Faculdades acusam MEC de dificultar abertura de novos cursos de medicina
Ministério da Educação, Supremo Tribunal Federal, Conselho Federal de Medicina e entidades protagonizam o embate, que envolve o nível de qualidade necessário para autorizar novas formações médicas
postado em 14/07/2024 06:00 / atualizado em 14/07/2024 06:00
. - (crédito: Maurenilson Freire)
A abertura de cursos de medicina vem criando um embate entre algumas universidades particulares e o Ministério da Educação (MEC). Em junho deste ano, o tema foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em dois processos: a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7187 e a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 81. “A regra imposta pela lei do Programa Mais Médicos foi validada. Por outro lado, a Suprema Corte decidiu que os cursos de medicina estabelecidos por decisão judicial, que não seguiram as regras do chamamento público, serão mantidos. Além disso, os processos de autorização iniciados por decisão judicial e que já passaram à fase de análise documental continuarão tramitando, mas, daqui para frente, esses processos deverão seguir as normas da lei do Mais Médicos”, explica Ana Cláudia Ferreira, advogada especialista em direito e gestão educacional do escritório Barcellos Tucunduva Advogados.
Até 2012, era possível que faculdades particulares solicitassem a abertura de cursos de medicina por meio do E-mec, sistema do MEC, responsável pela tramitação dos processos de ato regulatório das instituições de educação superior do Brasil. Porém, em 2013, o sistema foi fechado para cursos de medicina quando a lei do Mais Médicos entrou em vigor e estabeleceu que a autorização de novos cursos privados se dê apenas por meio de chamamento público, priorizando áreas com necessidade social e infraestrutura de » Maria Eduarda Lavocat* Cursos de medicina sub judice Judicialização Entenda os posicionamentos envolvidos no trâmite para abertura de novas faculdades no país saúde para receber os cursos de graduação. O objetivo era descentralizar a distribuição de médicos, direcionando-os para regiões interioranas que necessitam de assistência de saúde adequada.
O governo de Michel Temer publicou a Portaria 328, em 2018, que suspendeu por cinco anos a abertura de novos cursos de medicina por meio de edital. Em resposta, muitas faculdades recorreram à Justiça e obtiveram liminares que obrigavam o MEC a abrir o processo pela via do Emec, para que os projetos avançassem pela via regular, como qualquer outro curso no Brasil. A moratória foi suspensa em 2023, e o MEC retomou a política de abertura de cursos e vagas de medicina por meio da lei dos Mais Médicos. No entanto, o governo atual herdou mais de 360 pedidos feitos durante o período de moratória, dos quais 195 ainda estão pendentes.
Abrafi
Segundo Paulo Chanan, presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades (Abrafi), essa decisão é uma vitória, mas ainda há obstáculos. “Mesmo após decisão do STF, o MEC continua criando dificuldades para essas autorizações. A Portaria 531, por exemplo, criou uma rotina de análise que passa pelo Ministério da Saúde e volta para o MEC, exigindo documentos adicionais. Parte dessa portaria ainda está sujeita a decisões do Supremo, pois foram feitas petições para remover trechos incompatíveis com a modulação”, afirma.
“Algumas declarações da imprensa afirmam que a abertura dessas faculdades por meio de ação judicial é muito temerária para os alunos. Porém, o Poder Judiciário está sensível à necessidade de médicos no Brasil e vê isso como uma oportunidade de colocar novos cursos de medicina em funcionamento, independentemente do processo do MEC. Outro ponto é que muitos desses cursos tiveram avaliação, feita pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), com conceitos máximos, além de avaliação positiva do Conselho Nacional de Saúde (CNS)”, completa Paulo.
Abruc
“ judicialização foi o modo que as instituições prejudicadas encontraram para preservar seus direitos. É claro que o Brasil precisa de novos cursos de medicina, assim como é necessário que sejam cursos de qualidade e que sejam devidamente fiscalizados pelo MEC. Um indício é que boa parte desses cursos ocorre em regime de internato, no qual o aluno passa boa parte do seu tempo em hospitais. Com o total de vagas já autorizadas, o Brasil utiliza aproximadamente 50% de sua rede Sistema Único de Saúde (SUS) para essa finalidade. Se a questão hospitalar é o maior gargalo para esse tipo de curso, então ainda há muita estrutura de equipamentos do SUS que sustenta essa expansão”, explica Dyogo Patriota, assessor jurídico da Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Abruc).
Conselho Federal de Medicina
O Conselho Federal de Medicina (CFM) se posiciona contra a abertura de escolas médicas por meio de decisões judiciais. De acordo com a conselheira e vice-presidente do CFM, Rosylane Rocha, essas decisões não consideram a exigência de critérios que são relacionados ao chamamento público conforme o disposto na Lei 12.871 de 2013 (lei dos Mais Médicos). “A lei não estabelece limitações, ela traz critérios que são essenciais à formação desses profissionais que irão lidar com o que há de mais importante: a vida. O Brasil já conta com 389 escolas médicas abertas em funcionamento, o que resulta em 34 mil novos médicos por ano que são inseridos numa infraestrutura de saúde, tanto pública quanto privada. Nós estamos falando de mais de quase 200 escolas que serão abertas, e isso torna o sistema totalmente caótico. São profissionais que não têm a formação adequada para o atendimento à população”, disse.
Além disso, Rosylane afirma que, atualmente, não há falta de escolas médicas, mas, sim, uma má distribuição dos médicos, principalmente nas cidades de difícil provimento. “Isso ocorre por falta de estrutura, por falta de uma carreira médica, por falta de salário, por falta de incentivos. É isso que está acontecendo no nosso país. Nós precisamos levar os médicos a esses locais, dando a eles estrutura adequada para trabalhar com segurança no atendimento ao paciente e também incentivos para a carreira dele”, explica.
A vice-presidente do conselho também assegura que impedir a abertura desses cursos não é prejudicial. “Limitar a abertura de novas escolas vai ajudar o SUS, porque o médico malformado solicita exames demais, ele não sabe fazer o diagnóstico precoce das doenças, então as doenças preveníveis ou as doenças que podem ser curadas se tornam crônicas, trazendo mais custos. O sistema só se beneficia com bons profissionais. Profissionais malformados vão implodir o SUS, que já passa por grande dificuldade.”
A estudante Bárbara Teatini Carneiro de Mendonça, 17 anos, do terceiro ano do ensino médio do Centro Educacional Sigma, sonha em cursar medicina em breve e concorda com o ponto defendido pelo CFM. “Eu acho que o Brasil não precisa de mais faculdades particulares de medicina. O que importa realmente é qualidade e não quantidade. Sendo assim, as pessoas deveriam se preocupar mais em investir nos professores de suas faculdades do que em abrir novos cursos. Isso impacta diretamente o mercado de trabalho, fazendo com que mais vagas sejam ocupadas por pessoas não tão qualificadas”, defende a futura universitária.
MEC
Atualmente, o Edital 1/2023 está na fase de recebimento das propostas com previsão da criação de 95 cursos de medicina em 116 regiões de saúde, localizadas em 1.719 municípios brasileiros. Ao Correio, o MEC afirmou que, desde agosto de 2023, vem adotando as medidas necessárias para conferir integral cumprimento à decisão proferida na medida cautelar da Ação Direta de Constitucionalidade nº 81, que obteve confirmação em julgamento do plenário após formação da maioria de votos.
“O entendimento consolidado é compatível com as medidas que já vinham sendo implementadas pelo MEC, regulamentadas por meio da Portaria SERES/MEC nº 531, de 2023. O MEC seguirá, portanto, comprometido com a análise de todos os processos de autorização de curso de medicina em trâmite, seguindo as etapas necessárias para verificar sua conformidade à lei dos Mais Médicos, nos termos da decisão do STF.”
UniMauá
Durante o processo judicial, a Justiça permitiu que o Centro Universitário Mauá (Unimauá) realizasse o vestibular e iniciasse as aulas enquanto aguardava a decisão final do ministério. Como resultado, a faculdade matriculou 180 alunos para o primeiro semestre de 2024. No entanto, foi publicada a Portaria SERES/MEC nº 148/2024, indeferindo o pedido de autorização do curso de medicina do UniMauá. O indeferimento ocorreu porque a instituição não demonstrou a relevância social do curso e não comprovou a disponibilidade de um hospital de ensino por um período mínimo de dez anos, com a maioria dos atendimentos pelo SUS.
Em nota, o UniMauá afirmou que respeita o papel do MEC na educação médica, mas considera que há uma divergência de opiniões. A assessoria jurídica da instituição informou que a portaria deve ser submetida ao desembargador responsável pelo caso, que decidirá sobre a obrigação cumprida. O Unimauá pretende argumentar que a portaria não atende à determinação judicial.
Um dos estudantes desse curso de medicina é Rodrigo João Francisco, 37, que optou por fazer sua segunda graduação. “Acredito que a medicina pode garantir uma qualidade de vida melhor tanto para mim quanto para minha família. Hoje tenho condições financeiras para isso, o que não era possível anteriormente. Por isso, escolhi fazer medicina após a minha primeira graduação em direito. Optei pela Unimauá porque é uma das instituições com as mensalidades mais acessíveis do Brasil”, conta.
Segundo Rodrigo, a universidade está funcionando normalmente e com aulas regulares. “Estamos enfrentando perseguições por parte do MEC contra a instituição, que possui autorização judicial para operar. Sentimos que o MEC está tentando nos prejudicar de várias formas, impedindo nosso acesso a documentos, financiamentos estudantis e outros recursos essenciais. Nós, os 180 alunos do curso de medicina, nos sentimos vítimas. Esperamos que o MEC aja corretamente, respeitando os direitos adquiridos pela instituição e pelos alunos, conforme decidido pelo Judiciário.”
Autorização de cursos de medicina
Confira alguns critérios estabelecidos pela lei do Programa Mais Médicos:
Deve ser precedida de chamamento público;
Relevância e necessidade social da oferta do curso;
Existência de equipamentos públicos adequados no SUS, incluindo:
Atenção básica, urgência e emergência, atenção psicossocial, atenção ambulatorial especializada e hospitalar, vigilância em saúde.
Portaria 531/2023
Novos critérios adicionados para autorização de cursos de medicina:
Mínimo de cinco leitos do SUS por vaga solicitada
Presença de Equipes Multiprofissionais de atenção primária à saúde;
Existência de leitos de urgência e emergência ou pronto-socorro;
Grau de comprometimento dos leitos do SUS para uso acadêmico;
Hospital de ensino ou unidade hospitalar com mais de 80 leitos, com potencial para certificação como hospital de ensino.
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