Eu, Estudante

Gente que inspira

Conheça o trabalho das contadoras de histórias do Hospital de Base do DF

Histórias para alegrar o coração é o nome do grupo que leva esperança a pessoas carentes no HBDF. Por meio da contação, elas acolhem e inspiram pacientes em tratamento, e recebem sorrisos e aplausos como gratificação

Todas as terças-feiras, o grupo de contação de histórias da Associação Amigos do Hospital de Base do Distrito Federal (AAHB) se reúne para planejar a surpresa do dia. No início da tarde, todos sabem: é hora de subir para a enfermaria. De jaleco lilás e crachá, com adereços e muito carisma, elas entram nos leitos se apresentando e perguntando aos pacientes se gostariam de ouvir uma história. A resposta é quase sempre a mesma: sim! E, então, o show começa. Lágrimas de emoção mostram o que o coração sente: esperança.

As apresentações, geralmente sobre superação, alimentam pensamentos positivos e renovam o estado de espírito de quem as ouve. São uma pausa na rotina de exames, medicamentos e incertezas sobre o dia de amanhã. Os benefícios da interação são observados tanto no tratamento dos pacientes, com as mais diversas enfermidades, quanto no desenvolvimento pessoal dos voluntários, que destacam a importância e a satisfação de fazer o bem ao próximo.
 
 
 
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Organização 

Escritora, ex-empresária e jornalista aposentada, Madalena Rodrigues é uma das coordenadoras do grupo de contação e dá detalhes sobre o trabalho. “Nós fomos desenvolvendo, ao longo do tempo, esse modo de contar histórias, que não é pegar o texto e ler, mas contar com as próprias palavras, da maneira mais natural possível  e em contato, olho no olho, com o paciente.” As narrativas recebem uma capa especial, feita por Fernando Lopes — ilustrador por muitos anos no Correio —, e são contadas nos quartos da enfermaria do hospital, em duplas ou trios.
Além de Madalena, há outras três coordenadoras: Rosa Maria Maciel, Zouraide Guerra e Regiane Valério. O grupo é formado por nove mulheres, ativas e aposentadas, que se reuniam às quartas-feiras, mas tiveram de parar devido à pandemia da covid-19. Após a crise sanitária, elas enfrentaram dificuldades para retomar as atividades no hospital e Madalena foi quem propôs à presidente da associação, Maria Oneide Miranda, a criação de uma nova dinâmica, às terças-feiras, com direito a um manual feito por elas.
Kayo Magalhães/CB/D.A Press - Fim do dia: reunião no jardim do hospital para contar os feedbacks

Método 

Junto à forma diferenciada de contar histórias, as voluntárias encontraram maneiras de chamar a atenção dos pacientes e deixar a experiência mais intimista. A química Regiane Valério, umas das coordenadoras, ressalta a importância dos acessórios. “Depois da primeira experiência, a gente percebeu que o adereço tira o foco do jaleco e, à medida que a gente passa pelos corredores do hospital, vai espalhando a alegria. O pessoal começa a olhar e sorri. Muda o ambiente, é incrível. Então, mesmo sendo para adultos, a gente sobe assim, linda”, brinca. 
Sobre a receptividade dos pacientes, a voluntária Valquíria Andrade, 64, delegada aposentada, observa um retorno positivo. “Em cada quarto é de uma forma, porque a gente não fala a moral da história. E nesse processo de olho no olho, eles vão sentindo a confiança, vão se soltando e, no final, até se abrem e contam as próprias vivências. É uma reciprocidade muito boa.” Madalena completa: “Antes de falarem de si, muitas vezes, eles aplaudem. E, para mim, não tem um sinal mais evidente de que fez bem a eles, e a nós também.” 
As contadoras observam que alguns pacientes ficam um longo período internados e que as famílias têm dificuldade para acompanhá-los e visitá-los. Outros vêm de outros estados para o tratamento e não têm parentes e amigos próximos. As condições de saúde são as mais diversas. “Em cada andar, há uma especialidade. Tem diferentes tipos de cirurgia, cardíacos, câncer, e a gente se depara com muitas pessoas com um membro amputado. A maioria é muito carente”, explicam. 

Ubuntu 

Correio acompanhou de perto um dia de trabalho do grupo de contação de histórias para entender como funciona, de fato, a ação das voluntárias. Naquele momento, o grupo ensaiava a lenda africana Ubuntu, que significa, na cultura Zulu e Xhosa, “eu só existo porque nós existimos” ou “eu sou porque nós somos”. 
A lenda conta que, certa vez, um antropólogo visitou uma comunidade africana e propôs uma brincadeira às crianças que viviam ali: quem chegasse primeiro em determinado ponto, receberia toda a recompensa. Quando o sinal tocou, os pequeninos deram as mãos e chegaram juntos ao destino, dividindo tudo igualmente entre eles. 
Após ouvir a história, um dos pacientes, Eumir Pereira da Silva, 63 anos, que veio de Bom Jesus da Lapa, interior da Bahia, para fazer um tratamento no HBDF, ficou muito emocionado. “Essas histórias preenchem, a gente desabafa um pouco. Estou prestes a fazer uma cirurgia pesada, e não é fácil. Então, a gente tem que se apegar a Deus e ao amor. Por pior que seja, a gente recebendo amor, amanhã ou depois a gente vai procurar alguém para dar”, compartilha. Ele agradeceu a visita e o apoio de todos e, em seguida, saiu do quarto otimista para um exame pré-operatório.
Kayo Magalhães/CB/D.A Press - Emocionado após ouvir a lenda africana Ubuntu, Eumir Pereira, 63 anos, fala sobre amor ao próximo

Depoimentos 

Há dois meses na enfermaria, Madalena Camargo de Carvalho, 77 anos, veio de Patos de Minas para Brasília, aos 14 anos, e hoje mora em Taguatinga. Ela frequenta o HBDF há dois anos e, recentemente, teve de ser internada para realizar um procedimento cirúrgico. “O dia a dia está sendo difícil. Depois da cirurgia, é a pior fase, a gente fica mais debilitado. Mas, quando elas chegam, melhora muito, são alegres”, diz. A paciente está sendo acompanhada pela cuidadora e pelo neto, Caio Carvalho de Moura, 23, que acredita que “o bom humor e a perseverança são pontos cruciais” para o sucesso do tratamento. 
O goiano Silvio Chedid, 72 anos, está na enfermaria há cerca de 12 dias para monitoramento cardíaco e também acompanha o trabalho das voluntárias. “Na luta da vida, no dia a dia, você vai esquecendo de muita coisa. Às vezes, são princípios pequenos que você deixa de lado. E viver num ambiente desses, numa condição melhor, você se vê até privilegiado em relação aos outros, como nosso amigo ali, que tem que fazer transplante. Você está no ambiente hospitalar, vê gente sofrer, então esses poucos minutos de descontração ajudam muito.” 
Silvio recebeu a visita dos filhos, Frederico, 28, e Guilherme, 20, que se preparam para a cirurgia do pai. “Quando você está no pré-operatório, tudo é muito tenso. Então, uma distração, um ambiente de alegria, é muito bom e acaba revertendo para a questão física e emocional, que ficam mais tranquilos”, defende Frederico. “Eu acredito que tenha muita gente que não recebe visitas, e isso pode incluir mais as pessoas. O social é importante também”, complementou o caçula.
Kayo Magalhães/CB/D.A Press - Contadoras com Silvio Chedid, 72 anos, que aguarda uma cirurgia cardíaca

A associação 

Além de terapêutica, a prática tem um importante papel social, num contexto em que 77% dos brasileiros não têm assistência médica privada. O superintendente do HBDF, Guilherme Porfírio, destaca a relevância do projeto para a saúde pública. “Quando o paciente fica mais alegre e motivado, é quando o sistema imunológico começa a reagir, e, com isso, ele pode ir para casa mais rápido. Se eu diminuo o tempo médio de permanência de um paciente internado, eu vou conseguir atender mais pessoas que precisam. Então, o trabalho que eles (voluntários) fazem aqui é fantástico.”
A rede de serviço social do hospital acompanha os pacientes internados e identifica os que precisam de suporte para, então, acionar a entidade. “É um fluxo bem profissional, o serviço social que faz esse encaminhamento. Quando os casos chegam, a gente já sabe que é realmente um paciente carente, que houve um estudo social da vida dele”, explica a presidente da associação, Maria Oneide, que participa dos trabalhos desde a adolescência e assinou a ata de fundação da organização. 
A AAHB foi desenvolvida por gestores, colaboradores e membros da sociedade civil em setembro de 1998 e hoje conta com 61 voluntários ao todo. Além das visitas especiais das contadoras, são oferecidas sessões de reiki, apresentações musicais e apoio assistencial a pacientes carentes, fornecendo gratuitamente roupas, cobertores, medicamentos, cestas básicas, muletas, cadeiras de rodas, kits de higiene, transporte e mais. O trabalho é possível graças às contribuições — de itens, de dinheiro e do precioso tempo de cada um. 

Como ajudar 

A AAHB funciona 100% à base de doações e das vendas do bazar. Os interessados em ajudar podem ir presencialmente à sede da Associação Amigos, no estacionamento interno do Hospital de Base, no centro de Brasília, ou entrar em contato pelo Instagram @assocamigosdohospitaldebase. “Seja você também um voluntário, estamos sempre precisando de mão de obra. A associação é isso: são amigos do hospital que estão aqui para doar amor, abraços e sorrisos. Estamos esperando você”, convoca Maria Oneide.
Eduardo Vanuncio -
Kayo Magalhães/CB/D.A Press -
Kayo Magalhães/CB/D.A Press -