INOVAÇÃO

Professor do DF recebe prêmio na Bett Brasil

Francisco Celso Leitão é reconhecido pelo projeto pedagógico RAP, no qual os alunos, em situação de liberdade condicional, aprendem história por meio do hip-hop

Lara Machado*
postado em 12/05/2024 06:00 / atualizado em 12/05/2024 06:00
Francisco com os alunos 
do Núcleo de Ensino da 
Unidade de Internação -  (crédito: Bárbara Figueira/SEEDF)
Francisco com os alunos do Núcleo de Ensino da Unidade de Internação - (crédito: Bárbara Figueira/SEEDF)

Francisco Celso Freitas, especialista em educação inclusiva, professor de história e produtor cultural, foi vencedor do prêmio Educador Transformador na categoria ensino fundamental — anos finais. A honraria foi entregue na 29ª edição da Bett Brasil, o maior evento de inovação e tecnologia para educação na América Latina, ocorrido em São Paulo.

Seu grande feito: o desenvolvimento do projeto RAP (Ressocialização, Autonomia e Protagonismo), voltado para a aprendizagem de alunos do ensino fundamental, que estão em situação de liberdade condicional. Desde 2015, ele aplica o método junto aos alunos do Núcleo de Ensino da Unidade de Internação de Santa Maria, explorando conteúdos históricos a partir dos quatro elementos da cultura hip-hop (DJ, MC, Graffiti e Break).

O RAP

O docente tem aperfeiçoando o RAP para facilitar o aprendizado da disciplina de história, de forma que os alunos possam se expressar e construir a própria identidade. A dinâmica também permite que os estudantes participem de debates sobre diversos temas, como sustentabilidade, direitos humanos e diversidade, fazendo vinculações históricas e fortalecendo sua capacidade argumentativa. 
Segundo o professor, o projeto foi escolhido pelos alunos, que sugeriram o hip-hop como estilo musical. Ele explica essa preferência pelo fato de que 90% dos alunos se declaram negros e negras, e 100% moram no Entorno do DF, onde a cultura do rap é bastante presente. 
“Talvez eu tenha sido um cara que teve essa sensibilidade de perceber, conforme diria Paulo Freire, que os nossos estudantes não são copos vazios, eles carregam letramentos com eles. Muitas vezes, nós, professores, não carregamos e eles têm essa potência dentro deles”. 
Nesse período de nove anos de existência e aplicação do RAP na escola, Francisco avalia de forma positiva a influência do projeto na formação da identidade e na argumentação dos estudantes, principalmente no contexto de silenciamento e hostilidade em que eles vivem. Ao todo, foram mais de 1.500 alunos que tiveram contato com a cultura do hip-hop. Alguns deles abriram shows, como o de Diogo Nogueira; participaram de saraus, slam de poesia e outras manifestações culturais. “Essas atividades culturais são os momentos que, mesmo estando na privação de liberdade, eles se sentem libertos e têm essa possibilidade de se expressar oralmente e corporalmente também” 
Mesmo com a repercussão e o prestígio do RAP, Francisco disse que o maior prêmio para ele é que os alunos não reincidam em atos infracionais e possam ter rumos diferentes na vida. “É mais importante vê-los entrando para um ciclo virtuoso, da cultura, da economia criativa e promovendo renda”, defende. 
Esse é o 20º prêmio do professor com o RAP. Além do reconhecimento cultural, ele foi condecorado com os prêmios Itaú/Unicef - Etapa Local em 2017 e Itaú/Unicef - Etapa Nacional em 2018; Práticas Inovadoras nas Escolas Públicas do DF e Ring of Peace, em 2021; Paulo Freire de Educação, 1° Festival de Curtas do Sinpro: Adélia Sampaio e XIII Concurso de Redação do Sinpro, em 2023; e, neste ano, Educador Transformador nas etapas estadual, regional e nacional. Finalista do Prêmio Global Teacher Prize (Nobel da Educação) em 2020, Francisco foi eleito um dos 50 melhores professores do mundo. 

Ressignificando o passado 

Francisco Celso desenvolve o RAP desde 2015.
Francisco na premiação, em São Paulo (foto: Arquivo Pessoal)

O professor Francisco Celso cursou história no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). A escolha em lecionar ocorreu por alguns motivos pessoais, como a mãe ter sido docente da Secretaria de Educação do Distrito Federal (DF); os bons professores que teve; o interesse pelas ciências humanas, e também pelo impacto da disciplina de história sobre a vida dele. Um parente, que se chamava Francisco, foi perseguido e morto durante a Ditadura Militar. 
Apesar desse engajamento com o ensino, a trajetória de Francisco na educação não foi só flores: quando estava na escola, no 6º ano do ensino fundamental, foi constrangido por uma professora que, por ser tímido, o obrigou a fazer uma operação matemática na lousa, na frente dos colegas. Com o episódio, ele ficou desmotivado a estudar, faltou às aulas e foi reprovado. Isso o fez abandonar a escola por dois anos seguidos. 
Mesmo com a desesperança após o ocorrido, Francisco voltou à escola pelo incentivo da mãe, que também o criou sozinha. “Minha mãe sempre nos incentivou a estudar e sabia que eu deveria dar continuidade à minha escolarização, porque ainda era a única possibilidade de construir alguma coisa para o futuro”. 
Depois da retomada aos estudos, e apesar do episódio traumático, ele decidiu que seria professor, por duas razões: honrar sua mãe, que foi professora de história na Secretaria de Educação do DF, e querer mudar a maneira tradicional de ensinar. “Queria transformar o ambiente escolar em um ambiente acolhedor, porque na minha época de estudante, a escola não foi acolhedora. Então, acho que isso me levou um pouco a trilhar esse caminho”.           
*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá  

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