Dorothi Lira da Silva, ou dona Dorothi, como é conhecida, de 90 anos, nasceu em São Lourenço da Mata, município localizado na região metropolitana de Pernambuco. Ela veio de uma família com seis irmãos e aprendeu a ler e a escrever em casa, com a mãe. Na escola, conta que sempre ajudava a professora a tomar conta dos colegas, e lembra um fato que lhe chama a atenção: "No meio do ano, minha professora chamou mamãe para conversar, falou que me colocaria na segunda série, porque eu já sabia tudo da primeira. Acontece que eu já sabia ler e escrever, aprendi com minha mãe".
Aos 13 anos, dona Dorothi parou de estudar, pela preocupação do pai com os casos de tuberculose que se espalhavam na época. Ela acabou trabalhando por muitos anos em um escritório, principalmente com contabilidade, e estudando por conta própria para desempenhar a função. Depois de casada e com filhos, ela resolveu retomar os estudos, pois queria ser professora. Hoje, ela é formada em pedagogia, matemática, ciências físicas e biológicas, ensino religioso e direito, e iniciou recentemente a sexta formação: jornalismo, na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Ela também tem pós-graduações e afirma que não pretende parar.
"Depois que me casei, passei seis anos sem trabalhar nem estudar, porque meu marido não queria. A vida era tranquila como dona de casa, porque eu gosto de cozinhar, de manter a casa limpa. Mas chegou uma hora que pensei que deveria voltar a estudar, então fiz um curso em uma cidade vizinha que equivalia ao primeiro e ao segundo graus. A partir daí, fiz concurso para professora municipal e, depois, estadual. Enquanto dava aulas, cursava pedagogia. Desde então, não parei mais de estudar", descreve.
Dona Dorothi conta que sempre gostou de matemática, por isso atuou como professora na área a vida toda. Ela se diverte ao lembrar que, antes do curso, "não sabia fazer fração decimal, aprendi dando aula". Na época dela, ciências faziam parte do curso de matemática e, apesar da paixão pelos números, ela confessa que até hoje não aprendeu direito física: "Se me perguntarem qualquer coisa, tenho que recorrer aos livros". Ela morava em Palmares com o marido e concluiu a formação em matemática na cidade de Caruaru.
O curso de ensino religioso veio em seguida, pois passou a ser exigido para a função de professora. "Um dia, a Secretaria de Educação determinou que tinha que ter uma pessoa para coordenar o ensino religioso junto aos professores dessa área. Daí, a diretora me chamou e disse que seria eu, porque frequentava a igreja. Eu lhe disse que não tinha formação, mas fui atrás do bispo de Palmares e, por três anos, estudei ensino religioso", relata.
Além de professora, dona Dorothi também foi supervisora de instituições de ensino na rede estadual. Em uma delas, ela se recorda bem do pouco tempo em que foi diretora, porque não conseguiu colocar em prática o que acreditava. "A gratificação era boa, mas eu queria tudo arrumado, e não podia. Muitos alunos passavam de ano sem ter atingido as médias, e não achava isso certo. Acho que fiquei menos de um ano lá, foi o único serviço da minha vida que não consegui ficar", diz.
Se manter ativa
Em 1994, após 27 anos atuando como professora, Dorothi se aposentou. Ela viu os seis filhos crescerem e criarem suas próprias famílias. Hoje, ela tem 10 netos e quatro bisnetos. Com o tempo, ela percebeu que precisava encontrar uma forma de se manter ativa, pois percebia suas capacidades reduzidas em razão da idade avançada, então, decidiu retomar os estudos.
"Gosto de dirigir, até ganhei um carro, mas não dirijo, porque minhas mãos não me oferecem mais segurança. Quando vou arrumar a casa, tenho que chamar alguém para me ajudar, como pegar um livro mais pesado, tirar um móvel do canto, tirar a panela do fogão. Então, pensei: 'Não vou ficar olhando para o céu, à toa, vou voltar para a faculdade', e assim fiz", compartilha.
Antes de cursar jornalismo, direito foi a última formação de dona Dorothi, que concluiu o curso em 2023, na Faculdade de Olinda (Focca), cidade onde mora atualmente. Ela explica que escolheu o curso pela proximidade da faculdade e pelo contato com a área por meio da família: "Estou morando perto da faculdade e tenho três filhos e três sobrinhos que fizeram direito. Eu os ajudava nos trabalhos da faculdade, então, tomei gosto pelo curso".
Logo após se formar, Dorothi ingressou para jornalismo na Unicap, estando agora no primeiro período. Ela conta que sempre gostou de ler e escrever e o que mais lhe chama a atenção na profissão é a possibilidade de contar histórias, resgatando uma frase: "Eu aprendi, há muitos anos, que história é um fato sendo contado por quem não estava lá, e é isso mesmo".
Convívio
Na faculdade de jornalismo, a estudante de 90 anos se dá muito bem com os colegas mais jovens, no geral, na faixa dos 20 anos. "Conviver com eles é uma graça. Quando preciso de ajuda com alguma coisa, como um trabalho, ou para me deslocar, meus colegas e professores sempre ajudam. Só não é melhor porque as aulas são no terceiro andar, e tenho que pegar elevador, mas as meninas sempre me esperam, seguram a porta para mim", expõe.
Filipe Falcão, professor de Fundamentos do Jornalismo de dona Dorothi na Unicap, relata uma dinâmica produtiva nas aulas. "Em sala de aula, tem sido uma experiência muito positiva para todos os envolvidos, tanto para a turma quanto para mim, como professor. Dona Dorothi é uma aluna muito participativa, gosta de trazer contribuições para as aulas, é pontual e anota tudo. Eu acho que o jornalismo é uma profissão que não tem idade, e aqui na Unicap isso é muito comum, ter pessoas mais velhas estudando, o que agrega à profissão", diz.
A Unicap, como parte de uma política de inclusão de idosos, possui o programa Unicap Prata: Universidade não tem idade, que, desde 2021, concede bolsas de estudo para graduação e pós-graduação para pessoas acima de 60 anos. Por meio do programa, Dorothi tem desconto de 50% na mensalidade, contribuindo, também, para a continuidade da formação acadêmica da aposentada.
Ela confessa que sua maior dificuldade no jornalismo é lidar com a tecnologia, mas está fazendo um curso de computação e se adaptando aos novos formatos: "Eu não sei trabalhar bem com computador e celular, fazia tudo em biblioteca antes, mas agora existem outros recursos, e estou aprendendo a lidar com eles".
A maior ambição da vida de dona Dorothi, segundo ela, é continuar estudando. Ela não pretende atuar no direito ou no jornalismo após se formar, mas busca adquirir conhecimentos "como forma de me manter viva". Ela diz que quer se dedicar à música, à pintura e à costura, mas sempre próxima aos estudos: "Vou continuar estudando até quando Deus quiser".
*Estagiária sob a supervisão de Marina Rodrigues