teve de aprender sobre diferentes áreas do conhecimento, buscando capacitação em programas de aceleração e consultorias especializadas, muitas oferecidas pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de forma gratuita ou no formato de subvenção.
"A postura de dono é o seguinte: você tem que assumir várias habilidades, vários conhecimentos, tem que ter aprendizado constante. E, em dado momento, mesmo falando 'eu vou contratar um assessor jurídico', eu preciso entender o básico para saber o que o outro está me ofertando, conseguir dialogar com o seu jurídico. Até mesmo para saber se contratou uma boa empresa, para fazer escolhas assertivas de quem vai cuidar do seu negócio com você", explica.
Ela conta que está com a mesma equipe desde o início, formada por pessoas de confiança, mas que, ainda assim, a solidão a acompanha constantemente, em especial, quando precisa tomar decisões de gestão estratégica. "Eles apostaram no meu sonho e nós crescemos juntos. Mas, quando estou cuidando da expansão, por exemplo, estou numa jornada solitária, porque é uma ideia, estou visualizando uma rede, um novo momento, um novo mercado, mas não posso compartilhar essa visão. É aquele momento em que você tem equipe, mas está operacionalizando sozinho", diz Hulda.
A pesquisa também aponta que 57% dos empreendedores gostariam de se conectar mais com outros empresários para compartilhar experiências, dificuldades e soluções. Em relação a isso, Hulda diz que a jornada empreendedora "não precisa ser totalmente sozinha", ressaltando a importância de ter uma rede de contatos com pessoas que vivenciam a mesma realidade de gestor. "Como é que a gente anda em bando? Estando no ecossistema, participando de grupos de negócios, convivendo com pessoas que vivem a mesma dor e criando, com elas, ambientes de conversa", indica.
Saúde afetada
De acordo com o levantamento, a sobrecarga e a solidão no dia a dia de trabalho também impactam na vida pessoal dos empresários: 62% dos entrevistados gostariam de ter mais tempo com a família, enquanto 52% já tiveram problemas de saúde relacionados à rotina de trabalho.
Prova disso é Ricardo Arriel, 39 anos, que conta que já enfrentou diversas questões de saúde envolvendo seu negócio. "Tive vários problemas com excesso de trabalho, obesidade, estresse emocional, ansiedade, dentre outros, e fui buscar ajuda primeiro emocional e depois médica. Atualmente, sigo uma rotina de treinamentos, suplementação adequada, dieta saudável e sono reparador. Enquanto a saúde não se tornar uma prioridade na nossa vida, nunca chegaremos à nossa melhor versão", alerta o dono da Line Bakery, padaria especializada em croissants e suas variações.
Na área da alimentação há cerca de 20 anos, o médio empreendedor diz que abriu a marca com sua esposa, Naiara Arriel, 33, há oito anos. "Fiz carreira, competi na área e, junto com minha esposa e sócia, nosso propósito é transformar nossas vidas e das pessoas à nossa volta". A vida de Ricardo mudou desde que começou a seguir um princípio chamado STF: saúde, trabalho e família. "A partir do momento que implementei o STF, minha vida mudou para melhor. Somos um casal empreendedor, estamos juntos o tempo todo, e se não tivermos prioridades, nossas relações fracassam, pois tudo em excesso é ruim, incluindo o trabalho", diz o empresário, defendendo a busca pelo equilíbrio.
Para Ricardo, a jornada empreendedora deve ser vista como um estilo de vida, "pois é um caminho árduo e solitário". "Muitas vezes, fazemos renúncias diariamente, vida social, viagens, aquisição de um bem. Até o empreendedor criar um lastro, uma base sólida, ele sempre terá de fazer escolhas visando colher no futuro", afirma. A palavra que o motiva nesse cenário é "ambição". "O empreendedorismo é o único caminho para aqueles que desejam mudar de vida e impactar vidas. Creio que, sem ambição, não construímos nada. Com certeza, vale a pena empreender", orgulha-se.
Gestão do tempo
A agente de turismo Regina Barros, 58, conta que, mesmo amando o que faz, sente, cada vez mais, a necessidade de passar tempo com a família e cuidar melhor da saúde. "As renúncias sempre vêm. Quem quer empreender não tem hora para acordar, não tem hora para dormir, não tem hora para colocar a mão na massa. E com isso, a gente acaba abrindo mão da nossa família, de estar mais tempo com eles, de uma qualidade melhor de vida. Essa foi a minha maior renúncia com o empreendedorismo", compartilha a pequena empreendedora.
Assim como Ricardo, ela também teve problemas de saúde, devido à instabilidade instalada na pandemia de covid-19. "Muitos cancelamentos de viagem, repatriação de clientes, demissão de funcionários, fechamento de filiais, e isso gerou muito estresse e ansiedade", lamenta. Apesar dos impactos, Regina afirma que está conciliando melhor a vida pessoal e a profissional. "Hoje estou conseguindo administrar esse tempo de qualidade entre o trabalho e a minha família, estar com os meus amigos. Mas eles acabaram se acostumando com esse meu ritmo. Às vezes, até estranham quando estou muito tempo em casa", brinca. "Mas foi um trabalho de muita conscientização e de muito diálogo", afirma.
A gestora conta que começou a empreender aos 13 anos e observou que se destacava nas empresas em que era contratada, onde despertou o sentimento de inconformismo. "Eu resolvi, junto com duas amigas, abrir uma agência de viagem. Nós já estávamos cansadas de trabalhar com 'pacotes enlatados'. Então, decidimos dar nosso toque de diferencial, acreditando que nossos clientes merecem produtos com maior qualidade e experiências diferenciadas. Foi aí que surgiu essa vontade de transformar sonhos em viagens, dentro das expectativas e do orçamento dos nossos clientes."
Após 38 anos no mercado de turismo, Regina diz que os desafios fazem parte da caminhada. "Me motiva todos os dias a acordar e ir para a agência. O que define isso tudo é muito amor e reconhecimento. Muita gratidão por tudo que eu conquistei e por todos os amigos, clientes e fornecedores que me apoiaram nessa trajetória, especialmente, a minha família. Sou muito privilegiada por ter uma rede de apoio maravilhosa e isso me fortalece muito", conta, emocionada.
Otimismo e expansão
Mesmo com os obstáculos, a pesquisa aponta que 79% dos pequenos e médios empreendedores estão esperançosos em relação à atual situação de sua empresa, e 60% pretendem expandir o negócio em 2025. Os empreendedores do DF concordam: Hulda abriu um espaço físico neste ano e quer entrar na rede de varejo; o negócio de Ricardo teve um "crescimento exponencial" neste ano, possibilitando a abertura, em breve, de novas unidades no DF; e Regina inaugurou a nova sede da agência no centro de Brasília e tem planos de ampliar o atendimento dentro e fora do país. "O brasileiro não desiste nunca!", exclamam os empreendedores.
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