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Diretora promove revolução em escola rural do DF e transforma a vida de alunos

Diretora promoveu uma revolução em escola na área rural de Sobradinho, onde 200 alunos têm acesso a educação integral: com alimentação de qualidade, espaço físico adequado e brincadeiras!

O afeto transborda das paredes e das relações na Escola Córrego do Arrozal. Localizada em área rural de Sobradinho, perto da divisa com Planaltina, em uma região marcada por extrema vulnerabilidade social, a instituição de ensino pública se tornou referência para crianças que iniciam a trajetória no ensino fundamental. Com o suporte de uma equipe dedicada — das áreas pedagógica, de merenda e de manutenção —, a professora Anete Cardoso, 49 anos, fez uma revolução nos últimos dois anos.

Anete, que atua na Secretaria de Educação há mais de 30 anos, assumiu, após a pandemia, o desafio de retomar as atividades presenciais com alunos adoecidos pelo período de isolamento social e com uma estrutura física defasada. O lixo se acumulava no quintal, o parquinho tinha a maior parte dos brinquedos quebrados e as salas de aula e os banheiros precisavam de manutenção urgente.

Ela começou, em 2022, à frente da direção, o processo de transformação da escola. Pesquisou em quais programas do governo local e federal poderia inscrever o colégio para receber verbas que contemplassem todas as mudanças necessárias e foi atrás de parlamentares para apresentar a proposta pedagógica e as carências dos estudantes, sensibilizando distritais a destinar emendas para reformas estruturais. 

Hoje, o cenário é bem diferente. Os 200 alunos atendidos — 100 deles em período integral — têm aulas em salas equipadas e espaços de brincadeira e de desenvolvimentos renovados. O pedido de um dos alunos, assim que ela assumiu a direção, sensibilizou Anete. Ele a levou ao quintal cheio de lixo e pediu que ali houvesse um espaço para que brincassem. Agora, um parquinho de madeira e uma horta, cultivada em parceria com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-DF), florescem no local.

"Mas não eram só melhorias no prédio. Precisávamos também de melhorias nas relações humanas, nas relações com as crianças", destaca Anete. "Elas estavam ainda muito adoecidas, sedentas de uma vida nova, porque têm poucas oportunidades. São crianças que estão acampadas, que têm privação de água, de alimentação", completa.

Ela, então, reuniu os professores e definiu os pilares que guiaram o projeto pedagógico da escola: uma educação em tempo integral, antirracista e em direitos humanos. "Aqui, nossa comunidade tem um pilar quilombola e negro, mas, ao mesmo tempo, tem muito preconceito, além de racismo religioso", explica a diretora. "Essa era uma questão a ser discutida diariamente, para termos a oportunidade cultural de conhecer a nossa ancestralidade."

O brincar também passou a ser mais presente na rotina da escola, como forma de contribuir para o desenvolvimento das crianças e ajudar a reduzir a agressividade que apresentavam no retorno às aulas. "Nessa volta, as crianças estavam muito agressivas, não estavam conseguindo conviver, até porque passaram muito tempo sem se relacionar com outras pessoas", detalha Anete, que inclui no calendário também atividades como capoeira, maculelê e circo.

"Nossa escola é um espaço em que a criança pode vivenciar várias experiências e levar tudo o que aprende para a vida. Por isso, afirmamos que toda escola é o centro de uma comunidade: ela une o ser, o estar, o brincar, o cuidar, o comer, o expressar... Tudo de forma coletiva e, ao mesmo tempo, valorizando a individualidade dos pequenos", ressalta.

Arquivo pessoal -
Arquivo pessoal -
Fotos: Arquivo pessoal -
Mariana Niederauer/CB/D.A. Press -
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Mariana Niederauer/CB/D.A. Press -
Mariana Niederauer/CB/D.A. Press -
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Fotos: Mariana Niederauer/CB/D.A. Press -
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Comida na mesa

O primeiro passo importante para garantir a estrutura adequada para o ensino em tempo integral foi a adesão ao Programa Escola em Tempo Integral, coordenado pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação. Começaram a chegar recursos que ajudaram a atender a uma necessidade urgente: a segurança alimentar dos estudantes.

Na região, há dois assentamentos e ao menos nove acampamentos. Nem a coleta de lixo ou água encanada chegam às casas das famílias. Para muitas das crianças que estudam lá, a Escola Córrego do Arrozal é o único local em que conseguem cuidar da higiene e se alimentar com qualidade. Os alunos do período integral ficam 10 horas na instituição e recebem quatro refeições diárias.

"As crianças, quando chegam aqui, precisam recompor aprendizagem, porque elas vivem o que a gente pode chamar de um deficit de oportunidades. Então, nós passamos a buscar territórios educativos fora do ambiente escolar. Para onde eu posso ir com essa criança para ampliar a aprendizagem dela? Um teatro, um parque, uma chácara, um clube. Eu fui vendo a cidade como um grande território educativo e comecei a peregrinar", conta Anete.

Exposições nos principais museus de Brasília e pontos históricos da cidade são os locais das visitas planejadas pela diretora junto à equipe pedagógica. Orquestra e cinema também entram na lista sempre que possível. A escola ganhou ainda uma biblioteca renovada. Uma professora se encantou pelas fotos do espaço que foram postadas em uma rede social e entrou em contato pedindo para trabalhar lá. Além de livros, os estudantes ganharam uma guardiã para o acervo.

O próximo passo é a expansão da escola. Com recursos do Programa de Educação Integral (Proeiti), do Governo do Distrito Federal, em parceria com a Novacap, serão construídas seis novas salas de aula, o que possibilitará atender a todos os 200 alunos em tempo integral. "Com isso, você precisa pensar metodologias diferentes para a criança não ficar cansada, para ela gostar de estar na escola e, principalmente, para que ela saia da rua, saia da violência", diz Anete, que reforça a importância da escola em tempo integral para combater situações de abuso sexual e de trabalho na infância.

O caminho

A trajetória de Anete na educação começou aos 18 anos, quando ela terminou o ensino médio já formada no magistério, pela Escola Normal de Planaltina. Ela atuou em sala de aula com estudantes de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. O primeiro trabalho, já como concursada da Secretaria de Educação, foi numa escola do campo, também em Planaltina, cidade onde mora até hoje.

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Anete perdeu pai e mãe ainda na infância, e foi criada pela avó paterna, em situação de extrema vulnerabilidade. "Ela (avó) tinha pouco estudo, mas sempre nos incentivava a estudar", relata. A escola onde trabalhava era perto de casa, a professora podia ir a pé, fator decisivo para escolher a carreira. A paixão pela educação veio depois e aos poucos, à medida que tinha contato com autores que a ajudaram a despertar para o sentido de tudo aquilo, como o pensador Paulo Freire e o pedagogo e filósofo Moacir Gadotti.

Em 2006, formou-se pela Universidade de Brasília (UnB) em pedagogia e fez especialização em formação docente pela mesma universidade em 2013. Lá, atuou também como formadora de professores pelo Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). Os filhos, de 16 e de 24 anos, estudaram sempre em escola pública. A mais velha escolheu a carreira de moda e Anete ainda tenta convencer o caçula a seguir os seus passos e tornar-se professor.

"Eu tenho amor pelo meu trabalho e sou muito grata. Tudo o que eu tenho, a pobreza de onde vim para o que eu tenho hoje, é graças ao meu trabalho", relata. "Eu me vejo nessas crianças", diz, em referência aos alunos da Escola Córrego do Arrozal. "Eu não tinha muitas oportunidades. A educação abriu todas as portas para mim. Tenho um trabalho, uma família, um propósito, pude conhecer outros lugares."