Apesar de a inadimplência ter caído entre as mulheres brasileiras, segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), são elas que ainda enfrentam maior dificuldade em relação ao reconhecimento e à valorização no mercado de trabalho, o que reflete diretamente na relação com as finanças. O Correio entrevistou Francine Mendes, escritora do best seller Mulheres Que Lucram e criadora da EQL Protege — primeira insurtech com produtos financeiros específicos para mulheres na América Latina.
Economista formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, Francine é empreendedora desde os 18 anos. Trabalhou como planejadora financeira e economista nos grupos Banif, XP, Genial investimentos, Forbes Brasil, portal Terra e B3. Fundadora e CEO da femfintech Elas que Lucrem (EQL), voltada para soluções integradas de proteção e independência financeira das mulheres. Hoje, mestre em psicanálise de consumo pela Universidade Kennedy, é especialista em educação emocional e financeira para mulheres, com mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro, além de presidir o comitê de insurtech da Associação Brasileira de Internet (Abranet).
A empresária também lançou o reality show Garotas do Tesouro, cujo objetivo é aumentar o número de mulheres que investem em títulos do Tesouro Direto e estão construindo sua independência financeira, capacitando-as, por exemplo, em finanças pessoais e marketing de influência. As inscrições estão abertas até 31/10 pelo site www.garotasdotesouro.com.br e é possível acompanhar todos os episódios pelo Instagram @garotasdotesouro.
O que é a Elas Que Lucrem, como a iniciativa começou?
A EQL é uma fintech com soluções integradas para promover a independência emocional e financeira das mulheres. Por meio de educação e de produtos financeiros customizados, mostramos caminhos personalizados para o público feminino fazer os melhores investimentos. Eu costumo dizer que a empresa nasceu comigo, está no meu DNA. Cresci com desejo de tornar-me independente financeiramente e estar perto do dinheiro. Comecei a observar onde trabalhavam as pessoas que eu admirava e como elas faziam para conquistar dinheiro. Fiz uma graduação em economia e percebi que essa vontade era mais minha do que de outras mulheres. Quando montei um dos primeiros escritórios de investimentos no meu estado, não foi diferente; começamos a cuidar do dinheiro de muitos homens e poucas mulheres realmente despertaram para olhar para sua própria riqueza. Em 2021, fundei a plataforma Elas que Lucrem para estimular as mulheres a saírem da ignorância financeira, aprender a admirar sua conta bancária e decidir o tipo de vida que querem levar.
Você aborda o tema de finanças e investimentos no contexto das características e desafios específicos das mulheres. Quais são eles e como impactam mais as mulheres do que os homens?
Nós, mulheres, recebemos, através de várias gerações, educação para servir os outros com beleza e agradabilidade; fomos inseridas na economia do cuidado e aprendemos a trabalhar desde cedo de graça ou quase de graça, esperando simbólicos reconhecimentos ou alguma gratificação afetuosa pelo nosso tempo. Tal ensinamento foi transferido pelas nossas mães, avós, bisavós, meramente porque outras faziam dessa forma. As mulheres, em geral, têm medo de dinheiro e poder, ao passo que têm uma queda por bebês e consumo. Esses maus costumes empobreceram nossas mulheres por várias gerações. O resultado dessa equação é que mais de 70% dos investidores em nosso país são homens; tem uma conta emocional que não fecha quando nossas contas bancárias estão vazias. Sem dinheiro, não há poder de decisão.
Qual é o papel da inteligência emocional no comportamento de investimento das mulheres?
Após meu mestrado em psicanálise de consumo na Argentina, percebi que existem dois dinheiros na vida: um subjetivo e outro objetivo. O primeiro tem a ver com as economias emocionais; o segundo, com as economias financeiras. O que une os dois dinheiros é a resolução da equação da conta de crédito e débito. Explico. Em geral, nós, mulheres, nascemos com superavit de boas emoções, todavia, nos ensinaram a desempenhar o papel de domésticas da sociedade (trabalhar muito e lucrar pouco), fazemos menos dinheiro objetivo e debitamos de nossa conta emocional muitos afetos positivos. O desequilíbrio dessa economia emocional e financeira nos torna sobrecarregadas, cansadas e pobres. Esses valores das nossas emoções são creditados a várias outras pessoas através da doação do nosso tempo.
E como resolver essa situação?
A inteligência emocional é a capacidade de resolver problemas rapidamente apesar da interferência das emoções. Decisões velozes advêm do desenvolvimento da autonomia; em seguida, devemos dominar o apetite por investimentos ruins em coisas, projetos e pessoas. Escolher um mau parceiro, por exemplo, pode atrasar o crescimento pessoal e profissional de uma mulher por muitos anos. Uma vez educadas as pulsões e os instintos, a qualidade dos relacionamentos que nos submetemos melhora e podemos transferir essa característica concomitantemente aos cuidados com nosso dinheiro. Aliás, precisamos ser boas mães para o nosso dinheiro, antes de sermos boas mães para os nossos filhos. Esse autocuidado com as finanças traz inteligência emocional.
O que é a "mala pronta" e por que toda mulher precisa ter uma?
Mala pronta é a etapa mais importante do método EQL de investimentos, quando as mulheres decidem cuidar do seu dinheiro. Muitos dos meus colegas costumam chamar de reserva de emergência. Eu renomeei para mala pronta porque nós, mulheres, temos muito mais imprevistos e contratempos pelo simples fato de termos outras prioridades, além de enfrentar vários contratempos sociais, culturais e de gênero. Temos mais pressão para cumprir determinados papéis; enfrentamos mais obstáculos com nossas carreiras; e carregamos as famílias nas costas. Mala pronta consiste em poupar até seis vezes o custo de sua vida por mês em produtos financeiros, como títulos públicos pós-fixados com liquidez diária, para que esteja disponível caso a mulher precise sair rapidamente de uma situação ruim ou constrangedora e a falta de recursos não seja impeditivo. Por outro lado, os recursos da mala pronta podem também ser uma bela oportunidade para comprar passagens aéreas numa promoção relâmpago, ou ainda comprar aquele item que você namorou uma coleção inteira e de repente foi para a liquidação. Essa etapa é muito importante porque não interfere no orçamento mensal.
O que é o método OJI para independência financeira?
Oportunidade, juízo e independência é o significado de cada letra e cada uma corresponde a uma etapa do planejamento. Esse método contempla toda a trajetória da vida da mulher, inclusive, o modelo social que estamos inseridas: vivemos mais, ganhamos menos e fazemos mais pausas em nossa carreira. Oportunidade é a mala pronta, como mencionamos acima. Juízo é o dinheiro para comprar experiências: viagens, carros, casa própria, tudo que envolve deixar os recursos indisponíveis por pelo menos 2 anos para se beneficiar dos juros compostos. Independência é o capital financeiro acumulado pelo menos acima de 10 anos que vai comprar tempo para que as mulheres possam pagar pelo que não gostariam de fazer, para que possam usufruir da vida sem vender suas convicções. É uma espécie de aposentadoria, porém não gosto de usar esse termo porque remete a uma cadeira de balanço e ao envelhecimento do corpo. Faz bastante tempo que podemos construir nossa independência financeira para poder nos aposentar um tempo todos os dias sem precisar ficar desejando um período específico.
Você lançou, recentemente, a iniciativa Garotas do Tesouro. Qual o propósito da iniciativa?
Garotas do Tesouro é uma construção de muitos anos com parceiros absolutamente robustos, como o Tesouro Nacional e a B3. Pensamos num formato de entrar na rotina das mulheres e instruí-las financeiramente, contemplando suas características emocionais. Educação é o coração do nosso projeto e será feita gratuitamente pela plataforma EQL para todas as inscritas. A Warren Investimentos é a nossa grande instituição financeira parceira responsável por todo o processo e inserção dessa mulher no mercado financeiro.
Os títulos do Tesouro são os mais indicados para quem está começando a sua jornada de investimentos? Por que?
A premissa básica de um bom investimento é olhar o tripé: liquidez, risco e retorno, necessariamente nessa ordem. Os títulos públicos são excelentes para atender esses critérios. São os mais seguros do mercado financeiro e oferecem rentabilidades bem atraentes comparadas com a esmagadora maioria dos produtos financeiros. É perfeitamente possível diversificar uma carteira de investimentos e construir independência financeira com geração de renda mensal somente com títulos públicos.
Como vai funcionar o Garotas do Tesouro? Quem pode se inscrever e quais as etapas?
Estamos na etapa das inscrições, todas as mulheres a partir de 18 anos podem fazer sua inscrição no site www.garotasdotesouro.com.br. Em seguida, terão acesso à plataforma Elas que Lucrem e a vários conteúdos educativos exclusivos para assinantes. Vamos selecionar 100 mulheres do país inteiro para participar das provas de forma on-line. As 3 finalistas virão para São Paulo disputar a final na capital paulista, na B3, e concorrer a 100 mil reais. O melhor dessa iniciativa é que todas as inscritas vão ganhar R$ 35,00 para começar a investir. Ou seja, o Garotas do Tesouro vai dar o primeiro investimento para as mulheres.
O que é, para você, ser uma mulher que lucra em todas as áreas da vida?
Uma mulher que não precisa vender seu tempo nem suas convicções para levar a vida que quer levar.
Que orientação final você daria para as mulheres que não conhecem muito do mercado financeiro e de investimentos, mas querem cuidar melhor do dinheiro?
Comecem. Aprender a cuidar do nosso dinheiro se faz da mesma forma que se aprende a falar, andar, escrever: praticando. Você vai errar, depois vai aprender, mas vai ficar extremamente orgulhosa de você. Uma técnica que eu ensinei aos meus filhos foi começar comprando um produto financeiro por mês e depois aumentar aos poucos. Você só precisa de uma conta bancária e pedir para habilitar investimento via Tesouro Direto na sua instituição financeira. Depois, só se informar qual o melhor título para você e todos os meses repetir a operação. Leva menos de 5 minutos. Aos poucos, ficará automatizado e você vai introduzir a busca pela independência financeira na rotina da mesma forma que os hábitos corriqueiros. Porém, convido todas a se inscreverem no reality show para começar essa experiência junto às melhores especialistas do mercado.
*Ana Machado escreve para a Coluna Saber, publicada uma vez ao mês neste caderno.
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