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Maioria dos jovens não conhece o ensino técnico-profissional no Brasil

Pesquisa mostra que 42% dos brasileiros entre 14 e 24 anos desconhecem a formação. No entanto, quando as modalidades são apresentadas, o interesse e a procura aumentam, sobretudo na rede pública de ensino

Levantamento do Instituto de Pesquisa em Reputação e Imagem (IPRI) em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), com 2.007 pessoas de todo o Brasil, mostrou que 42% dos jovens de 14 a 24 anos não conhecem a formação técnica. "O objetivo da pesquisa era entender o que os jovens pensam sobre os cursos técnicos e a educação profissional. Também buscamos saber como eles escolhem suas profissões e como se enxergam no futuro", explica ao Correio Felipe Morgado, superintendente do Senai.

O estudo também revelou que a falta de conhecimento sobre o ensino técnico é maior entre pessoas mais jovens (52% entre os que têm 14 a 17 anos), com menor escolaridade (62% para quem tem até o ensino fundamental), que estudam em escola pública (46% versus 27% de escola privada) e que possuem menor renda (52% entre os que têm renda familiar de até um salário mínimo versus 34% para mais de cinco salários mínimos). Além disso, apenas 29% dos jovens afirmam que frequentam ou frequentaram algum curso profissionalizante. Por outro lado, 75% desses consideraram a experiência ótima ou boa.

"Não foi surpresa para nós o fato de muitos jovens não conhecerem a educação profissional. No entanto, percebemos que, quando apresentamos essa opção a eles, há grande interesse. Por exemplo, 56% dos jovens entrevistados gostariam de fazer um curso técnico após conhecerem mais sobre o assunto, e esse interesse sobe para 62% entre os jovens de 14 a 17 anos. Na escola pública, esse interesse é ainda maior, chegando a 57%. Isso mostra que a falta de informação é o principal obstáculo, e precisamos ajudar esses jovens a conhecer melhor as oportunidades disponíveis para eles", explica.

 

Benefícios

Segundo Morgado, a falta de informação sobre o ensino técnico e o desconhecimento da juventude é preocupante e está ligada à origem da educação profissional no Brasil. "O nosso país criou uma cultura elitista em que o sucesso está atrelado exclusivamente ao ensino superior. Até recentemente, o ensino médio oferecia apenas um currículo único, que direcionava para o ensino superior. Isso gerou um desconhecimento sobre a formação profissional, diferente do que ocorre em países desenvolvidos, onde a maioria dos estudantes opta pela formação profissional durante o ensino médio", conta.

Dados do Education at a Glance 2023, um estudo anual produzido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostram que apenas 11% dos jovens de 15 a 24 anos optam por fazer uma formação técnico-profissional, enquanto nos países da OCDE, as percentagens são, respectivamente, de 37% para os jovens de 15 a 19 anos e de 65% para os jovens de 20 a 24 anos. "É necessário mostrar aos jovens que essa formação oferece um acesso mais rápido ao mercado de trabalho e pode ser uma alternativa viável para quem precisa ajudar na renda familiar, sem abandonar os estudos. Hoje em dia, as profissões técnicas estão muito ligadas à tecnologia, e não são mais tão artesanais como no passado", conta o superintendente do Senai.

Valdo Virgo - Perfil dos 2.007 jovens entrevistados, entre 14 e 24 anos, nas 27 unidades da Federação

Um relatório divulgado pelo Senai, referente ao período de 2021 a 2023, traz uma análise detalhada dos cursos técnicos da instituição. Os resultados mostram que, em média, 56,6% dos egressos dos cursos da instituição estão empregados, com variações dependendo do tipo de formação. No setor industrial, por exemplo, a taxa de emprego varia entre 36,2% e 64,3%, o que destaca a importância dos cursos para o mercado de trabalho. Outro ponto importante do relatório é o aumento na renda dos egressos após a conclusão dos cursos. Aqueles que participaram de programas de aprendizagem industrial tiveram um aumento de 101% em seus salários, enquanto os que se formaram em cursos técnicos de nível médio registraram um aumento de 25%. Os cursos de qualificação profissional e graduação também resultaram em aumentos de renda, de 13,2% e 3,8%, respectivamente.

Modalidades 

Os cursos técnicos duram de 1 a 3 anos e oferecem formação em diversas áreas, como tecnologia da informação, saúde, indústria e gestão. Com uma combinação de disciplinas teóricas e práticas, são oferecidos em escolas técnicas, institutos federais e centros de formação,tanto na rede pública quanto na privada. Existem três principais modalidades: o técnico integrado ao ensino médio, em que o aluno cursa o ensino médio junto com a formação técnica; o técnico concomitante,no qual o aluno faz o ensino médio em uma instituição e o curso técnico em outra, ou em horários diferentes na mesma instituição; e o técnico subsequente, destinado a quem já concluiu o ensino médio e deseja obter uma formação técnica.

Ao concluir um curso técnico, o aluno recebe um diploma de técnico específico, um documento reconhecido nacionalmente que o habilita a exercer a profissão. Já os cursos profissionalizantes concedem um certificado de conclusão, atestando que o aluno adquiriu certas habilidades ou conhecimentos

Oportunidade

O curso técnico pode ser uma ferramenta para profissionalização daqueles que saíram da escola há um tempo e buscam melhores empregos, como conta David Ferreira, 27 anos. "Eu sou de Brasília, mas minha caminhada nos estudos começou na Bahia em escola pública. Estudei lá até o ensino médio. Quando terminei a escola, fui morar em Brasília. Entrei na faculdade de direito enquanto estava no Exército, fiz até o sexto semestre e tranquei. Ao final dos meus oito anos servindo, fui contemplado com um curso técnico do Senai, aí foi onde as portas se abriram para mim", compartilha.

"De primeira, não estava tão interessado no ensino técnico, mas eu saía da escala de serviço e usava o tempo para estudar. Comecei o curso técnico em segurança do trabalho e isso mudou minha vida. Agora sou segurança do trabalho em uma empresa que presta serviço de manutenção industrial. Eu não tinha nenhuma formação ou curso, mas, graças a formação técnica, saí do quartel de volta para o mercado de trabalho. Pronto para o mercado de trabalho, na verdade", completa David.

Arquivo pessoal -
Arquivo pessoal -
Arquivo pessoal -

Descobrimento

Giovana Fontes, 19 anos, elogia as oportunidades oferecidas pela formação técnica. "Durante toda a minha vida, eu estudei em escola pública, mas sempre quis ter um ensino melhor, então, quando terminei o ensino fundamental, vi que estavam ofertando bolsas no Serviço Social da Indústria (Sesi). Eu tentei e consegui uma. Descobri a existência dos cursos técnicos lá, porque além das aulas no Sesi, a gente fazia a formação técnica no Senai", explica.

Apaixonada por ciências exatas, a estudante escolheu o curso de matemática e suas tecnologias, e, durante as aulas, descobriu que era isso que queria para o futuro. "Depois que entrei, descobri que também era ensinado sobre programação e outras coisas. E foi daí que eu escolhi o que queria fazer. Hoje, eu faço engenharia de software na UnB, e foi essa matéria técnica do Senai que me fez ter uma explosão de pensamentos e de ideias e ter a certeza do que queria seguir", celebra Giovanna.

Alice Gonçalves, 20, também escolheu a profissão por meio de cursos técnicos. "Quando terminei o ensino médio, fiquei meio perdida sobre o que faria. Eu tinha tecnologia em mente, trabalhar com TI, mas não tinha certeza se era isso mesmo que eu queria. Então, decidi testar. Descobri os cursos técnicos por meio do meu pai e dos meus irmãos, que tinham  feito essa modalidade de ensino. Alguns meses depois de terminar os estudos, fiz um curso de operador de computador no Senai", conta.

"Com o curso, eu tive mais noção sobre tecnologia e percebi que a TI se ramifica em várias áreas, e que basta a gente escolher qual área seguir. Comecei a ficar de olho no site do Senai para ver quando surgiria um curso de desenvolvimento de sistemas, minha opção. Agora, pretendo me formar e trabalhar com programação e cibersegurança", adianta Alice.

*Estagiária sob supervisão de Ana Sá