Inovação

Futuro ancestral: desenvolvedora cria app que ensina língua indígena do Brasil

Suellen Tobler apresentou a ferramenta na Campus Party Brasília 2024, que pretende manter vivo o nheengatu, idioma amazônico quase extinto

Lara Costa*
postado em 14/04/2024 06:00 / atualizado em 14/04/2024 14:22
Suellen com Dailza Araujo, professora indígena que a inspirou a criar o aplicativo -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Suellen com Dailza Araujo, professora indígena que a inspirou a criar o aplicativo - (crédito: Arquivo Pessoal)

Uma reparação histórica importante: brasileiros de todas as regiões podem aprender uma língua indígena ao alcance de um clique. O Nheengatu App é o primeiro aplicativo de ensino de língua indígena do país. A ferramenta pretende estimular a aprendizagem do idioma por meio de exercícios com palavras e frases, além de áudios gravados, para manter viva a cultura dos nossos povos tradicionais.

O nheengatu foi a principal língua falada na região amazônica, por isso, ficou conhecida como Língua Geral Amazônica. Com origem no tronco linguístico do tupi, sofreu influências do português, assim como o português brasileiro, do tupi. Hoje, no entanto, a língua é falada, majoritariamente, em apenas três regiões: o Baixo Tapajós, no Pará, o Baixo Amazonas e o Alto Rio Negro, ambas no Amazonas.

Suellen Tobler, pesquisadora e desenvolvedora de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), criou o aplicativo com objetivo de estimular novos falantes e revitalizar o idioma. "Temos um processo histórico de violência contra a cultura e as línguas indígenas, então, o aplicativo contribui na documentação e no ensino e aprendizagem da língua, que está em perigo de extinção", conta.

A decisão pelo nheengatu entre as línguas de outras etnias veio porque a desenvolvedora encontrou similiaridades entre ele e o alemão, que estudava na época. Além disso, foi influenciada por Dailza Araujo, professora da escola indígena Suraraitá Tupinambá, da Aldeia São Francisco: "Foi ela quem me presenteou com o livro Nheengatu tapajowara e acendeu essa chama dentro de mim".

O app foi lançado em outubro de 2021, com apoio da Lei Aldir Blanc e da Secretaria de Cultura do Pará. Disponível gratuitamente em um site acessível em diferentes navegadores e também para download, vem sendo utilizado em escolas indígenas na região do Baixo Tapajós. Os áudios disponibilizados são, inclusive, de um professor da região — George Borari, que leciona o nheengatu da Escola Indígena Borari, de Alter do Chão.

Em março deste ano, Suellen foi convidada para apresentar o projeto na Campus Party Brasília, quando contou a história de criação da tecnologia. Em 2020, interessada em aprender línguas indígenas, ela procurou aplicativos para isso, mas não encontrou. No entanto, achou muitos apps que traduzem a Bíblia para diversas línguas tradicionais do Brasil. Foi quando pensou: por que não usamos a tecnologia para a preservação e promoção das nossas próprias línguas ancestrais?

"Os desenvolvedores e desenvolvedoras de sistema são vistos como profissionais desprovidos de senso crítico e afastados das lutas sociais, então, fazer esse aplicativo foi uma grande oportunidade para mostrarmos que nós temos senso crítico, sim, e podemos usar a tecnologia para o bem comum", defendeu, durante a apresentação.

Retomada linguística

A retomada linguística é uma das pautas defendidas por comunidades indígenas em todo o mundo. Por isso, o desenvolvimento do aplicativo chamou a atenção de outros grupos no Brasil, que se interessaram em produzir suas próprias tecnologias. Suellen foi co-autora de outros dois apps de ensino de línguas nativas, o Nuke Tsãy App e o Kaingang App.

"Esses projetos funcionam como políticas públicas e são instrumentos políticos. A repercussão na internet ajuda no engajamento com a língua", diz a pesquisadora. "Os recursos de incentivo foram importantes para viabilizar os aplicativos, mas não são suficientes, tive que arcar com alguns gastos. Então, estamos sempre buscando instrumentos de políticas públicas para mantê-lo", pontua.

*Estagiária sob a supervisão de Priscila Crispi

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