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Saiba quem é o professor que doou R$ 25 milhões ao Fundo Patrimonial da USP

Stelio Marras perdeu a família recentemente e recebeu, como herança, um prédio com cinema criado pelo pai nos anos 70. O imóvel, avaliado em R$ 25 milhões, foi destinado em testamento ao subfundo USP Diversa para ajudar estudantes de baixa renda

Em meio a um contexto de desigualdades socioeconômicas, um ato de humanidade marcou a educação pública e o futuro profissional de universitários do país. A doação de um imóvel avaliado em R$ 25 milhões chega ao Fundo Patrimonial da Universidade de São Paulo (USP), e com uma condição: ser destinada a milhares de estudantes em situação de vulnerabilidade e com a permanência acadêmica ameaçada. O doador foi o professor e antropólogo Stelio Marras, 54 anos, que viu, no ato, uma forma de fazer a diferença no mundo e de honrar sua família, infelizmente, recém-falecida.

Registrado em testamento, o aporte é o maior recebido pelo fundo, que foi criado em 2021 para financiar e fomentar as atividades da USP — responsável por cerca de 20% da pesquisa acadêmica produzida no Brasil e a 16ª instituição de ensino que mais produz pesquisa no mundo. O docente decidiu tornar o ato público para voltar as atenções à situação estudantil e incentivar outros, sobretudo, os mais ricos, a contribuírem para o ensino superior nacional, lançando um caminho para a igualdade.

Herança

Em entrevista ao Correio, Stelio diz que, como especialista social e diante da criação familiar que teve, não poderia ter tomado uma decisão diferente. "Viver como um milionário é dar as costas para a sociedade e para o ambiente. E Deus me livre viver numa ilha milionária, cercada por um mar de pobreza e miséria. Não caberia, na minha cabeça, na minha alma, fazer algo diferente. O mundo é muito desigual e o Brasil, como sabemos, é campeão nesse quesito."

De origem humilde, ele afirma que ninguém da sua família foi rico e que a herança que recebeu, um prédio residencial com cinema localizado em Minas Gerais, foi construída com muito trabalho. Seu pai, Edoardo Luciano, nasceu no início do século 20 em Turim, norte da Itália, e saiu pelo mundo retratando os chamados "elegantes da estação". "Quem não viu o filme Titanic, né. E aquele personagem do (Leonardo) DiCaprio é exatamente meu pai. Muito pobre, ele pintava as pessoas e ganhava uns trocados. Às vezes, ele tinha que escolher comer ou pegar a condução. Então, comprava banana e ia andando, jogando a casca para trás. É a história que ficou na família", lembra.

No fim dos anos 1930, o último destino do retratista foi Poços de Caldas, importante estação balneária de Minas Gerais, onde decidiu fincar raízes. "Com as guerras, se ele voltasse (à Itália), teria de servir ao exército de Mussolini e dar todo o dinheiro que eventualmente tivesse", explica. Edoardo logo conheceu a mãe de Stelio e, para sustentar os filhos, na década de 70, construiu o cinema UltraVisão, que foi doado à USP.

Quando o pai morreu, em 1981, Stelio tinha 11 anos de idade. Tempos depois, o irmão caçula, Leandro Tullio, era quem administrava o cinema, até 2022, quando faleceu inesperadamente por complicações de saúde. Sua mãe, Ruth São Juliano, passou a vida dedicando-se ao cuidado da família. "Uma mulher da terra, mineira, que me deu o principal da vida, o que eu chamaria de ética da modéstia, da moderação, de uma vida simples e frugal", pontua Stelio sobre a mãe, que faleceu em fevereiro, aos 80 anos.

"Eu sou um ex-milionário sem nunca ter sido. Ainda estou em luto, muito impactado. Eu não assumiria tocar esse cinema por conta da docência, pelo regime de dedicação integral, mas também por uma questão sentimental, porque, sem eles lá, não faz sentido. Como se diz hoje, né? Meu pai conseguiu fazer do limão uma limonada, e é o que estou tentando fazer também."

Arquivo pessoal -
Arquivo pessoal -
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Carreira

Primeiro da família a completar o segundo grau, Stelio é docente e pesquisador no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) há 10 anos. No início da década de 90, ele estava imerso no universo do cinema e fazia aulas de teatro, mas decidiu sair de Poços de Caldas para prestar vestibular em São Paulo e ingressou no curso de ciências sociais na USP, onde consolidou sua formação acadêmica.

Após a graduação, emendou um mestrado na área de antropologia, no qual foi destaque com a tese A propósito de águas virtuosas: formação e ocorrências de uma estação balneária no Brasil, premiada, em 2003, como a melhor dissertação de mestrado do ano pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Tão importante quanto o prêmio, ele cita a criação da revista interdisciplinar Sexta-Feira - Antropologias, Artes e Humanidades, da qual foi coeditor.

"Esse prêmio foi muito importante, mas não menos que o grupo da revista. Em torno dela, não só selamos amizades, como conspiramos juntos antropologias e outras coisas. Com essa publicação, nós conseguimos fazer um trânsito entre a produção acadêmica e o interesse pela divulgação científica. Uma espécie de ponte que teve um papel de inovação editorial e de difusão científica bastante atraente na época", ressalta Stelio.

Da faculdade para a vida, o grupo de amigos continua unido. "Minha família é muito pequena, então acho que o maior acolhimento foi mesmo dos meus amigos e amigas queridos que, desde a graduação, têm sido a minha turma, e eu devo muito a eles por isso." Além deles, Stelio destaca Laila Monique de Melo, 31, que entrou como funcionária do cinema há muitos anos e agora trabalha como "secretária irmã" do pesquisador. "Ela cuidou do meu irmão, da minha mãe, hoje me acompanha e é uma pessoa extraordinária, também uma grande herança que recebi do meu irmão."

Arquivo pessoal -
Fotos: Arquivo pessoal -
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Dívida

Apesar de estar feliz com a ação solidária, ele revela que acabou fazendo uma dívida. "Fiquei endividado com irmãos para que esse prédio que eu doei ficasse apenas no meu nome. São custos advocatícios com inventários, impostos, regularização, manutenção etc. Eu acho que, aos poucos, vou conseguir quitar essas dívidas nos próximos anos, inclusive, com ajuda do meu salário de professor", pondera. Por outro lado, não se arrepende da decisão. "O importante é que, se eu morrer amanhã, haverá bolsas de permanência estudantil do subfundo USP Diversa para cotistas sociais e raciais, ou seja, grupos social e economicamente minoritários, vulneráveis."

Ele diz que a cara, a cor e a agenda da universidade pública, com as cotas, avançaram nos últimos anos, mas ainda há desafios. "O problema é que eles entram e a evasão é enorme, eles não têm condição de ficar. É preciso corrigir isso." E reflete sobre a desigualdade no país: "Eu adoro viver e quero viver, mas estou convencido de que dar as costas à mortalidade é um modo bastante perverso de perpetuar concentração de riqueza, bens, patrimônio. Como se fosse uma espécie de negacionismo da vida e da sociedade."

Repercussão

Desde que o irmão Leandro faleceu, Stelio comentava sobre a doação, mas ouviu opiniões diferentes sobre o que fazer com a herança. "Teve gente dizendo 'para com isso rapaz, peça demissão e vá viver na Europa, andando o mundo', uma coisa horrível", conta. Ele também se percebeu incomodado com comentários na internet. "As pessoas se mostram muito surpresas e mesmo perturbadas com o fato de eu renunciar ao desfrute de uma fortuna. É como se a filantropia fosse um absurdo, e mais ainda porque, no meu caso, trata-se de uma doação que faço não no final da minha vida."

O antropólogo observa ainda uma cultura de doações anônimas no país e defende que, de alguma maneira, era preciso romper isso com "alguém dando as caras". "O que me animou a sofrer essa exposição, que não é nada confortável para mim, é estimular outras pessoas a atos de solidariedade como esse. Eu noto que está havendo mais doações e mais interesse de entidades em divulgar algo que ainda é pouco praticado", relata.

Ao decidir tornar sua doação pública, Stelio também recebeu depoimentos emocionantes, como o da estudante Cristiane Aparecida Silveira Monteiro, que mostrou que ações como a dele mudaram a vida dela. "Eu, filha de um cortador de cana e de uma empregada doméstica, iria desistir do curso se não fosse a Bolsa Eduardo Panades. Conclui o curso de enfermagem em 2003, fiz mestrado e doutorado. Trabalhei em sua terra natal (Poços de Caldas) por 12 anos e hoje sou professora na Universidade Federal de Alfenas. Não me tornei uma referência de vida nem de pesquisa nem de nada, mas consegui dar aos meus pais uma vida digna e com um pouco de conforto", relata. "Nada disso teria sido possível se não fosse o acesso e a permanência viabilizados pela bolsa. Imagino quantas 'Cristianes' terão as suas vidas transformadas pelo seu gesto...", escreveu Cristiane.

Arquivo pessoal -
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