rumo à equidade

Concurso para diplomata: mais chances para mulheres em 2024

Atualização do CACD neste ano inclui, pela primeira vez, mecanismo de proporcionalidade de gênero entre as etapas da seleção. Mulheres que se preparam para o certame revelam suas percepções sobre a mudança

Marina Rodrigues
postado em 28/07/2024 06:00 / atualizado em 28/07/2024 06:29
Camila Araujo, 23 anos, vê avanços na paridade, mas reconhece que há muito a ser feito:
Camila Araujo, 23 anos, vê avanços na paridade, mas reconhece que há muito a ser feito: "Um desafio que vou encontrar" - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Pessoas de todo o Brasil, em especial, as mulheres, têm mais uma chance de ingressar na carreira diplomática e compor os quadros do Ministério das Relações Exteriores (MRE) — ou Itamaraty, como é conhecido. Realizado anualmente pelo Instituto Rio Branco (IRBr) e pelo Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD) prevê, na segunda fase deste ano, a convocação adicional de até 75 candidatas do gênero feminino. 

“Verificou-se que, historicamente, as mulheres inscritas não obtêm bons resultados no teste de pré-seleção e, portanto, não atingem a segunda fase, que é onde os conhecimentos dos candidatos são verificados de maneira aprofundada”, revela ao Correio a diretora-geral do IRBr, embaixadora Mitzi Gurgel Valente da Costa. 
A medida, tomada no âmbito do Programa Federal de Ações Afirmativas (PFAA) do governo, não altera o critério de aprovação geral do concurso, que prioriza as maiores notas. “Note-se que não há corte no número de homens selecionados ao fim da primeira fase, e sim a ampliação do número de mulheres que passam à fase seguinte”, esclarece Mitzi. A ampliação diferencia-se, ainda, da reserva para pessoas negras e com deficiência, que atendem à legislação. 
Outras novidades são a redução do número de fases, de três para duas, e a nova opção de escolha entre espanhol e francês, permitindo maior diversidade de candidatos nos campos econômico, social e regional. O CACD oferece 50 vagas, com remuneração inicial de R$ 20.926,98. As inscrições foram encerradas em 26 de julho.  

O que muda 

Haverá a convocação para a segunda fase das 140 pessoas mais bem classificadas em ampla concorrência, incluindo homens e mulheres. Em seguida, com a atualização do edital, serão chamadas as 35 mulheres mais bem posicionadas. O órgão também convocará 140 pessoas negras, entre homens e mulheres, mais 35 mulheres negras; bem como 20 pessoas com deficiência e mais cinco mulheres PcD. 
Os candidatos aprovados nas fases no concurso (veja o quadro abaixo) ingressam no cargo de terceiro secretário da carreira de diplomata, de acordo com a ordem de classificação obtida (confira abaixo os requisitos para tomar posse). A formação dos profissionais tem duração de três a quatro semestres e inicia-se no curso do IRBr, a mais antiga escola de governo do Brasil, reconhecida como uma das melhores academias diplomáticas do mundo. 

 

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Requisitos para tomar posse do cargo de diplomata e cronograma do CACD 2024 (foto: editoria de arte)

Conscientização

Preparando-se para o concurso, a brasiliense Camila Araujo Tanús Galvão, 23 anos, ressalta que a participação feminina na diplomacia brasileira é crucial não apenas para garantir uma representação autêntica do país, onde a população é composta majoritariamente por mulheres — 51,5%, segundo o Censo Demográfico 2022 —, mas também para enriquecer as políticas externas com diversidade de perspectivas e experiências. 
“É fundamental reconhecer que essa representação não pode ser limitada apenas às mulheres brancas, como é o meu caso. É necessário incluir mulheres negras, indígenas, LGBTQIA+, pessoas com deficiência e de diferentes faixas etárias. A diversidade na diplomacia brasileira permite refletir a complexidade e a pluralidade de nossa sociedade”, defende. 
Estudante de relações internacionais na Universidade de Brasília (UnB), Camila conta que foi exposta ao tema desde o primeiro dia de aula, a partir de uma dinâmica proposta pelo professor. “Durante a aula de introdução, meu professor levou uma bola de futebol americano e pediu para que cada aluno falasse uma semelhança entre o esporte e a diplomacia. No final, a resposta esperada por ele era que, assim como naquele ambiente esportivo, na diplomacia predominavam homens.” 

Luta constante 

De 2019, quando entrou no curso, para cá, ela vê poucos avanços em relação à paridade de gênero na carreira e reconhece que ainda há muito a ser feito. “É triste que cinco anos depois dessa aula tenham ocorrido poucas melhorias. Minha esperança é que o Programa Federal de Ações Afirmativas (PFAA) instituído no edital de 2024 ajude a avançar ainda mais nesse quesito”, almeja a graduanda.  
Durante a graduação, assistindo a uma palestra, Camila conheceu uma diplomata interessada em montar um grupo de estudos para a diplomacia exclusivamente com mulheres. “Felizmente, nosso contato perdura e algo que ela sempre mencionou foi a luta para mulheres chefiarem cargos mais estratégicos e disputados dentro do Itamaraty. Fico feliz em desde já acompanhar o crescimento da Associação das Mulheres Diplomatas Brasileiras (AMDB) e ver que, apesar de devagar, aos poucos isso está mudando. No entanto, acredito que esse ainda será um desafio que eu vou encontrar.” 

Dupla missão

  • Sara Rodrigues, 33, quer representar as mulheres negras no MRE:
    Sara Rodrigues, 33, quer representar as mulheres negras no MRE: "Não acredito que será fácil" Arquivo pessoal

A professora de inglês Sara Rodrigues, 33 anos, também está se preparando para o concurso. Ela vê a medida como necessária diante do padrão masculino que ainda marca a atuação da categoria.”É uma carreira que exala masculinidade. As mulheres têm chefiado poucos postos diplomáticos. Isso é apenas um exemplo do quão desigual ainda estamos em questão de gênero”, expõe, referindo-se à distribuição de cargos para homens e mulheres no quadro nacional — 77% contra 23%, respectivamente. 
Moradora de Cachoeira, Bahia, Sara também reflete sobre o desafio de passar no certame sendo uma mulher negra no Brasil. “Talvez isso seja apenas o começo dos vários desafios que encontrarei sendo uma diplomata negra. Não acredito que será fácil”, diz. Além disso, sendo mãe solo, ela terá de se preocupar ainda mais com os cuidados e o bem-estar da filha, Kwena Dandara, 4 anos, caso precise se mudar para Brasília. “Eu penso nisso todos os dias; em qual escola a minha filha vai estudar, se ela se sentirá acolhida, qual casa ou apartamento ficarei etc.” 
“Eu cresci ouvindo que primeiro eu teria de priorizar limpar, deixar a casa organizada e cozinhar, e só depois eu poderia estudar. Ouvia isso tendo menos de 18 anos e era assim que eu seguia a minha rotina, mesmo sabendo que era injusto, já que meus irmãos homens não precisavam dessas obrigações”, lembra. Sara afirma que as demandas de cuidado que recaem sobre a mulher acabam dificultando a rotina de estudos: “O mundo precisa e depende muito de nós, mulheres, e é por isso que, muitas vezes, focar apenas nos estudos ou ‘ape - nas’ em estudar e trabalhar é um   privilégio. Então, sim, equiparar as vagas entre gêneros é mais que necessário.” 

Ações afirmativas

Sara Rodrigues se candidatou às vagas reservadas para cotas raciais, já que não há cotas específicas para mulheres ou mulheres negras. “Eu sou fruto das ações afirmativas. Aos 12 anos, minha família passou a receber o Bolsa-Escola (atual Bolsa Família). Isso me ajudou a concluir o ensino básico. No vestibular, concorri por meio das reservas de vagas como estudante negra de escola pública. Durante a graduação, foi necessário, para poder concluir os estudos com êxito. No mestrado, da mesma forma. Então, para concorrer a uma vaga no Itamaraty, não seria diferente”, compartilha Sara.
Ela destaca, ainda, a importância de políticas de inclusão e da conscientização de instituições públicas, como o MRE, numa nação de desigualdades. “É por meio das ações afirmativas que consigo enxergar mais possibilidades para encarar uma prova tão elitista em um país muito desigual e racista. Portanto, as cotas para pessoas negras são essenciais. Representar o Brasil no exterior sendo uma mulher preta é de suma importância para o Itamaraty ", reitera.

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