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Estudantes criam solução tecnológica para combater evasão no ensino superior

Universitários se reuniram no HackLab Fnesp, em São Paulo, para discutir projetos inovadores voltados para educação. Equipe vencedora relata bastidores e efeitos na vida pessoal e profissional

Estudantes de 26 instituições de ensino superior (IES) de diferentes regiões do país tiveram a oportunidade de participar do HackLab 2024: uma competição empreendedora que dá voz à comunidade acadêmica e oferece espaço para inovação. O objetivo dos participantes é desenvolver soluções tecnológicas para problemas reais do ensino superior brasileiro. Para isso, foram selecionados 35 universitários, divididos em sete equipes, que apresentaram seus projetos em formato de pitch no palco do evento. A competição ocorreu no 26º Fnesp, o maior fórum de educação superior da América Latina, em 18 e 19 de setembro, em São Paulo, e contou com avaliação de uma banca de jurados composta por líderes do setor educacional.

"Os participantes vivenciaram uma intensa maratona de 48 horas, em que o processo de criação foi guiado por três grandes pilares: exploração do problema, ideação e prototipação. No primeiro dia, as equipes mergulharam profundamente nos desafios propostos e participaram de treinamentos de improviso, inovação e formação de equipe com a celebridade Marcio Ballas. No segundo dia, o foco foi na prototipação das ideias, utilizando ferramentas de inteligência artificial (IA) e outras tecnologias para transformar os conceitos em projetos concretos. Esse processo ajudou a desenvolver um entendimento coletivo sobre como tecnologia e conexão humana podem caminhar juntas para criar soluções", detalha Rodrigo Marudi, organizador do HackLab.

Vencedores

Nesta edição, a equipe ganhadora foi a Ieda – Inteligência Educacional Adaptativa, que propôs o uso de IA e de análise de dados para traçar estratégias pedagógicas personalizadas, de modo a adaptar o ensino e atender às necessidades do discente, do docente e do gestor. "Nosso principal objetivo é solucionar as dores desses três pilares. Dos alunos, que não se sentem parte do processo de ensino-aprendizagem, o que contribui para a evasão. Dos professores, que, às vezes, não encontram uma ferramenta para poder melhorar o ensino e não sentem que têm esse suporte. E dos gestores, para poderem fazer a instituição crescer cada vez mais e melhor", explica Thais Araujo Melo, 23 anos, uma das criadoras da Ieda.

Thais está no 8º semestre de pedagogia na Faculdade São Vicente (UniBr), em São Paulo, e conheceu os demais integrantes do grupo no evento. São eles: Vitor Hugo Barbosa, 24, no 1º semestre de ciência de dados na Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) e no 2º semestre de análise e desenvolvimento de sistemas do Centro Universitário Facens; Laís Lucas Moscon, 36, no 6° semestre de sistemas de informação da Faculdade Barretos; Jaci Camargo, 23, no 10º semestre de engenharia da computação na Univesp; e Gustavo Zuli, 22, no 10º semestre de direito no Centro Universitário da Fundação de Ensino Octávio Bastos (Unifeob), que foi o estudante escolhido para ser o porta-voz do time na apresentação. Juntos, com a premiação de R$ 10 mil e uma mentoria, eles pretendem tirar a startup do papel e contribuir para a qualidade do ensino nacional.

Funcionamento

Fotos: Arquivo pessoal - Os integrantes do grupo se conheceram no evento e tiveram dois dias para criar e estruturar a solução

"Quando o aluno entrar na plataforma, ele vai preencher um questionário sobre as formas com as quais ele gosta de aprender e interagir na aula. Ou seja, se ele gosta de EaD, de presencial, se ele prefere ouvir mais, assistir, ler ou escrever. Depois, a plataforma vai fazer a análise desses dados para nortear as aulas do estudante, focando na forma com que ele aprende melhor e aprimorando os demais pontos", explica Vitor Hugo Estefano. 

"O professor também vai cadastrar a forma com que ele gosta de ensinar, para a plataforma saber. Ele vai poder conferir o desempenho do aluno e da turma. E o que vem depois é o gestor, que consegue monitorar os dois (aluno e professor) e, principalmente, o professor e o desempenho dele com os alunos e com a turma, para saber que tipo de estratégias seguir e as capacitações que o corpo docente precisa. Tudo isso de forma interativa, dinâmica e eficiente", completa o estudante. 

A equipe cita, ainda, as pesquisas Perfil e Desafios dos Professores da Educação Básica no Brasil, que revela que 79,4% dos professores já pensaram em desistir da carreira e 67,6% se sentem inseguros, desanimados ou frustrados em relação ao futuro profissional; e Mapa do Ensino Superior no Brasil, que aponta uma taxa de evasão no ensino superior de 57,2% no Brasil. Ambas as publicações foram encomendadas pelo Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp) em 2024.

Acessibilidade

Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de estudantes com transtornos globais do desenvolvimento na faculdade, que inclui o transtorno do espectro autista (TEA), aumentou de 4.018 para 6.063 entre 2021 e 2022. Outro levantamento, da revista FT, aponta que apenas 44% dos alunos com autismo do ensino secundário frequentam o ensino superior — taxa mais baixa entre as 12 categorias de deficiência. 

Nesse contexto, com o ensino adaptado e uma plataforma voltada para a experiência do usuário, espera-se mais interesse dos alunos pelos conteúdos e, consequentemente, o aumento dos índices de permanência e conclusão da etapa. Além disso, o projeto possibilita melhorias na educação, ao identificar pontos fortes e fracos, e garante maior acessibilidade, inclusive, para neurodivergentes e PcD. "A pessoa com deficiência ou com autismo, por exemplo, pode ter dificuldade de seguir um modelo tradicional de ensino. E, com a plataforma, ele vai se sentir estimulado, engajado, o que pode contribuir para o ingresso, a permanência e a conclusão dessas pessoas na educação superior", esclarece Vitor Hugo.

Vivências

Arquivo pessoal - Thais Araujo, 23 anos; Jaci Camargo, 23; Vitor Hugo Estefano, 24; Laís Lucas Moscon, 36; e Gustavo Zuli, 22, idealizaram a Ieda

Os integrantes da equipe contam que algumas das habilidades mais desenvolvidas durante a maratona foram empatia, paciência, experiência do usuário e trabalho em equipe. Eles também ressaltam a importância do apoio mútuo e de existir um espaço que ouve, orienta e aposta nos estudantes. "O HackLab abre portas, traz visibilidade, como está acontecendo, e isso é muito importante para a gente agora e no futuro. Porque até você deixar uma pessoa grande, para ela ficar maior ainda, você precisa acreditar e abraçar. Acho isso incrível e de grande impacto", diz Thais.

"O principal desenvolvimento do HackLab foi criar em mim a veia do empreendedorismo. Acho extremamente interessante o funcionamento de empresas, mas eu não trabalho com isso, sou estudante de direito, trabalho na gestão do curso, mas só ali, muito fechado. Eu nunca me achei criativo e nunca achei que eu poderia enveredar para essa área. Mas eu vi, aqui, o contrário. A gente acha que não dá para criar nada, mas não necessariamente a gente está criando. Você está desenvolvendo uma coisa que alguém também faz, de uma forma diferenciada, e é uma coisa que eu não quero abandonar. Ainda que eu vá trabalhar na minha área, quero trazer essa veia empreendedora mais para dentro", relata Gustavo.

"Uma coisa que me emocionou bastante é que eu sempre fui um cara nerd, não sou um cara dos esportes. E eu sempre quis ganhar medalha, porque é uma coisa que está intrínseco quando você é competitivo. Mas eu via que eu nunca conseguiria ganhar uma (medalha) no futebol, na corrida, e, hoje, eu estou ganhando, usando a inteligência, querendo ou não, minhas habilidades, e mostrando que não é só ali (nos esportes) que é competição. E ainda estamos ajudando a melhorar o Brasil, o mundo, com uma plataforma de ensino. Isso é fenomenal", conta Vitor Hugo sobre a experiência. 

Pódio

Além de citar competências e habilidades trabalhadas durante a competição, como comunicação e relação interpessoal, Jaci Camargo Cintra ressalta que "parte do sucesso também vem dos outros grupos, independentemente de quem ficou em primeiro lugar". "Tem projetos que não foram para o palco e são projetos excelentes. É importante citar isso, porque cada grupo vai ter a sua particularidade do que foi trabalhado. A gente não pode esquecer que esses grupos também se esforçaram muito para chegar numa ideia do que eles acreditam sobre o que é bom para educação. E nenhuma ideia, ainda mais no campo da educação, é falha. Ela só precisa ser trabalhada", defende a estudante.

A equipe classificada em segundo lugar recebeu uma Alexa Echo Dot pelo projeto Synapso, voltado para um aprendizado personalizado e adaptado para estudantes neurodivergentes. Já o grupo que ficou em terceiro lugar recebeu fones de ouvido JBL pela Mentor.IA, que sugere tutoria individual e uma trilha de aprendizagem personalizada. Ambas as iniciativas envolvem o uso da IA e visam modernizar o sistema educacional brasileiro.

*Jornalista viajou a convite do Semesp