Estudantes que se tornam mães ou pais durante a formação acadêmica enfrentam barreiras na conciliação dos estudos e dos cuidados com os filhos. Entre as principais dificuldades, estão a busca por uma rede de apoio, para que eles possam se dedicar às atividades da faculdade, e o gerenciamento do tempo, que deve ser dividido entre as demandas acadêmicas e as necessidades das crianças.
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Com a lei, estudantes que se tornam mães ou pais em meio à formação acadêmica passam a ter direito à prorrogação do prazo para conclusão de disciplinas, entrega de trabalhos finais, incluindo trabalhos de conclusão de curso (TCC), e realização de sessões de defesa de teses e de publicações exigidas. Em caso de gravidez de risco ou atuação em pesquisa que implique risco à gestante ou ao feto, o prazo mínimo de 180 dias também está valendo. Quando o filho nascido ou adotado for pessoa com deficiência (PcD), a ampliação do período para formação pode ser de, pelo menos, 360 dias.
Permanência e inclusão
Para a senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO), que foi relatora da matéria na Comissão de Educação (CE) e na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, a medida não só facilita a conciliação da maternidade ou paternidade com os estudos, mas também estimula que mães e pais estudantes permaneçam na formação.
“Para além da gestação normal, pode haver intercorrências, tem o período de adaptação, tanto no pós-nascimento como na adoção, e nos programas de graduação e pós há prazos a serem cumpridos, que se chocam com os prazos naturais de um processo de nascimento ou adoção. Então, a lei é muito importante porque dá condições para o exercício da maternidade e da paternidade sem que os estudantes sejam prejudicados, além de estimular pesquisadores que estão envolvidos em grupos de pesquisa”, afirma.
Para Liliana Marquez, conselheira e presidente da Comissão de Direito das Famílias e Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil do DF (OAB/DF), a matéria também possibilita apoio psicológico e emocional aos beneficiados, além de promover a inclusão por meio do reconhecimento da diversidade de casos.
“A lei oferece um reconhecimento institucional das dificuldades enfrentadas por pais estudantes, o que pode melhorar seu bem-estar e engajamento acadêmico. Além disso, promove uma política mais inclusiva, reconhecendo a diversidade das situações dos estudantes e garantindo que todos tenham oportunidades iguais de concluir sua formação”, expõe.
Desigualdade de gênero
Apesar de beneficiar mães e pais estudantes, a nova legislação afeta, em maior peso, as mães. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres, que representam 51,5% da população brasileira, segundo o Censo 2022, somam 21,3% das pessoas com ensino superior completo, contra 16,8% dos homens. Apesar disso, no mesmo ano, 53,3% delas estavam inseridas no mercado de trabalho, em comparação com 73,2% deles.
Ainda, a maior parte dos alunos de pós-graduação (54,54%) é formada por mulheres, de acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do MEC. No entanto, cerca de 30% delas abandonam os estudos de pós devido aos desafios de conciliar a vida acadêmica e a maternidade, afirma a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
As desigualdades entre os gêneros podem ser explicadas pela divisão no trabalho de cuidado, desempenhado majoritariamente por mulheres. De acordo com o IBGE, em 2022, elas dedicaram 9,6 horas semanais a mais do que homens aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas — 21,3 horas contra 11,7 horas. Para Liliana Marquez, o desequilíbrio no trabalho de cuidado prejudica o crescimento profissional das mulheres e é um empecilho para a igualdade salarial.
“As mulheres frequentemente assumem uma parte maior das responsabilidades de cuidado, o que pode limitar seu tempo e sua energia para o desenvolvimento profissional. Essa desigualdade resulta em maiores taxas de abandono ou interrupção de carreira entre elas, prejudicando suas oportunidades de crescimento e promoção. Além disso, a dedicação maior ao trabalho de cuidado contribui para a manutenção da diferença salarial entre os gêneros. Aquelas que tentam conciliar carreira e maternidade, muitas vezes, enfrentam estigma e discriminação, o que pode dificultar ainda mais sua progressão profissional”, explica Liliana.
Conciliação de rotinas
Yasmin Lacerda, de 23 anos, é estudante de medicina do 11° período na Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba e tem um filho de um ano. Ela conta que a maior dificuldade que enfrenta para conciliar os estudos com a maternidade é o gerenciamento do tempo, principalmente, no período de internato, no final do curso. Porém, ela conta com o apoio do esposo e dos pais, o que considera essencial para a continuidade de sua formação.
“Um bebê demanda muito cuidado, atenção e zelo, então, para você conciliar com uma faculdade de medicina, ainda mais no internato, isso demanda que você tenha uma rede de apoio para ter tempo de realizar os estágios e as demandas da faculdade. Você precisa se virar nos 30 para, no tempo livre, conseguir encaixar as tarefas. Meu filho ocupa 90% do meu tempo, então, nos 10% livres, eu tenho que me dedicar ao máximo para fazer com que meus estudos sejam produtivos. Graças a Deus, tenho uma rede de apoio muito boa, meu esposo é um pai muito presente, e isso ajuda muito a dar continuidade aos estudos”, compartilha.
Yasmin desenvolveu o TCC quando estava grávida e relata que a rotina de produção do trabalho com a gravidez foi puxada, mas optou por não tirar licença-maternidade pelo atraso que teria na formação: “Se tirasse a licença, só iria me formar depois, e a faculdade puxa muito essa correria de ter que fazer as coisas logo, na intenção de não perder o curso”. Por sorte, seu filho, Enzo, nasceu quando ela estava de férias do curso, facilitando a adaptação à nova rotina. Para ela, a lei que amplia o prazo para a formação de mães e pais teria lhe ajudado muito na época, caso estivesse em vigor.
Hoje, com o filho de um ano, Yasmin considera que a rotina está mais leve, mesmo com as demandas da faculdade, “até porque me adaptei à maternidade”. Ela pretende se formar e fazer residência, modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos, buscando se especializar em neurologia.
Igualdade
*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá
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