Eu, Estudante

Orgulho brasiliense

Neurocientista de 27 anos é selecionada para doutorado em Cambridge

Gabriela Pinheiro, cria da educação pública do DF e da UnB, ganhou bolsa para pesquisar possíveis terapias para a esquizofrenia em uma das mais prestigiadas universidades do mundo

A menina de Samambaia que atravessava a cidade de ônibus para estudar biotecnologia no campus Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília (UnB) já sabia bem o que queria. Gabriela Pinheiro sempre sonhou com um intercâmbio fora do país, uma carreira acadêmica e um currículo impecável. Hoje, com apenas 27 anos, mestre em ciências da saúde também pela UnB, ela se prepara para pisar na Europa pela primeira vez — e não vai ser a passeio. A brasiliense foi selecionada para o programa de doutorado em neurociência da Universidade de Cambridge, uma das mais prestigiadas do mundo.

"Abdiquei de muita coisa durante os meus anos de graduação para ter um desempenho alto nas disciplinas, porque eu sabia que iria precisar ter notas boas para partir para uma pós-graduação fora do país. A UnB te dá todo suporte, mas vai do aluno correr atrás do que quer. Foi uma trajetória de muito esforço e eu fico feliz de ver que esse esforço foi recompensado", comemora.

Gabriela vai estudar os impactos cognitivos da esquizofrenia e possíveis desenvolvimentos de novas terapias para tratar a doença. A pesquisa é um desdobramento do tema que vem trabalhando desde a graduação, as doenças neurológicas. A área despertou sua atenção durante uma palestra ainda no primeiro semestre da faculdade e a estudante passou semestres atrás da professora de neurofarmacologia Márcia Mortari até conseguir um estágio em seu laboratório. Trabalhou ali como bolsista testando novos fármacos para o tratamento dessas enfermidades, o que acabou virando uma dissertação de mestrado.

Ela conta que no doutorado, não vai realizar testes laboratoriais de remédios, "mas os resultados também poderão ser altamente aplicáveis para o mercado, creio que toda pesquisa na minha área tem essa vocação".

A cientista afirma que, apesar do pouco investimento, o Brasil consegue produzir pesquisas muito relevantes e que estão chamando a atenção da comunidade científica internacional. "Acho que a UnB forma profissionais muito bons, temos cursos excelentes", pontua, dizendo que se sente segura de que sua formação vai fazer frente às exigências da universidade britânica.

E seu desempenho comprova a afirmação: Gabriela foi aceita não só para a universidade que escolheu, mas em várias outras que aplicou para o processo de seleção, incluindo Oxford e King's College, também no Reino Unido. Nessa última, seu projeto foi um dos sete escolhidos de alunos internacionais, entre mais de 1.200 inscrições.

"Pude escolher e escolhi a Universidade de Cambridge porque gostei muito do projeto que propus e dos orientadores, nos identificamos e acho que a cultura do laboratório deles é a que eu gostaria de estar inserida", conta.

Ninguém vence só

A recepção de sua pesquisa pela equipe internacional foi super positiva, mas Gabriela ainda não sabe se, após o pós-doutorado que deseja engatar no exterior, volta ao Brasil ou segue trabalhando fora. Se de um lado, a falta de investimentos na ciência desencoraja uma carreira nacional, a saudade de casa pode pesar.

"As condições de financiamento à pesquisa influenciaram em minha decisão de querer estudar na Inglaterra, mas, na verdade, sempre foi um sonho meu morar fora e os estudos foram uma forma de conseguir isso, porque não tinha condições financeiras para ir", lembra. A pesquisadora é filha de um técnico de telecomunicações e uma professora de educação infantil. "Estudei, majoritariamente, em escola públicas de Taguatinga e, no ensino médio, fui para o colégio do Sesc. Aprendi inglês no Centro Interescolar de Línguas, o que fez toda diferença para abrir portas."

Deixando para trás a família e o namorado que a apoiaram ao longo de tantos anos de estudo, ela diz que a decisão de voltar ou não vai ficar para depois: "acho que só vou saber mesmo depois que pisar lá".

Durante o doutorado, a neurocientista vai receber uma bolsa que cobre seus custos de vida e a anualidade da universidade. Quando passou na seleção, porém, soube que teria que arcar com as taxas do visto e do seguro de saúde obrigatório, que ficariam em torno de R$ 25 mil. Foi, então, que lançou uma vaquinha para arrecadar o valor. Pouco depois, ficou sabendo que a universidade iria reembolsar a despesa.

A solidariedade de amigos e conhecidos colocou o chão para Gabriela andar mais alguns quilômetros em direção ao seu sonho. "Entrei em contato com todo mundo e expliquei que receberia o reembolso da universidade, mas a maioria das pessoas resolveu manter a ajuda, o que me deixou bem feliz. Esse dinheiro vai ser útil nessa fase de mudança e para comprar passagens", comenta.