De origens antigas, que remontam a Idade Média, a alfaiataria encontra-se em um cenário distante da época de ouro vivenciada anos atrás. No Distrito Federal, porém, costureiros especializados na arte de cortar tecidos e produzir roupas masculinas continuam preservando a existência do velho e nobre ofício. O Correio conheceu alguns desses artistas que, há mais de três décadas, atuam na profissão e compartilham um desejo comum: que a juventude demonstre mais interesse pela profissão, que corre riscos de ser extinta.
Talento de infância
É em uma loja no Taguacenter que o alfaiate Nelson Pimenta da Silva, 71 anos, executa o trabalho do qual tanto se orgulha. Mineiro, contou que teve o primeiro contato com a profissão quando ainda era um garoto, aos 13 anos. Descobriu o que era a alfaiataria quando mudou-se com a família para São Paulo e recebeu do vizinho um convite para aprender a profissão. "Naquele tempo, o alfaiate era muito importante, equivalente a um engenheiro ou um médico, então eu logo me interessei", contou.
Entusiasmado desde o princípio, Nelson relembra que sentiu algo inefável ao finalizar a primeira calça que produziu sozinho. Estudante do que à época era chamado de ginásio, decidiu que seguiria no ofício. Em 1997, chegou a Brasília, mais especificamente a Taguatinga, e, desde então, atua transformando tecidos em peças para o público masculino brasiliense. "Quando você chega em um lugar estranho, porque eu não conhecia Brasília, você não tem clientela, então eu tive que mostrar serviços para outros alfaiates. Inicialmente, trabalhei em outras lojas e, enquanto pagava minhas despesas, conquistava meus clientes", explicou.
Após cerca de três anos trabalhando em Taguatinga, o alfaiate conseguiu alcançar uma clientela significativa, que carrega consigo até os dias atuais. "Tenho clientes que eu aluguei roupa para pajem quando eles tinham cerca de dois, três, quatro anos. Hoje, são homens formados, médicos, engenheiros, e, agora, faço os ternos de formatura e de casamento", informou Nelson.
O alfaiate, porém, reclamou o cenário atual do mercado, não apenas no Distrito Federal, mas de forma geral, lembrou que, em meados de 1980, a situação era diferente, mas destacou que ainda dá para viver de forma confortável com a renda adquirida com o corte e a costura. "Naquela época, tinha muito serviço, porque não existiam tantas lojas de roupa prontas. Também, com essa globalização, esses negócios que vêm baratinho da China, por exemplo, tornam uma competição ferrenha, mas a gente continua trabalhando, porque ainda existem pessoas que querem um terno, uma camisa sob medida", refletiu.
Orgulho da profissão
No comércio local da 304 da Asa Norte, a alfaiataria de Nélio Moura, 68, recebe clientes diariamente há quase quatro anos. Contudo, sua história com a alfaiataria foi iniciada muito antes, mais de cinco décadas atrás, quando ele tinha apenas 14 anos.
Entusiasmado, Nélio recebeu a equipe de reportagem no ateliê. A empolgação para mostrar as peças que estavam sendo confeccionadas e as incontáveis pastas com mostras de tecidos mal o deixava falar. "Minha mãe dizia que eu tinha que aprender uma profissão, e meu irmão mais velho era alfaiate. Então, ele me ensinou, e eu nunca mais parei. Por um tempo, trabalhei como vendedor, mas voltei porque percebi que os alfaiates estavam escassos", explicou.
A falta de profissionais na área preocupa. Ele relatou que passou um tempo atuando somente com a confecção de camisetas e, enquanto isso, indicava os clientes que desejavam encomendar ternos aos colegas de profissão que considerava confiáveis. Contudo, na pandemia, dois dos quatro alfaiates faleceram e Nélio se viu convocado a retornar. "Eu voltei a fazer terno porque não tem mais profissionais no mercado. Eu gostaria de ensinar outras pessoas, inclusive, mas hoje não tem quem queira aprender", lamentou.
O alfaiate declarou que trabalha por prazer. Mora no mesmo prédio em que atende e há dias em que para somente às 22h. "O que não falta é trabalho. Hoje, eu tenho uma construção de mais de mil clientes, um império bem ramificado no Brasil inteiro. É uma trabalheira todinha para fazer um terno sob medida, não tem nada a ver com indústria. É tudo artesanal, feito a mão", ensinou.
Um verdadeiro artista
Aos 50 anos, Ivo Rodrigues de Abreu enfrenta a mesma rotina, diariamente, há 32. No mesmo lugar em que iniciou como aprendiz, no Centro Empresarial São Francisco, e hoje é proprietário, o alfaiate confecciona ternos diariamente para ministros, políticos e clientes fiéis que visitam o ateliê desde 1991 e indicam o seu trabalho de geração em geração.
Fascinado pela própria profissão, Ivo confessou que se considera um artista. "Principalmente, quando eu pego como um desafio, para ficar melhor do que o que já existe, eu acho incrível. E é melhor ainda quando o cliente se agrada e fica satisfeito", declarou.
Ivo explicou que o trabalho é árduo. O expediente diário soma mais de 10 horas. "O dia é uma criança. Se ele tivesse 20 horas, eu teria trabalho de sobra para todas essas horas. A gente tem que regular o tempo para não exceder essa quantidade, mas eu gosto, é um trabalho que faço sem me queixar, sempre gostei de trabalhar", argumentou.
O profissional, porém, confidenciou à reportagem que teme a extinção da figura do alfaiate. "Eu vejo uma necessidade grande de profissionais, mas, por incrível que pareça, ninguém quer aprender. Infelizmente vamos chegar ao fim... É uma profissão difícil, tem que gostar e é necessário um dom para fazer isso. Mas, hoje, as pessoas não querem perder tempo aprendendo", desabafou.
Luz no fim do túnel
Ainda que todos os profissionais entrevistados expusessem suas preocupações quanto ao envelhecimento da profissão e da escassez de novos atuantes na área, o próprio ateliê de Ivo oferece uma luz no fim do túnel. Em uma salinha discreta no andar de cima da loja, dois jovens irmãos atuam na produção das peças. Wellington e Wesley Moreira, de respectivamente 35 e 29 anos, vieram de João Pinheiro (MG) para trabalharem com Ivo. O mais velho possuía uma pequena bagagem, aprendida com um profissional da cidade em que vivia: trabalha na área desde os 12 anos e define a profissão como uma arte. Já o irmão caçula chegou na loja de Brasília no início da pandemia e aprendeu do zero o muito que hoje sabe.
"Foi uma evolução boa, eu era ajudante de pedreiro, vim para cá e comecei produzindo máscaras, depois comecei a fazer calças, agora faço consertos e estou evoluindo. Tinha que entrar mais gente nesse ramo para a profissão não morrer. Se depender de mim, eu vou levar para frente", disse Wesley.
Saiba Mais
- Trabalho & Formação Dia do Trabalhador: conheça a origem da data no Brasil e no mundo
- Trabalho & Formação 5 dicas para jovens empreendedores superarem os desafios nos negócios
- Trabalho & Formação Os 5 As da liderança: conheça as competências decisivas para profissionais de sucesso
- Trabalho & Formação GDF: contratações das 8 mil vagas dependem de recursos