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dia dos namorados

Namoro na firma: casais revelam como conciliam relacionamento no trabalho

Discrição, transparência e diálogo são apontados como decisivos para o sucesso de relações afetivas nas empresas

Marina Rodrigues
postado em 09/06/2024 06:00 / atualizado em 28/06/2024 14:39
Silvia e Danilo se conheceram como estagiários na Bancorbrás e se apoiaram no desenvolvimento de cada um na empresa -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Silvia e Danilo se conheceram como estagiários na Bancorbrás e se apoiaram no desenvolvimento de cada um na empresa - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

O ambiente de trabalho é o cenário ideal para criar conexões, onde as pessoas dedicam, em média, um terço de suas vidas e cerca de 90 mil horas, segundo a Universidade de Gettysburg, nos Estados Unidos. O dia a dia no expediente, os objetivos em comum e a troca de ideias se tornam terreno fértil para a construção de relações que vão desde amizades até relacionamentos mais complexos, como os amorosos.

Um estudo da Sociedade para Gestão de Recursos Humanos (SHRM, na sigla em inglês) de 2021 aponta que as pessoas que já vivenciaram experiências afetivas no trabalho afirmam terem se tornado mais dedicadas à profissão — fato percebido, pelo menos, no primeiro ano de relacionamento. Outra pesquisa da SHRM, realizada em 2023, revela que cerca de 80% dos entrevistados estiveram ou estão em relacionamentos com colegas de firma.

No levantamento, que consultou 632 trabalhadores norte-americanos, 75% disseram sentir-se à vontade quando colegas de trabalho estão envolvidos em relacionamentos, enquanto 83% respeitam ou estariam dispostos a respeitar aqueles que estão em um relacionamento na empresa.

Referência

Vivendo essa realidade, os brasilienses Silvia Regina Mendes, 38 anos, e Danilo Bastos, 36, contam como as jornadas pessoal e profissional se cruzaram na vida dos dois. 

Em 2005, junto a um grupo de estudantes de turismo, eles entraram como estagiários na central de relacionamento da Bancorbrás. O sentimento além da amizade despertou somente um tempo depois. "Após três anos na empresa, começamos a nos envolver, à medida que fomos amadurecendo. Não foi nada planejado, mas fizemos questão de ser sinceros desde o início com a empresa, o que contribuiu para esta relação de confiança que construímos. Mantivemos a transparência com os nossos líderes, mas, ao mesmo tempo, sempre fomos discretos, até mesmo nas festas de confraternização", disse Silvia. "Hoje, somos referência de casal na empresa. Fizemos amigos para a vida e todos nos apoiam muito", completa Danilo.

Impasse

Os companheiros contam que, quando começaram a namorar, os dois eram da mesma equipe e que "funcionava muito bem". Foi então que, em 2012, Silvia se viu em um verdadeiro impasse. A empresa quis promovê-la a coordenadora, mas, no cargo, ela chefiaria, inclusive, Danilo. "Quando me chamaram, a primeira coisa que falei foi que eu tinha um relacionamento com um colaborador da área, e que eu não me sentiria confortável de assumir a posição tendo esse conflito de interesses. Acho que não seria profissional nem correto com os outros também." 

Ela diz que o namorado foi o único a saber da proposta, e que preferiu manter a discrição até que a gestão encontrasse uma solução. Os diretores prontamente se reuniram e decidiram realocar Danilo em outro setor, o que possibilitou não só a ascensão de Silvia e o desenvolvimento de Danilo, como a melhoria na relação dos dois, que tinham visões diferentes quanto às questões da empresa. 

Dois anos depois, em maio de 2014, veio o casório. "O elo também foi muito forte com os líderes e com os amigos que entraram conosco na Bancorbrás. Convidamos todos para o nosso casamento. Foi maravilhoso, parecia uma festa de fim de ano da empresa", brinca Silvia.

Reinvenção

O casal revela que a pandemia de covid-19 foi outro marco no relacionamento, quando passaram para o home office. Além do tempo desacostumados a trabalhar no mesmo ambiente, tinham que conciliar as agendas da empresa e os cuidados do filho, Davi, hoje com 7 anos. "Foi todo um outro entendimento. Nos perguntamos 'quando começa a nossa família, nossa vida pessoal, cuidar do nosso filho, e lado o profissional, a hora da reunião?' Nós dois na mesma empresa, às vezes, no mesmo compromisso. Foi difícil no início, mas vejo isso como um marco, quando tivemos que nos reinventar. O apoio da empresa também ajudou muito, saberem que nós somos uma família", diz Danilo.

Ele observou, ainda, que trabalhar na mesma organização ajuda a se colocar melhor no lugar do outro, ao entender o contexto vivenciado. "Trabalhando na mesma empresa, você conhece a cultura, conhece o ambiente que vocês estão inseridos. E isso facilita a compreensão dos desafios profissionais que a gente tem. Então, quando eu trago uma dificuldade que estou passando, ela consegue dar esse norte, e vice-versa. Acredito que, se fossem empresas diferentes, a gente não teria esse nível de empatia." 

Sem arrependimentos

Hoje, após 13 anos juntos e com uma família formada  — agora, também, com o filho Levi, de 1 ano —, Silvia e Danilo concordam que a decisão dos gestores de remanejar a equipe foi determinante para o sucesso do relacionamento e para o crescimento profissional de cada um. Além disso, eles apontam o diálogo aberto, a discrição e a transparência, entre eles e com a empresa, como decisivos para a continuidade da relação. "Relacionamento no trabalho não atrapalha, exige maturidade", defende Silvia. O combinado de ouro deles é não falar de trabalho em casa e não falar de questões pessoais no trabalho, ou seja, "virar a chave" em cada ambiente para manter o equilíbrio. 

Alinhamento

A psicóloga Ana Paula Dolabela orienta a investir na comunicação
A psicóloga Ana Paula Dolabela orienta a investir na comunicação (foto: Arquivo pessoal)

O International Stress Management Association do Brasil (ISMA-BR) comfirma a experiência do casal, afirmando que 80% dos companheiros que trabalham juntos conseguem lidar melhor com as angústias e a carga horária do parceiro. Além disso, um estudo feito pela Universidade de Victoria, no Canadá, mostrou que 66% dos casais começaram a se relacionar com amizades, muitas delas de longo prazo.

Ana Paula Dolabela, psicóloga e diretora de Gente e Gestão da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), lembra que casais que não trabalham juntos já têm muitos desafios no dia a dia, portanto, nesse outro caso, é necessário ter um alinhamento a mais. "A rotina, as despesas, a gestão da casa, divisão de tarefas; se são pais, a administração dos filhos, e por aí vai. Essa dinâmica pode apresentar desafios únicos, vai requerer ainda mais disciplina e algumas regras, mas, para o casal que sabe administrar bem essas questões, também pode trazer benefícios, como metas em comum e uma conexão mais profunda, além da facilidade de locomoção, o que pode gerar até uma economia no orçamento doméstico."

Na saúde e na doença

Marina e Amanda estão juntas desde o colégio e hoje são médicas residentes da SES-DF
Marina e Amanda estão juntas desde o colégio e hoje são médicas residentes da SES-DF (foto: Arquivo pessoal)

Marina Ayres, 24 anos, e Amanda Berninger, 25, se conheceram no ensino médio, em 2015. Eram amigas de turma, e a relação foi evoluindo até 2017, quando começaram a namorar. Após concluírem o colégio, seguiram rumos diferentes: Amanda começou a cursar biomedicina e Marina, que já queria medicina, passou a fazer cursinho. Em 2018, quando Marina conseguiu ingressar na faculdade, na área desejada, Amanda percebeu que era também o que ela queria fazer, e aproveitou as matérias do curso anterior para entrar na mesma turma da companheira.

Após seis anos estudando juntas, passaram no mesmo concurso na Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) e foram lotadas na mesma Unidade Básica de Saúde (UBS), em Ceilândia. Elas iniciaram a residência em medicina de família e comunidade em março deste ano e, apesar de trabalharem em equipes diferentes, as rotinas semelhantes contribuem para o apoio mútuo e a troca de experiências nessa fase de adaptação. "Nós conseguimos compartilhar as angústias, as vitórias, os momentos bons, e ter essa troca legal, até se ajudando nas dúvidas e dificuldades. Então, vamos nos adaptando e entendendo as particularidades do nosso trabalho", diz Amanda. 

As médicas se esforçam para cuidar da relação e fugir do automático, mesmo com o ritmo acelerado do dia a dia, o que exige dedicação. "O desafio é dar esse clique de que a gente mudou de ambiente. Acaba que são muitas horas de trabalho, a gente sempre chega cansada em casa e fica nessa rotina intensa, seguindo o fluxo. E como a gente está o tempo todo junto, acaba misturando muitas coisas, então tem que estar sempre atento e, de forma mais ativa, criando esses momentos juntas, se policiando", explica Marina. 

Como elas já tinham uma relação de muitos anos antes de entrar no trabalho, fazem questão de manter a individualidade no novo ambiente. "Muitos amigos até brincam que a gente é uma única pessoa, mas nós somos indivíduos diferentes, temos nossas próprias características e queríamos que os nossos colegas de trabalho nos conhecessem dessa maneira, primeiramente. E tudo aconteceu de forma natural", detalha.

Segundo elas, o segredo para dar certo, além do respeito pelos altos e baixos de cada uma, é a abertura entre o casal. "Uma coisa que facilita muito é que, desde sempre, tivemos conversas muito abertas quanto a tudo, então, quando surge algum incômodo, a gente já comenta, já conversa numa boa, para evitar acumular e ficar gerando atrito desnecessário." Além da especialização, que acaba em 2026, os planos para o futuro a duas continuam.

Cada coisa em seu lugar

Vivian e Gabriel estabelecem uma rotina específica para que o trabalho são se sobreponha à relação
Vivian e Gabriel estabelecem uma rotina específica para que o trabalho não se sobreponha à relação (foto: Arquivo pessoal)

Naturais de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, Vivian do Nascimento, 30, e Gabriel Maison, 29, se conheceram por meio de amigos em comum, começaram a sair e hoje estão juntos há três anos. No início do namoro, eles trabalhavam em empresas diferentes, ela na Configr, empresa de Hospedagem em Cloud, e ele em uma transportadora; mas há pouco mais de um ano, ambos estão na Configr, na área de vendas.

Com a nova realidade, atuando em home office, Vivian e Gabriel estabeleceram uma dinâmica para separar a vida pessoal da profissional. Durante o expediente, cada um usa diferentes cômodos da casa; depois, fecham os computadores e evitam utilizar os espaços de serviço: é hora da desconexão do trabalho e da conexão a dois.

O casal afirma que essa rotina é saudável, pois eles podem falar sobre trabalho no momento reservado para isso e se concentrar no presente. "A questão é distinguir a hora do expediente do momento de descanso, porque nós vivemos no emprego, então é um cuidado para não ficarmos 24 horas por dia focados nisso", descreve Gabriel. (Lara Machado)

 


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