pesquisa nacional

Medicina e história são os cursos que mais e menos empregam, respectivamente, no Brasil

Estudo com egressos do ensino superior analisa situação dos profissionais no mercado após a formação, analisando indicadores relacionados a trabalho, renda e planejamento de carreira

Lara Costa*
postado em 13/10/2024 06:00
Pesquisa revela que o número de egressos de cursos como medicina, farmácia e odontologia é maior em relação a graduações como história, relações internacionais e serviço social -  (crédito: Caio Gomez)
Pesquisa revela que o número de egressos de cursos como medicina, farmácia e odontologia é maior em relação a graduações como história, relações internacionais e serviço social - (crédito: Caio Gomez)

O Instituto Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no Brasil, lançou a 4ª edição da pesquisa de empregabilidade, em parceria com a Workalove, plataforma engajada em conectar empregadores e profissionais, mostrando a lista dos cursos com maior número de pessoas sem emprego no país. O levantamento foi feito entre 9 de agosto e 1º de setembro, e visa acompanhar indicadores relacionados a trabalho, renda e planejamento de carreira dos egressos do ensino superior brasileiro.

De acordo com a pesquisa, os 10 cursos com maior número de desempregados são história (31,6%), relações internacionais (29,4%); serviço social (28,6%); radiologia (27,8%); enfermagem (24,5%); química (22,2%); nutrição 22%; logística (18,9%); agronomia (18,2%); e estética e cosmética (17,5%). Os outros cursos com maior número de pessoas sem emprego são gestão de pessoas/RH (16,7%); análise e desenvolvimento de sistemas (15,6%); pedagogia (15,1%); direito (15%); psicologia (14,6%); odontologia (14,2%); biologia (14%); fisioterapia (13,9%); administração (13,5%); e biomedicina (13,4%).

Em contrapartida, os cursos com maior número de empregados são medicina (92%); farmácia (80,4%); odontologia (78,8%); gestão da tecnologia da informação (78,4%); ciência da computação (76,7%); medicina veterinária (76,6%); design (75%); relações públicas (75%); arquitetura e urbanismo (74,6%) e publicidade e propaganda (73,5%). Em seguida, estão letras (73,2%); fisioterapia (71,5%); sistemas de informação (71,3%); contabilidade (68,2%); economia (68%); engenharia civil (67,8%); psicologia (67,3%); gestão da qualidade (66,7%); redes de computadores (65,2%) e agronomia (63,6%).

Graficos cursos emprego desemprego
Gráficos ilustram realidade dos egressos do ensino superior brasileiro no mercado de trabalho (foto: Pacífico)

Ao analisar as listas, Rodrigo Capelato, diretor-executivo do Semesp, acredita que o fato de medicina ser o curso que mais tem empregados se deve ao fato de que existe um número maior de vagas voltadas para saúde e tecnologia, em que a oferta é superior a demanda. "Existem muitas vagas de trabalho para poucos profissionais qualificados, sobretudo para medicina, porque há poucas vagas no ensino superior e, portanto, poucos médicos formados, além da escassez de profissionais", explica.

Perfil

Conforme os dados, a maioria dos egressos (55,9%) concluíram a graduação há menos de três anos e se autodeclaram brancos (54,6%); seguido de pardos (31,6%) e pretos (10%). Além disso, 68,2% dos respondentes possuem a graduação como o nível mais alto de escolaridade já concluído, enquanto 4,8% possuem mestrado, doutorado ou pós-doutorado. 

Quanto à idade, 68,3% dos participantes têm até 34 anos; 35,7% deles têm entre 25 e 29 anos e 21,6%, de 30 até 34 anos. Considerando modalidade de ensino e idade, 70,8% dos egressos de cursos presenciais têm até 34 anos, enquanto, no ensino a distância (EaD), 70,1% têm 30 anos ou mais.

Em relação à identidade de gênero, 53,3% se identificam como mulheres cisgênero e 38,3% como homens cisgênero. Sobre isso, a coautora da pesquisa Fernanda Verdolin, fundadora e CEO da Workalove, afirma que, nos últimos anos, o número de mulheres graduadas no ensino superior por ano é maior que o número de homens.

"As mulheres ainda representam a maioria dos respondentes que não exercem atividades remuneradas, e a porcentagem de mulheres que trabalham é menor do que a porcentagem de homens inseridos no mercado de trabalho, segundo dados da pesquisa. Apesar dos avanços, ainda podemos enxergar aspectos de desigualdade quando observamos esses dados de uma forma mais aprofundada", observa. 

Impasses

Fernanda Verdolin, da Workalove, afirma que, apesar do aumento de mulheres no mercado, ainda há desigualdades
Fernanda Verdolin, CEO da Workalove, afirma que há uma desproporção entre ensino superior e oferta de empregos no país (foto: Fotos: Arquivo pessoal)

Em relação aos cursos com maior número de desempregados, Fernanda observa lacunas entre o índice de formação de egressos de alguns cursos, como administração, direito e enfermagem, e o mercado de trabalho. "Isso levanta uma questão importante: há uma possível desproporção entre o número de graduados nessas áreas e a oferta de vagas específicas para suas qualificações", explica.

Além da baixa oferta de vagas nas respectivas áreas, a CEO acredita que a divergência entre o mercado de trabalho com a graduação é uma das causas por trás desse cenário: "Isso revela um desalinhamento entre formação e mercado, em que, embora empregados, muitos profissionais não atuam em funções compatíveis com suas qualificações".

Para Capelato, existem algumas razões por trás dos cursos com maior número de desempregados, como a existência de profissões historicamente desvalorizadas pela sociedade em geral, como a de professor de história. "Existem vagas disponíveis, mas a carreira está tão desvalorizada tanto por causa da remuneração quanto pelas condições de trabalho precárias, como a violência nas escolas, o que leva as pessoas a não procurarem oportunidades na área".

Rodrigo Capelato cita alguns fenômenos por trás dos dados da pesquisa: restrição devido a desvalorização de algumas áreas e recessão por causa de fatores socio econômicos no mercado de travalho.
Rodrigo Capelato, diretor do Semesp, relaciona o desemprego à desvalorização de algumas áreas e à recessão (foto: Divulgação)

Além disso, existem carreiras que passam por fase de recessão e restrição no mercado de trabalho, por motivos socioeconômicos, como é o caso das engenharias. "Essas profissões sofreram muito durante a crise econômica e o Brasil vem de um período longo sem crescimento econômico desde a crise de 2015, isso impacta muitas áreas, como a de infraestrutura, com poucos investimentos em projetos", exemplifica.

Instabilidade

Isadora (nome fictício a pedido da fonte), 26 anos, formou-se em direito no Centro Universitário de Brasília (Ceub) em 2022 e, pouco depois, chegou a trabalhar como secretária em um escritório de advocacia por um tempo, mas percebeu que não se identificava com a área. "Estar no ambiente de advocacia é um ambiente hostil, porque tem que lidar com clientes, juiz, além de brigas com colega de profissão", descreve.

Além do ambiente tóxico, ela diz que o mercado de trabalho para direito é "frustrante", porque tem muita demanda e retorno financeiro insuficiente, com salário para profissional iniciante entre R$ 2.000 e R$ 3.000. 

Com a falta de emprego na área, a jovem sente incerteza e insegurança, e até questiona "se estou no caminho certo ou se estou me perdendo". No entanto, ela tem estudado para concurso público, com pretensão de trabalhar como analista jurídica. "Tenho como exemplo a minha mãe, que é servidora pública, mas além de não me identificar com a advocacia, o concurso é uma maneira de ter estabilidade financeira e profissional", conta.

Nesse contexto, ela vê um cenário diverso, mas também desanimador em relação aos profissionais da área: enquanto alguns estão se dedicando aos estudos para o concurso público, como ela; outros seguem na carreira de advogado, mas com condições de trabalho insuficientes, como o baixo salário. "Vejo que todos estão tentando", diz.

Transição de carreira

Natural de Pelotas, Rio Garnde do Sul, Joaquim (nome fictício a pedido da fonte), 33 anos, estudou licenciatura em história na Universidade Cruzeiro do Sul; no entanto, ele decidiu seguir uma carreira diferente, de sargento no Exército. A profissão tem as seguintes vantagens: plano de saúde para os dependentes, como os filhos e cônjuge; e um imóvel funcional bem localizado em Brasília, cidade que ele mora atualmente.

"Prestei concurso para o exército quanto tinha 22 anos, escolhi essa profissão pela relativa afinidade já que, anos antes, havia passado pelo serviço militar obrigatório. Na época, eu já tinha interesse em cursar licenciatura em história, mas eu tinha certa pressa quanto à busca por estabilidade", conta.

Na época, Joaquim trabalhava com estoque, como auxiliar em uma loja de auto-peças, em horário de comércio, então, o emprego de sargento pôde ajudá-lo a ter melhores condições financeiras, e também a se especializar na área de história com cursos de pós-graduação. "Foi por meio de minha profissão atual que consegui bancar algumas capacitações em história, de valores mais acessíveis. Então, há ônus e bônus", explica.

Hoje, com essas especializações, ele pretende trocar de profissão para a área do ensino em história, mas vê dificuldades para a transição de carreira. "Isso nem sempre foi um problema, mas à medida que fui me aprofundando em estudos na área de história, por satisfação pessoal, minha profissão foi se tornando cada vez mais desgastante e deslocada do que eu realmente gostaria de fazer".

Mesmo tentando por meios formais, como transferência para um colégio militar para aplicar esse conhecimento, a carreira na área militar impossibilitou essa mudança. "Fui impedido pela burocracia", lamenta.

*Estagiária sob supervisão de Marina Rodrigues

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação