Por Júlia Giusti* — Cynthia Luiza Ribeiro do Amaral é natural do Rio de Janeiro e mora em Florianópolis há 13 anos. Em 4 de abril, aos 41 anos, se formou no curso de serviço social na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na cerimônia, um fato chamou a atenção: diferente dos colegas, que usavam beca preta, ela vestia a peça na cor branca. Como parte da comunidade do candomblé, agora ela passa por um processo de formação espiritual, chamado preceito, no qual só pode se vestir de branco durante um ano. Esse foi o primeiro caso em que um estudante da universidade se formou com beca branca por motivos religiosos.
Cynthia conta que o dia em que defendeu o trabalho de conclusão de curso (TCC) coincidiu com o início de sua formação espiritual no candomblé. No período de um ano de preceito, são adotadas uma série de padrões de comportamento e vestimenta. Entre os hábitos, ela cita que não pode ir à praia, frequentar multidões ou vestir roupas pretas ou coloridas. Além do uso exclusivo do branco, ela deve manter a cabeça coberta. De acordo com ela, a simbologia dessa cor se relaciona tanto com o respeito ao seu orixá, divindade de religiões de matriz africana, quanto com a proteção e a manutenção de boas energias. No caso dela, seu orixá, Oxumarê, é associado ao movimento e à transformação.
"O branco é uma cor que protege, ele tem a característica de lhe blindar de energias adversas. Temos que vestir só branco porque esse período de um ano de preceito, dentro da nossa comunidade, é como um novo nascimento. Assim, tudo de pano que entra em contato comigo deve ser branco, desde minhas roupas até os lençóis e toalhas que uso", descreve.
Cynthia levou a questão à UFSC para poder cumprir com seu preceito. Ela diz que conversou com a vice-reitora da universidade, Joana dos Passos, que atendeu "prontamente" ao seu pedido e convocou uma reunião em conjunto com o setor responsável pelas formaturas, o setor que trata das relações de diversidade na universidade e a reitoria de graduação.
"Não tive nenhum tipo de embate em relação a isso, eu tive todo o acolhimento, a atenção e o incentivo por parte da UFSC para que pudesse vestir beca branca no dia da formatura", expõe. Quando soube que seria a primeira a se formar vestindo branco na universidade por preceito, ficou surpresa, mas sabia que seria bem acolhida, já que vê que essa gestão "possui compromisso com o enfrentamento do racismo e outras formas de opressão".
O direito à liberdade religiosa está previsto na Constituição, o que também envolve o direito de ir e vir sem sofrer preconceitos por crenças e escolhas pessoais. Além disso, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2022 garante a separação entre as leis do Estado e preceitos religiosos, determinando mecanismos para combater o racismo e a discriminação em todas as esferas da vida pública e privada.
O acolhimento por parte da universidade também foi importante porque Cynthia havia acabado de sofrer racismo religioso antes da reunião, o que, inclusive, levou ao registro de um boletim de ocorrência e à abertura de uma queixa no Ministério Público (MP). Além do episódio, ela relata que já sofreu preconceito por suas crenças, principalmente, em redes sociais.
Para Cynthia, o momento da cerimônia de formatura foi muito marcante, pois acredita que o candomblé "é mais do que uma religião, é uma forma de enxergar o mundo, de se comprometer, com sua ética pessoal e para com o mundo".
Para ela, vestir branco na colação de grau também foi uma forma de dar visibilidade para que as pessoas busquem seus direitos: "Vejo isso diante da perspectiva da garantia de direitos, para que todos possam exercer a sua fé, pois há leis que garantem esse direito". Ela completa dizendo que "só recebi acolhimento e coisas boas dos meus colegas, me senti representando algo que era importante para mim e atendendo a vontade do meu orixá".
*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá
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