Eu, Estudante

falhas na legislação

Mães não gestantes enfrentam burocracia para obter licença-maternidade

Falta de legislação específica para mães de casais homoafetivos causa burocracia excessiva e dificulta a experiência da maternidade, especialmente em casos de reprodução assistida em casais homoafetivos. Especialista comenta cenário

Maria Eduarda Lavocat

Juntas há 18 anos, Vanessa Rocha, 49 anos, e Estella Valentim, 38, sentiram vontade de vivenciar a maternidade, mas enfrentaram diversos desafios. Em 2022, Estella deu à luz Marina, hoje com dois anos e meio, e os problemas burocráticos começaram logo após o parto. “O procedimento padrão para registrar uma criança é pegar a declaração de nascido vivo com o hospital, os documentos do casal — no nosso caso, já éramos casadas — e ir até o cartório. Quando entreguei nossa documentação, a atendente, de forma grosseira, olhou para mim e disse que não poderia fazer o registro sem a declaração da clínica onde foi feita a inseminação”, explica Vanessa. “Apesar de saber que era uma questão burocrática, inclusive, determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), fiquei arrasada porque não consegui registrar minha filha como mãe, enquanto um homem ao lado, com os mesmos documentos, conseguiu. Foi um fato inusitado, que não esperávamos. Peguei a declaração da clínica e consegui fazer o registro da Marina apenas seis dias depois, o que atrapalhou o processo de licença-maternidade”, completa. 

Apesar da importância do benefício e dos avanços na pauta, a advogada Liliana Marquez, presidente da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões da OAB/ DF, expõe que "o principal desafio da licença-maternidade para mães não gestantes no Brasil está na falta de uma legislação específica que trate diretamente dessa situação. Embora a Constituição Federal e as leis trabalhistas reconheçam a importância da licença-maternidade para o cuidado da criança, o foco tradicional tem sido na mãe biológica. Nos casos de casais homoafetivos, onde a mãe não gestante também exerce o papel de cuidadora, o reconhecimento desse direito ainda depende de interpretações jurídicas e de decisões judiciais", lamenta. Apesar de existirem avanços nas decisões dos tribunais que reconhecem o direito à licença para ambas as mães, "a aplicação prática desse direito ainda não é totalmente uniforme", afirma a especialista.
Após o nascimento, Vanessa tentou tirar a licença-paternidade, mas a demora no registro da filha causou mais complicações. “No serviço público, a lei diz que o pai tem direito a cinco dias de licença, prorrogáveis por mais 15, desde que, após o segundo dia de nascimento, ele registre a documentação da criança, comprovando que é pai. Como tive esse atraso para emitir a documentação da Marina e oficializar sua identidade, não consegui, de imediato, os 15 dias. Tive que entrar com um recurso administrativo no meu órgão, pedindo reconsideração, pois negaram a prorrogação dos 15 dias. Como o recurso estava em andamento, pude usufruir dos 15 dias enquanto aguardava o resultado, que só saiu sete meses depois, abonando esses dias de licença”, conta. 

Gestação compartilhada 

Reprodução/ Instagram - Amanda e Juliana, 37 anos, com os gêmeos Ana e Gael, 2
Outro caso é o de Juliana Castro e Amanda Campolina, 37 anos. O casal está junto há 17 anos e escolheu outro método de inseminação: “Depois de casadas, sempre falávamos sobre ter filhos. Então, optamos pela gestação compartilhada. Escolhemos um doador e fertilizamos os óvulos das duas. Depois, implantamos um embrião de cada uma na Amanda”, detalha Juliana. 
Em 2021, nasceram os gêmeos Ana Lívia e Gael, que atualmente têm 2 anos e 9 meses. Durante a gestação, o casal se mudou para São Paulo, pois Juliana passou a trabalhar como médica na cidade. “Ao final da gravidez, Amanda não estava trabalhando, então questionei o RH da empresa sobre como seria a licença no nosso caso. A resposta foi que o fator que dava direito à licença-maternidade era a gestação, então eu não poderia usufruir dela, tampouco da licença-paternidade, pois eu não era o pai. Foi, então, que decidimos entrar na Justiça”, explica. 
“O processo foi iniciado em julho, e as crianças nasceriam em dezembro. Então, marquei minhas férias para dezembro, para que, pelo menos nos primeiros 30 dias, eu pudesse estar com eles. O pedido foi negado na primeira e na segunda instâncias. Três dias antes de os bebês nascerem, o juiz negou novamente, argumentando que não via urgência, mesmo com o nascimento iminente. Os bebês nasceram, e ainda não havia uma decisão. Foi uma situação bem difícil, especialmente porque Gael foi para a UTI”, lembra Juliana. 
Quando suas férias estavam terminando, Juliana enviou à empresa a certidão de nascimento dos filhos, que indicava a dupla maternidade sem especificar quem havia gestado. “Um dia antes do término das férias, recebi um e-mail do RH informando que seria concedida. Assim, tive os quatro meses de licença-maternidade”, diz Juliana. 
De acordo com a advogada Liliana Marquez, o preconceito e a desinformação tanto por parte de empregadores quanto de alguns órgãos públicos são grandes obstáculos para essas mulheres. "Muitas empresas ainda não compreendem que a mãe não gestante tem os mesmos direitos à licença-maternidade, e isso pode levar a uma resistência na concessão do benefício", diz. Frente a tantos casos, a orientação da especialista é "conhecer os direitos, garantir a documentação correta e, se necessário, buscar apoio jurídico para assegurar o cumprimento das normas, tanto no registro da criança quanto na concessão de benefícios no trabalho", conclui.