No fim de março, Marcos Vinícios Botelho recebeu a ligação de alguém da família. Os parabéns não paravam de chegar de gente com quem ele tinha convivido nos últimos 11 anos e que faziam parte daquela vitória. Mas esse telefonema foi diferente. Do outro lado da linha, a voz deixava escapar o orgulho e a felicidade de ver o menino brilhando em escala internacional, mas confessava: "Não entendi bem o que esse prêmio significa, Marcos…".
Personalidade climática do ano do Prêmio Descarbonário, promovido pelo The Climate Reality Project: um nome complicado para uma luta que fala ao coração do jovem de 21 anos desde muito cedo, e que tem tudo a ver com a realidade da comunidade que o viu crescer de um garoto sonhador para uma liderança relevante na agenda climática internacional. "A alegria deles, para mim, é uma ponte entre a causa pela qual eu luto e a base para quem eu quero ver as mudanças acontecendo", diz Marcos.
Estudante do sétimo período de direito na Universidade de Brasília (UnB), o ativista é filho de comerciantes que estudaram até o ensino fundamental. Criado entre o interior de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, acompanhava os pais nas feiras e exposições da região. Enquanto eles vendiam doces e brinquedos, Marcos sonhava com o mundo todo. Como traduziu o poeta Fernando Pessoa, da sua aldeia, via quanto da terra se pode ver do universo.
"Sempre fui muito curioso. Essa coisa de ter uma causa, de se importar com a mudança da sociedade, e o desejo de conhecer mais sobre o mundo, me levaram para o ativismo ambiental, porque comecei a entender que isso era central na discussão política que se fazia internacionalmente", lembra.
Aos 10 anos, o menino curioso assistiu o projeto Onda Solidária chegar em Santana do Deserto, município de aproximadamente 3.800 habitantes no sul de Minas, onde vivia. Com sede no Reino Unido e atuação no Brasil e no continente africano, a ONG construiu um centro social na cidade, a Vila dos Sonhos, em uma área de pasto que foi reflorestada e, hoje, abriga uma escola verde, que conta com uma ecovila olímpica, salas de aula ao ar livre, sistema de saneamento ecológico — tudo pensado para desenvolver ações de educação e esportes com as crianças da região, em meio à natureza.
"Em um primeiro momento, o que me encantou foi esse caráter multicultural da ONG. Havia sempre estrangeiros presentes nas atividades, e, nessa idade, morando no interior, isso era algo de outro mundo. O projeto fez um processo de escuta com a comunidade, perguntaram nosso sonho, o que gostaríamos de ter ali e minha resposta foi aprender inglês. Começou pelo acesso à educação, depois o aspecto ambiental veio", conta.
Marcos acredita que nas cidades as pessoas não têm uma conexão forte com a natureza, "mas no interior também há um grande distanciamento. Estamos mais cercados por pasto do que pelo bioma em que vivemos. Mas, com o projeto, me senti parte da construção da ecovila e vi a área ser restaurada, então, isso virou uma causa para mim também".
Daí até o prêmio, uma coisa levou à outra, e o estudante foi crescendo em influência a medida que tomava pé das discussões sobre sustentabilidade. Foi selecionado paro o primeiro programa de intercâmbio da Onda Solidária para jovens brasileiros aos 13 anos e partiu para os Estados Unidos, onde compartilhou, em inglês, a experiência de sua comunidade para uma plateia interessada. "Observei as pessoas me respeitando e valorizando, o que me deu uma percepção sobre meu próprio valor, o valor da juventude nessa luta e o papel protagonista do Brasil na comunidade internacional."
De volta à Santana do Deserto, começou a dar aulas de inglês no projeto. Então, vieram outros intercâmbios para os EUA, com outras organizações, até que, em 2019, chegou ao Catar, para discursar em um evento sobre o papel do esporte como fator de mudança social. No início desse ano, foi ao Reino Unido palestrar sobre a agenda climática a convite de uma importante organização de defesa do meio ambiente, "que ficou impressionada com nosso trabalho de mobilização da juventude, aqui no Brasil".
Paralelamente à atuação internacional, Marcos foi convidado a ser embaixador do Ambiente Jovem, maior programa de educação ambiental do Brasil, realizado pelo estado do Rio de Janeiro. O trabalho de mobilização com esse público se materializou na organização do primeiro e do segundo Fórum da Juventude Rio2030, braço da mobilização que discute a implementação das metas da Agenda 2030. Hoje, é diretor da Onda Solidária, ONG que o conheceu criança, e atua na pasta de sustentabilidade do Supremo Tribunal Federal.
"Os jovens observam a lentidão na tomada de atitudes para salvar o planeta. Políticos e iniciativa privada se reúnem há bastante tempo para debater o assunto, mas quando a gente vai ver, na prática, há poucos avanços, em um ritmo muito mais lento do que precisamos. Só que nós é quem vamos herdar esses impactos, é uma questão de autopreservação, não só da natureza, mas de nosso futuro e das gerações ainda mais novas. As juventudes colaboram com o senso de urgência", argumenta.
Marcos se considera um realista esperançoso. Além da pressa, sente também que a criatividade, sua e dos muitos amigos que fez na militância ambiental, pode muito: "Talvez, o fato de ver que não avançamos muito nessa luta pode gerar desânimo, uma sensação de que não tem mais jeito. Mas a juventude contribui com essa esperança idealista de que ainda é possível. A mim, desmobiliza não ter esperança, por isso, acredito".
Caminho político
Decidido a começar a graduação o quanto antes, o jovem ambientalista agarrou a primeira vaga que viu surgir no Sistema de Seleção Unificada (Sisu): era para Brasília. Na UnB, começou a cursar relações internacionais durante a pandemia, se apaixonou pela cidade e decidiu morar aqui quando as aulas passaram para o presencial.
A vocação política da capital encontrou seu carisma de líder. Mudou de curso, concluindo que, apesar de ainda querer conhecer mais sobre o mundo, estava mais interessado nas questões internas do Brasil.
"Tenho uma paixão muito grande pelo nosso país e acredito na potência que somos: podemos ser um exemplo para a comunidade internacional na questão ambiental", fala.
Marcos ainda está se descobrindo, diz que não tem um caminho certo desenhado na cabeça, mas já está bebendo bastante do direito para questionar os poderosos. "Quando a gente fala de racismo ambiental ou equidade intergeracional, estamos falando de direitos fundamentais, uma série de direitos expressos na Constituição Federal que não estão implementados, sem contar outras leis e políticas públicas que precisam ganhar mais amplitude."
O estudante pontua que os efeitos da emergência climática já podem ser sentidos e afetam, de maneira mais severa, as populações mais vulneráveis. Ele afirma que apesar de palpáveis, muita gente não consegue entender de que forma as ações tomadas pelos políticos estão ligadas a esses desastres.
"Em 2021, teve uma chuva lá na minha cidade que nunca vi na vida. Até meu avô disse que nunca tinha visto nada parecido. A casa da minha mãe foi atingida, lotou o piso de granizo, houve um deslizamento de terra na região, mas até para mim, demorou a cair a ficha de que isso era um efeito das mudanças climáticas", conta.
E é nesse ponto que a história volta ao início. A luta de Marcos, apesar de complexa, é, no fim das contas, uma luta pela proteção da sua vila, que celebrou com festa a honraria concedida por uma importante organização internacional, mesmo sem entender bem do que se tratava. E é também a luta pelo mundo inteiro, que ele sempre enxergou dali.
"Contar sobre o prêmio para meus irmãos mais novos, para meu avô, foi muito especial. Eu, um jovem do interior, de uma família que as pessoas não iam para universidade até ontem, cheguei lá, nos braços de muita gente", comemora o menino, que é do tamanho do que vê.
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